Análise do filme “300” e uma reflexão sobre o jovem e a sua fase da iniciação nos tempos antigos, um olhar junguiano

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O filme “300” é a adaptação cinematográfica da graphic novel: ‘Os 300 de Esparta’, de Frank Miller, uma mistura de épico e o melhor dos efeitos visuais que um computador pode construir nos dias atuais, com cenários digitais (inseridos na pós-produção), resgatando o estilo do filme Sin City (2005).

Com roteiro e direção de Zack Snyder, filmado no Canadá, em 2007, o filme evoca as grandes tragédias gregas e é direcionado a um público que gosta de mangás e scripts de video-games.

O diretor utiliza a cor vermelha, cinza e preto, como principais cores, lembrando as pinturas de Caravaggio. “Snyder encanta-se pelos quadrinhos de Frank Miller, cuja beleza é a da grande pintura. Seu filme reinventa e saboreia essa beleza”, segundo o jornal Folha de São Paulo, de 22/4/2007.

O filme com toda esta mistura “não é sobre eventos históricos; é sobre uma história em quadrinhos”, comenta o diretor Zack Snyder.

A aventura é narrada pelo guerreiro espartano, Dilios (David Wenham), que divulga os feitos heroicos do Rei Leônidas e de seus 300 soldados, que lutaram bravamente com milhares de invasores persas. A mais famosa batalha ocorrida na Antiguidade que trata da luta entre espartanos e persas no desfiladeiro das Termópilas, no ano de 480, antes de Cristo.

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                             Rei Leônidas (Gerard Butler)

 

O Rei Leônidas é um soberano que confronta os próprios conselheiros quando o assunto é a ameaça à Grécia. Proibido de ir à guerra contra os invasores persas, com todo seu exército, consulta o Oráculo, seu guia religioso.

Segundo as versões históricas, o Oráculo de Delfos, na Grécia Antiga era representado por mulheres mantidas em reclusão cujas aparições públicas ocorriam após a ingestão de ervas alucinógenas preparadas pelos seus guardiões.

O Oráculo de plantão deveria aparecer somente para os reis, comerciantes e outros clientes, pronunciando enigmas pouco inteligíveis, e a tradução cabia aos sábios ou aos éforos, como mostra o filme.

Leônidas sabe que a adolescente que representa o Oráculo é guiada por um grupo de éforos corruptos e o vaticínio é que Esparta cairia, caso Leônidas provocasse a guerra.

Contrariando os sacerdotes, que eram a Lei, Leônidas resolve enfileirar seus 300 soldados mais preparados para irem em direção ao desfiladeiro das Termópilas. E nesse lugar, os espartanos são favorecidos geograficamente e o Rei e seus soldados lutam, corpo a corpo, com suas espadas e escudos com os soldados persas, confrontando-se nos Portões de Fogo.

O Rei Leônidas, inteligentemente, conduziu seus homens para o desfiladeiro das Termópilas, cujos estreitos penhascos iriam diminuir a vantagem numérica dos inimigos, como previa.

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                      O confronto nos Portões do Fogo

 

Ao mesmo tempo, a Rainha Gorgo, esposa de Leônidas tenta enviar tropas para auxiliar o marido, mas antes precisa convencer o Conselho do Rei.

A Rainha é uma mulher agressiva, inteligente, que emite opiniões junto aos políticos, ganhando um papel fundamental no desenrolar da história.

 

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                             Rainha Gorgo (Lena Headey)

 

Nesta versão cinematográfica, as mulheres da Grécia são exuberantes, inteligentes e com poderes políticos, inviáveis na Grécia Antiga.

No filme, não há cenas de amor entre o Rei e a Rainha e muito menos demonstrações de ternura e afeto, excetuando-se uma cena em que os dois se amam durante uma madrugada, quando o Rei sofre de insônia.

O Rei Leônidas ama sua esposa, o filme não deixa dúvidas, mas olha para ela como se ela fosse seu soldado, ao mesmo tempo em que ouve seus conselhos, buscando o seu apoio.

Os conselheiros do Rei não são confiáveis; eles são liderados pelo deputado Theron, que é um dos conselheiros mais influentes e corruptos da política espartana, que vendeu sua “alma” ao Rei Xerxes, em troca de algumas moedas de ouro, a fim de incentivar os membros do Conselho a votarem contra a ida de Leônidas e os 300 à guerra.

Theron não é personagem dos quadrinhos, mas foi criado, especialmente, para este longametragem.

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                                      Deputado Theron e a Rainha Gorgo

 

Na Grécia Antiga, os bebês nasciam e passavam pelo crivo do olhar dos pais, que examinavam a criança de cima a baixo, e, se fossem raquíticos, disformes ou feios, eram lançados do topo dos rochedos, para servirem de alimento aos corvos. A justificativa para o infanticídio era o ideal espartano, a obsessão pelo corpo perfeito, pois o corpo não pertencia ao homem, mas à Polis.

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                           O traidor Ephialtes (Andrew Tiernan)

 

Com Ephialtes isso não aconteceu, ele deveria ser sacrificado ao nascer, considerando suas deformações físicas, mas seus pais o pouparam. Quando cresceu, percebeu que ali não tinha lugar para ele, sentia-se um estranho no ninho. E, por não ter sido “adotado” pelo Rei Leônidas, deixa crescer seu ódio, impulsivo, carniceiro, traindo a própria pátria, por ser rejeitado.

A sua desforra foi vender-se ao rei da Pérsia que prometeu a ele, mulheres e riqueza, para contar tudo o que sabia da estratégia de guerra de Leônidas. E o rei Xerxes conseguiu as informações com muita facilidade. Nos dois dias de batalha, os soldados gregos rechaçaram todas as tentativas dos soldados de Xerxes. A sorte só mudaria quando Ephialtes guiou, por uma trilha de cabras, a elite das tropas orientais até a retaguarda dos espartanos.

Ao ser informado da aproximação inimiga, Leônidas ordenou a retirada da maioria dos homens, e sob seu comando ficaram apenas ao 300 bravos guerreiros.

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                                     Os soldados persas

 

O imperador persa com seu aspecto bestial e a voz gutural (modificada por computador), não se considera humano, mas um deus que adora adulações. Na graphic novel de Miller, a voz do tirano é revelada como “um trovão, um óleo quente”, segundo a revista Set/Cinema (março/2007).

Com 3 metros de altura, a pele dourada, a cabeça raspada, com mãos e braços cobertos de anéis e pulseiras, sua figura é andrógina e esquisita.

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                             Rei Xerxes (Rodrigo Santoro)

 

Seu séquito é composto basicamente de escravos e dos “Imortais”, a elite de suas tropas. Os “Imortais” são os soldados mais mortíferos da Ásia, que seguem o visual imaginado por Frank Miller nos quadrinhos, recebendo a adição de uma face deformada e monstruosa, quando as máscaras são arrancadas. Infere-se, aqui, por esses indícios, que quando bebês, rejeitados pelos pais por suas deformações físicas, e lançados no meio das pedras, os sobreviventes eram “adotados” pelo tirano para serem seus escravos e soldados, transformando-se nos “Imortais”.

O título de “Imortais” pode ratificar esta hipótese, porque ao serem lançados nos rochedos, eles não morriam, mas, sim, sobreviveram.

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                                            Os Imortais

 

Massacrados e mortos, os 300 soldados espartanos cumpriram sua missão ao garantir tempo suficiente para que o restante do país se preparasse para a guerra.

Em Platéia, meses depois, os persas tiveram de enfrentar 10 mil espartanos, comandando 30 mil gregos. O treinamento, a dedicação e o sacrifício transformaram estes homens em heróis, capazes de unir a Grécia e confrontar o inimigo persa. Eles se consideravam descendentes de Hércules, um herói de todos os tempos.

A batalha em Termópilas realizada pelos guerreiros espartanos revela como é importante a estratégia militar para o sucesso de uma guerra.

 

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Leônidas nas Termópilas (1814) – Museu do Louvre/Paris

                                Jacques-Louis David

 

A Batalha das Termópilas foi uma passagem da contenda entre dois Impérios em ascensão. Conta-se que, vindo por terra e por mar, as hordas persas, sob o comando do Rei Xerxes, cruzaram por uma ponte de barcos os 2 quilômetros do Helesponto, hoje chamado Estreito de Dardanelos. O que pode dar uma noção do tamanho dessa frota. No total, mais de 3 milhões de soldados de diversas nacionalidades compunham o Exército de Xerxes. Ao Rei Leônidas coube apenas 7 mil homens vindos de várias cidades gregas. Entre eles, estavam 300 dos melhores soldados espartanos escolhidos pessoalmente pelo Rei, segundo Heródoto.

Na mente dos invasores, a imagem dos estragos realizados pelos 300 soldados de Leônidas inibira o ataque de Xerxes. O autor da lenda ao escrever esta história, quis perpetuar a glória dos mortos, em heroicos combates.

Segundo o jornalista polonês, Ryszard Kapuscinski, Heródoto não descrevia o mundo como faziam os filósofos pré-socráticos, partindo de seu próprio pensamento, porque ele contava o que havia visto e ouvido em suas viagens. Nunca emitia uma palavra de ódio ou usava termos como inimigo ou aniquilamento. A linguagem do ódio não tem lugar em seus textos. Escolhe palavras dramáticas, que servem para mostrar a desgraça humana dentro do conflito. Não julga, apenas destaca as razões das duas partes para que o leitor forme sua própria opinião. Sua obra é uma grande apologia da democracia, uma acusação contra tiranos. Mostra que a guerra era o conflito entre a democracia e a ditadura, e que a primeira venceu porque os homens livres estão dispostos a dar a vida para conservar sua liberdade. (UFSC, 2003)

Segundo Heródoto, tido como o Pai da História, o Rei Leônidas, em momentos antes da batalha final de suas tropas contra os persas, no desfiladeiro das Termópilas teria proferido a seguinte frase: “Almocem comigo aqui e jantem no inferno!”

A INICIAÇÃO: O MENINO E O LOBO

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                                   O menino e o lobo

Para Julio Cabrera a guerra é inseparável de sua ressonância afetiva e partindo deste pressuposto, constato que as reações psicológicas dos envolvidos nesta trama são inexpressivas. Talvez, porque entre os soldados espartanos não há espaço para demonstrações de lamentações, choros ou piedade, pois os guerreiros são gerados para serem soldados.

O soldado Dilios, que perdeu um olho na batalha é o único sobrevivente espartano que retorna, a pedido de Leônidas. Volta para casa, sem transformar-se num psicótico e inválido, mesmo com a alma atormentada, possuída pela dor da perda dos amigos, em combate.

Mas, para que o soldado chegue neste estágio de autocontrole, ele precisa submeter-se a um processo constituído do condicionamento físico e, também, de um treinamento psicológico ferrenho, que se inicia em sua tenra infância.

O filme inicia mostrando um garoto, em torno de 7 anos, que é separado dos pais e é submetido a um treinamento massacrante e aterrorizador, que deixaria qualquer criança, com fortes sequelas, fomentando o seu ego a tornar-se um adulto com grande potencial para transformar-se num psicopata. Mas, contrariamente, o filme nos revela que todo o sacrifício (pelo menos aqui fica evidenciado) será para o bem do próprio espartano, que se submete ao “treinamento”, com pretensão de transformar-se em um guerreiro, para o bem do Estado ou da Pólis, e cada um em particular tem sua função especial para o bem do todo.

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                                          A iniciação

Segundo o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961), nos rituais das sociedades antigas que envolviam processos de iniciação, os meninos e/ou meninas eram afastados dos pais e obrigados a se integrarem a seu clã ou sua tribo. Mas, neste rompimento com o mundo infantil, a ligação parental original era rompida e, para que tal dano fosse sanado, seria necessário um processo “curativo” de assimilação à vida em grupo (1977).

A identidade do grupo com o indivíduo é, muitas vezes, simbolizada por um animal totêmico, como, neste filme, a figura do lobo, que pode ter este significado. Para os gregos, o lobo é uma metáfora da coragem.

No processo de iniciação, o jovem depara-se com todo tipo de adversidade, como a neve (viviam apenas com o tapa-sexo), a fome, a solidão e os animais ferozes, capazes de devorá-lo num minuto. Sua arma é apenas um bastão comprido, que usa para se defender. A sua vida é um objeto da sorte, sempre à mercê do que poderá encontrar pelo caminho terrível e ameaçador.

O garoto mata o lobo numa emboscada e observa sua agonia com indiferença e completamente inconsciente do valor da sua vida e da terrível realidade que o rodeia.

Para todos os habitantes de Esparta, a iniciação a que o jovem se submete é uma experiência decisiva, depois da qual poderá ser morto ou transformar-se num rei, como é o caso de Leônidas, que foi bem-sucedido na sua experiência.

O filme também mostra o garoto, já crescido, retornando à tribo, agasalhado com a pele do lobo, que matara na noite fria. A pele do animal é a prova de que foi capaz de sobreviver.

Depois de passar pelo rito de iniciação, o ego infantil ou do adolescente liberta-se da opressão das ambições paternas e encontra sua própria individualidade. Como parte desta ascensão em direção à consciência, a batalha entre o menino e o lobo pode ser repetida por meio de outras batalhas, com outros animais, por exemplo, a fim de liberar a energia necessária a uma imensidão de tarefas humanas.

Cada ser humano possui, originalmente, um sentimento de totalidade, um sentido poderoso e completo que Jung denomina SELF (o si-mesmo). O si-mesmo é a totalidade de nossa psique, e de onde emerge a nossa consciência individualizada, nosso ego, à medida que crescemos. E quando a identidade infantil é temporariamente suprimida em seu inconsciente, em prol de ser salvo deste estado pelo rito, ocorre um novo nascimento. Este é o primeiro ato verdadeiro de assimilação do ego em um grupo maior (o coletivo), exprimindo-se sob a forma de totem, clã ou tribo, ou uma combinação dos três.

E este rito caracteriza-se sempre em morte e renascimento, um rito de passagem, de uma fase da vida para outra, seja da infância para a meninice, seja do início para o final da adolescência e daí para a maturidade, segundo Jung (1977).

Acontecimentos de caráter iniciatório podem ocorrer em toda fase de uma vida humana e é acompanhada do conflito original entre as exigências do ego e do SELF. O ego precisa defender-se da próxima dissolução da vida em morte, segundo a teoria junguiana.

Jung utiliza o mito do Herói para poder exemplificar sua teoria da individuação, de como ocorre este processo psíquico, que significa sermos nós mesmos, verdadeiros, em qualquer circunstância. Ele julgava que os mitos são manifestações da essência da alma e que foi negada de modo absoluto até nossos dias. O homem primitivo não se interessava pelas explicações objetivas e óbvias, mas, por outro lado, tinha uma necessidade de assimiliar toda a experiência sensorial a acontecimentos não explicados racionalmente. (2000)

 

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                                 Máscara do guerreiro

O mito do Herói é uma das etapas na diferenciação da psique, em que o ego procura alcançar uma autonomia relativa da sua condição original de totalidade (SELF), obtendo um certo grau de independência, para poder relacionar-se com seu ambiente adulto, em busca de seu autodesenvolvimento psíquico, de sua individuação, segundo a teoria junguiana.

No decorrer do desenvolvimento da consciência individual, a figura do Herói é o meio simbólico através do qual o ego emerge e vence a inércia do inconsciente, liberando o homem amadurecido do desejo regressivo a uma volta ao estado de bem-aventurança da infância, em um mundo dominado por sua mãe. (1977)

Resumindo, o processo de individuação consiste no que é possível avançar e retroceder ao longo de nosso caminho. Cada momento tem sua própria lição a ensinar, e reencontramos situações que nos lançam de volta a estágios anteriores, para que possamos aprender e reaprender lições/situações que envolvem a sutileza emocional e intelectual.

Assim, a lição aprendida num certo momento é transportada para o momento seguinte. Seu significado nunca é perdido, apenas é ampliado pelas novas experiências. A nossa luta contra o “lobo” é constante. Mas, quais aspectos caracterizam o mito do Herói?

Segundo Jung, geralmente, o Herói tem um nascimento humilde, mas milagroso, submete-se a provas de sua força sobre-humana precoce, sua ascensão é rápida ao poder e à notoriedade, sua luta triunfante contra as forças do mal, porém, sua fabilidade diante da tentação do orgulho (hybris), e seu declínio, por motivo de traição ou por um ato de sacrifício “heroico”, levam-no sempre à morte. (1977)

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                                        O Rei Leônidas

Também possui forças tutelares ou guardiãs, que lhe permite realizar as tarefas sobre-humanas que seriam impossíveis de executar sozinho. A força pode ser simbolizada pela astúcia/inteligência ou força física.

Na adolescência, o homem expressa os princípios idealistas de sua vida, sentindo a força que exercem para transformá-lo e mudar seu relacionamento com as outras pessoas. Este idealismo impulsiona-o com tanta força, conduzindo a um excesso de confiança (hybris), como no caso de Lêonidas.

Seu o ego exaltado pelos seus atributos físicos, sua força e excesso de confiança, levou-o ao desastre, a perda guerra.

Mas, o ego do Herói sempre há de correr riscos, pois se ele não lutar por um objetivo mais alto do que aquilo que lhe é fácil obter, não poderá vencer os obstáculos que vai encontrar posteriormente, sendo que ele jamais recua diante das dificuldades. O sacrifício ou morte do herói é a cura necessária para a sua hybris, o orgulho cego, segundo a teoria junguiana.

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                 O monstro, um dos obstáculos de Leônidas

Segundo Jung, nas sociedades primitivas este perigo pôde ser evitado com a instituição do sacrifício humano expiatório, um tema de enorme importância simbólica, que reaparece continuamente na história do homem. A traição ou derrota, na mitologia europeia, o tema do sacrifício ritual é mais especificamente utilizado como punição para a hybris. (1977)

Os personagens deste filme são desde cedo incentivados a viverem como guerreiros e devem assumir o controle de sua vida e adquirir poder sobre os demais. Tornaram-se soldados antes mesmo de saberem quem são. E passam grande parte de sua vida vivendo como guerreiros sendo esta condição social que a sociedade da Grécia Antiga lhes outorgava.

Porém, quando chegava a meia-idade, momento de grande conflito, em que teoricamente já se devia ter atingido os objetivos sociais, ele não questionava sua identidade e continuava seu trajeto evolutivo, interior ou exterior. Então o homem que virou guerreiro fica por um bom tempo nesta condição social.

Mas, o ego deve libertar-se da inconsciência e da imaturidade e a sua “batalha pela libertação” está, muitas vezes, simbolizada na luta do herói contra um monstro, e neste filme, o monstro é um gigante, o tirano Xerxes.

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                               Rei Leônidas e o Rei Xerxes

Segundo Jung, o mito do Herói também mostra o tema arquetípico do triunfo do ego sobre as tendências regressivas. Para a maioria das pessoas, o lado escuro ou negativo de sua personalidade permanece inconsciente. O mito do Herói, ao contrário, precisa convencer-se de que a sombra existe e que dela pode retirar sua força. Deve entrar em acordo com o seu poder destrutivo, se quiser estar suficientemente preparado para vencer o monstro. Mas, o ego precisa antes subjugar e assimilar a sombra. (1977)

A diferenciação do Herói e da sua iniciação é interessante: o Herói esgota sua força para obter o que ambiciona, enquanto na iniciação, ao contrário, o Noviço deve renunciar a toda ambição e a qualquer aspiração, para, então, submeter-se a uma prova. Deve aceitar esta prova sem esperança de obter sucesso. Deve estar preparado para morrer.

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                        O Rei Leônidas vai à guerra

 

E o que define o heroísmo para o homem contemporâneo?

O heroísmo consiste em termos a coragem (co = coração + age = agir = agir com o coração) de sermos inteiramente nós mesmos e enxergar, sem negação, o que somos, mantendo-nos abertos para o aprendizado das lições que a vida nos oferece, na visão junguiana.

Sabemos todos que, por mais que lutemos e alcancemos nossos objetivos, a “luta” continua. Sabemos, também, que, não somos imortais e um dia pereceremos. Lutar, vencer, e possuir o poder, vestindo a máscara do guerreiro ou do rei, vestiremos a máscara que nos cabe. Devemos ainda, procurar o heroísmo dos “Magos”, aqueles que de fato têm poder sobre si mesmos, aqueles que sabem o verdadeiro valor e sentido da vida, e que para cada um é diferente a caminhada.

E se não corremos riscos como nosso Rei Leônidas, se apenas representamos os papéis sociais estabelecidos, seremos entorpecidos, com a sensação de alienação, de um vazio interior, sem crescimento psíquico, sem a individuação.

Se este filme é para o público jovem acostumado com video-game pode ser um bom momento para uma reflexão sobre o valor da vida, da competição, das perdas e ganhos.

A “luta” deve servir para concluirmos o nosso processo de individuação, sendo este o verdadeiro “ato heróico” do homem contemporâneo. Pois, é preciso ter coragem e determinação para sermos verdadeiros em relação aos nossos atos.

O filme aproveita a ideia da guerra, mas não esgota o tema. Também mostra o valor da vida como algo que tem propósito; desde cedo, o jovem sabe para que serve sua existência. Com inteligência, força e tenacidade, ser guerreiro de Esparta era sua glória.

Acredita-se que, se não mais buscássemos o triunfo, o sucesso, de forma desmedida e sem controle, aí então, encontraríamos o verdadeiro significado do heroísmo, que é o nosso encontro com o verdadeiro Eu. E como diria Menelaos Stephanides, estudioso dos mitos gregos:

“Heróis: são homens fortes, intrépidos e belos de alma, de mente e de corpo. E mesmo que não tenham sido assim, da maneira como queria a fantasia humana naqueles antigos e míticos tempos, de qualquer modo eles existiram, pois sempre houve e sempre haverá heróis.” (2000)

PLATÃO VAI À GUERRA

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                                    Desenho do filme

 

Platão (427-347 a.C) interessava-se pela relação daquilo que flui (tudo que podemos tocar e sentir na natureza) com o que é imutável e eterno (modelos espirituais ou abstratos). Cita, por exemplo, nossa alma, que o filósofo considerava imortal e fazendo parte do mundo das ideias. A teoria de Platão, em resumo, sugere que tudo que está ao nosso redor na natureza, refere-se ao mundo dos sentidos e nada é duradouro, como a guerra, por exemplo. O filósofo considerava, então, que, como tudo é passageiro, perecível, não era possível conhecer as coisas do mundo dos sentidos, pois eram muito incertas. E só podemos chegar a ter um conhecimento seguro daquilo que reconhecemos com a razão, no que consiste o mundo das ideias, que são eternas e imutáveis, como nossa alma.

Segundo Platão, o homem é um ser dual, tem um corpo que se desintegra e está ligado ao mundo dos sentidos. E também tem uma alma imortal, perene, que é a morada da razão.

E justamente porque a alma não é material, ela pode ter acesso ao mundo das ideias. E todos os fenômenos da natureza são meros reflexos das formas eternas ou ideias. Só que a maioria das pessoas está satisfeita apenas com os reflexos, com o mundo dos sentidos. (Gaardner, 1995)

Segundo o escritor Julio Cabrera, cada filme de guerra remete à ideia de guerra, remete a um universal que está em outro lugar. E o particular nunca é totalmente um particular, sempre está apontando para o universal e cita Platão: “Segundo Platão, toda coisa ou evento particular participa de alguma Ideia universal, tem sua Ideia em outra parte, não nela mesma (...)” (2006).

Neste filme, as vítimas, com seus corpos expostos e dependurados numa árvore, são revelados numa cena ao entardecer, e o espectador demora um pouco até perceber quais são os “frutos” daquela árvore maldita.

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A árvore de corpos

Os cadáveres viram árvores ou servem de muralhas humanas. São exemplos dos horrores da guerra que o diretor quer nos transmitir.

Os vivos também sofrem com a guerra, porque podem perder suas mãos e ganhar lâminas talhadas em seus ossos, transformando-se em figuras apavorantes.

Para Julio Cabrera: “A guerra é um conflito armado assumido quando as negociações pacíficas foram esgotadas e no qual dois ou mais países, ou duas ou mais facções de um mesmo país, se atacam mutuamente, até que um deles seja vencido, ou até que ambas as partes decidam entrar em um tipo de acordo”. (2006)

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Os horrores da guerra

O cinema, através do fictício, que captamos pelos nossos sentidos é capaz de nos mostrar apenas a ideia da guerra, mas não é o registro do real. O que existe de real no cinema é o impacto emocional que causa no espectador. Ao tratar das emoções, tanto quanto com outros elementos visuais e sonoros, remete ao particular, a uma situação vivida por um certo personagem, mas que, também, vai suscitar a universalidade daquele argumento.

Por exemplo, a estupidez de uma guerra ocorrida em Termópilas ou em Bagdá, nos permite pensar na guerra de uma forma em geral. Assim, o cinema pode fugir do escapismo e ir de encontro à reflexão.

Observando a solução conceitual da questão da guerra neste filme, do ponto de vista do coletivo, a narrativa sugere a formação de uma identidade coletiva dos espartanos, na medida em que todos os seus habitantes desejavam o mesmo fim, ou seja, a vitória em relação ao inimigo persa. A força dos espartanos, na luta contra o inimigo, fomentou a construção de uma identidade coletiva, porque era extremamente importante para a sociedade grega o seu fortalecimento, através da união de todos seus habitantes, originando a ideia de que “vale a pena lutar pela pátria”, para não se tornarem escravos de um rei déspota, mesmo que o resultado fosse ter que se defrontar com a morte.

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Capitão da tropa do Rei Leônidas

(Vincent Regan)

A cena final do filme mostra os guerreiros que foram flexados pelas tropas de Xerxes, personificando a nação devastada pela guerra, para, posteriormente, renascer e libertar-se, sob o comando do soldado Dilios, único soldado espartano que sobreviveu para contar a história.

O diretor apresenta uma solução “sublimada” da questão da guerra. Por mais que a guerra tenha destruído a vida dos 300 de Esparta e de tantos outros, os habitantes ainda são capazes de relembrar, reviver e reelaborar a experiência. Em consequência disso, são impulsionados a continuá-la, com mais soldados e material bélico, com o objetivo de mostrar à pátria, que ela está além de todo o sofrimento, valendo o sacrifício e a dedicação.

 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1) BLOG Fazendo Média. A guerra é a degradação do homem. Disponível em: www.google.com.br. Acesso em: 25/4/2007.

2) CABRERA, Julio. O cinema pensa: uma introdução à filosofia através dos filmes. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.

3) GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da filosofia. São Paulo: Cia das Letras, 1995.

4) JUNG, Carl Gustav Jung. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis/RJ: Vozes, 2000.

5) ___________________. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977.

6) Folha de S.Paulo– abril/2007

7) Set/Cinema, Revista, março, 2007.

8) STEPHANIDES, Menelaos. Hércules. São Paulo: Odysseus, 2000.

Sites

Imagens extraídas: www.300themovie.warnerbros.com.br e www.google.com.br

Ficha técnica do filme:

Título: 300

País: EUA

Ano: 2007

Direção: Zack Snyder

Elenco: Gerard Butler (Rei Leônidas), Lena Headey (Rainha Gorgo), Dominic West (Theron), Vincent Regan (Capitão) e Rodrigo Santoro (Rei Xerxes).

DVD: 110 min – aventura.

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