Análise do filme "Ensaio Sobre A Cegueira" e o mito de Édipo: o trágico da cegueira no homem em face de seu destino



O filme Ensaio sobre a cegueira, baseado na obra do escritor português José Saramago, conta a história de uma misteriosa epidemia que atinge a população de uma cidade e que deixa as pessoas cegas, sem perspectivas de cura. As autoridades obrigam encarcerar em um manicômio, as pessos acometidas pela falta de visão, porque acreditam que a doença é contagiosa.

O mal-estar se alastra nesta localidade e as condições de vida vão se degradando cada vez mais, num lugar sujo, fétido, sem comida e sem atendimento médico. Os discursos das autoridades na TV são irrelevantes, diante de uma realidade que não tem nenhuma explicação racional para os fatos.

Segundo o diretor deste filme, Fernando Meirelles: “Fala-se que as crises despertam nossos instintos de grupo e nossa solidariedade adormecida. Nesse microcosmo, constatei o quanto a afirmação tem de verdade”. (Revista da Folha de S. Paulo - 7/9/2008)


I- quem tem olho em terra de cego é rei

No filme Ensaio, os personagens passam pelo processo de transformação às custas da dor, do sofrimento e da precariedade que viveram no manicômio. Ao viverem murados, na total solidão e sem o auxílio das autoridades, tornaram-se a torpeza da humanidade, ao se digladiarem por um prato de comida ou uma cama para dormir.

Dessa forma, a cegueira é uma metáfora da “falta de visão” dos personagens que não enxergam os outros e nem a si próprios, e funciona como uma defesa psicótica. A pessoa sabe que fez coisas que ferem, mas não quer ver.

Nesta interpretação, a epidemia da cegueira não é um castigo, mas sim um alerta que surge em forma de uma doença social e que afeta o grupo. A epidemia simboliza a falta de visão das “autoridades” que abandonam o cidadão num manicômio, como se ele fosse um objeto sem serventia, sem utilidade e deve ser separado dos demais. O uso desta lógica denota uma negligência das autoridades perante as pessoas cegas e demonstra a falta de uma postura ética da própria sociedade, em relação ao próprio homem.

Segundo o mitólogo Joseph Campbel (1904 – 1987), o homem contemporâneo é racionalista, que crê no poder ilimitado da inteligência, que tudo pode compreender, e da ciência, que tudo pode analisar e decifrar, ele deixou de utilizar a sua percepção intuitiva e salienta que:

As leis científicas são hipóteses e qualquer cientista sabe que a qualquer momento é possível descobrir fatos que tornem obsoleta a teoria atual; isso acontece constantemente. É interessante. Na tradição religiosa, quanto mais antiga é a doutrina, mais verdadeira ela é considerada. (2008, p. 37)

O realismo prático dos homens que vivem nesta sociede impede-os de ter consciência não só da realidade objetiva, do visível e do tangível, mas também da realidade subjetiva, do mundo interno de cada um. A autopretensão do homem leva-o a um destino cego e que o surpreende, inúmeras vezes, em situações terríveis e inusitadas e impossibilita-o de ver a verdade de seus crimes, a fim de repará-los.

Para isso, será preciso abandonar a arrogância e adquirir a aceitação de si mesmo através da percepção intuitiva que tem o propósito de nos ensinar a ver ao longe, sendo uma função positiva do nosso inconsciente. A percepção intuitiva é uma súbita visão de luz que ilumina e aproxima o homem de si mesmo e do outro.

O homem caminha cego vida afora, sem domínio de si, porque não se conhece e, assim, não sabe controlar o seu destino. Ele se encontra determinado pelas marcas de seu passado, como uma maldição. O seu mundo vira um cárcere.

Enquanto o indivíduo estiver vivo, a realidade do mundo o frustrará e o incapacitará a ser feliz, porque a sua tragédia não está na liberdade obtida, mas no preço que paga por ela, que é a sua desestruturação. A falta de estrutura leva ao caos e não à liberdade.

Na presente interpretação, a mensagem implícita no filme é que a cegueira é uma metáfora da “falta de visão” do homem que não enxerga aquilo que prefere não compreender, incluindo o si mesmo. A sua cegueira impede-o de ver o que ocorre a seu redor e o conduz à alienação, que acarreta na falta da percepção dos fatos. O pior cego é aquele que não quer ver.

Mas, os atos humanos são determinados por um lógica inconsciente e os desinformados parentes de nossos pacientes, dizia Freud, se impressionam apenas com coisas visíveis e tangíveis, preferivelmente por ações, tais como aquelas vistas no cinema. (Freud, Conferências Introdutórias à Psicanálise, 1916/17; Introdução, p. 206).

O desejo é o que põe em movimento o aparelho psíquico e nos orienta segundo a percepção do agradável e do desagradável. O indivíduo é construído dessa forma, em que a libido tem um excesso que sustenta o desejo. A satisfação parcial pode ser obtida no mundo ou na sua subjetividade por meio dos sonhos, das artes etc.

A condição humana de ser desejante, cultural, complica a sua conquista para ser feliz, embora experimentemos, eventualmente, momentos de felicidade. Condenado à angústia por causa da sua insatisfação, o homem de hoje se contenta apenas com momentos fugazes da felicidade, satisfação parcial ou ilusória. O desejo jamais é satisfeito completamente, porque tem origem e sustentação na falta essencial que todo ser humano sente, a busca do “paraíso perdido” é eterna.

Os personagens podem utilizar a cegueira para recuperar o seu olho interior, para se reconhecer e se decifrar. A cegueira serve para que o homem enxergue a si mesmo, com os olhos de sua alma e altere o seu comportamento destrutivo. O divino sabe que o homem pode ver, mas isso não garante a compreensão do que ocorre a seu redor.

Os personagens não têm nome porque o filme não revela, mas eles podem ser definidos pelo caráter que apresentam e pelas escolhas que realizam. Eles vão tentando sobreviver, se esbarrando um no outro, até que surge a mulher do médico, a única que possui a visão perfeita. Ela vai estabelecer com o grupo uma relação amistosa e solidária, e quem tem olho em Terra de cego é rei.

Esta mulher com sua demonstração de bondade e compaixão auxiliou as pessoas a seu redor no manicômio, que unidos conseguem ser libertados. A atitude desta personagem redime e salva o grupo que vacilava. A “lavagem da alma” do grupo pode ser simbolizada pela chuva que cai na cidade e os personagens se banham. Metaforicamente, é a limpeza da alma, que elimina a conspurcação, a “sujeira moral” de cada um.

As mulheres representadas no filme Ensaio sobre a cegueira são depositárias da força, da resistência e da esperança, na medida em que se comprometem com a vontade de cada uma, mediando com a vontade do outro e/ou do grupo, a fim de se estabelecer uma convivência próxima da normalidade, baseada na solidariedade. O filme segue a trajetória desta personagem, como se o filme fosse contado por ela, sob seu ponto de vista. Mas, o narrador do filme é o cego de venda preta.

A partir do momento da fuga do manicômio constata-se que existe um “nascer de novo”. O grupo, ao adotar uma atitude diferente, no que se refere a seus propósitos e intenções, abre as possibilidades de aproveitarem deste processo para a transformação.

Os filmes e mitos compartilham o mesmo caráter imagético propício à leitura de imagens e metáforas. Assim como a mitologia está para a sociedade, a fantasia está para o sujeito e, em ambos os casos, trata-se da autoimagem, ou seja, da identidade (Goldgrub, 2004, p. 145).

E como afirma o psicólogo Carl Gustav Jung (1875-1961), é impossível entender o homem somente pelo viés da ciência. (1977, p. 106).

Ao retornar aos mitos que são construções da humanidade, em forma de narrativas e que são transmitidas de geração em geração, tentei buscar uma resposta para o comportamento do homem contemporâneo. As narrativas mitológicas nos mobilizam emocionalmente quando reconhecemos nas suas lendas algo parecido com nossas vidas. O homem cria os próprios mitos, mas também é influenciado pelos mitos antigos.

Quando a Grécia passou a fazer parte do Império Romano, este adotou a mitologia grega, porque os deuses se comportavam como humanos, sentiam ciúmes, inveja, despeito, raiva, amor e eram dotados de poderes mágicos. Os deuses que eram imortais participavam do cotidiano dos homens na Terra e interferiam em seu destino.

Os personagens do filme Ensaio sobre a cegueira apresentam algumas características psicológicas semelhantes aos mitos de Édipo e Antígona, cujo autor, Sófocles (495/406 a.C), nasceu na pequena cidade de Colono, nas imediações de Atenas e morreu aos 90 anos, tendo composto 123 peças teatrais, aproximadamente.

As peças deste filósofo, que chegaram até nós, são: “Aias; Antígona; Édipo Rei; Traquínias; Electra; Filoctetes; Édipo em Colono”.

O objetivo de Sófocles era utilizar o mito grego para mostrar que toda ação é passível de erros e os mitos nos dão uma dimensão da precariedade da vida humana, em face de seu destino. Estas peças geram uma pluralidade de leituras, e pude encontrar nos personagens Édipo e Antígona, a possibilidade de reconhecer o ideal da conduta humana baseada na moral e na ética, mesmo quando o homem vive em situações extremas.

O mitólogo Menelaos Stephanides resume a tragédia de Édipo, composta das seguintes peças: Édipo Rei; Édipo em Colono; Sete contra Tebas e Antígona. Ele nos conta a lenda de Édipo e de Antígona e também nos revela que estes mitos foram discutidos mais por nós do que pelos gregos, mas nem por isso foi entendido. O que ocorreu com Édipo foi uma coisa tão rara de acontecer, no seu conjunto, que se torna fácil temer ele é um criminoso que procura a si mesmo (Stephanides, 2001, p. 22).



II - Os Movimentos Da Alma No Mito De Édipo:

Uma Questão De Identidade


A lenda conta que o rei de Tebas era Laio e sua mulher, Jocasta, a rainha. Eles compartilhavam da mesma origem divina, pois eram descendentes de Cadmo, fundador e primeiro rei de Tebas e da deusa Harmonia.

Um oráculo havia profetizado que, se Laio e Jocasta viessem a ter um filho, este mataria o pai.

E certa vez, Laio depois de se embriagar, deitou-se com Jocasta que acabou engravidando. Nascido o menino, o pai perfurou-lhe os tornozelos, prendendo-os com uma correia, unindo as duas pernas para impedi-lo de caminhar e o entregou a um servo para que este o abandonasse no monte Citéron.

O rei temia que a profecia do oráculo se concretizasse e resolveu se desvenciliar do bebê. Édipo, em grego, significa literalmente “o pé inchado”.

O servo de Laio não teve coragem de abandonar o recém-nascido, como lhe fora ordenado, e o confiou a um pastor. Este, por sua vez, entregou-o a Pólibo e Peribéia, rei e rainha da cidade de Corinto, os quais contrariamente a seus desejos não tiveram filhos.

Édipo sobreviveu e cresceu muito saudável, acreditando ser filho de Pólibo e Peribéia. Mas durante uma discussão um coríntio dirigiu-se a ele de maneira ofensiva, chamando-o de filho bastardo. Édipo pediu explicações a Pólibo que confirmou sua paternidade, ele era o pai legítimo.

O herói desconfiando da afirmação deste rei decidiu consultar o oráculo de Delfos, o qual lhe diz que ele mataria o pai e desposaria a mãe. Para impedir que este destino se cumprisse, Édipo resolveu não voltar para Corinto, acreditando ser filho do rei e da rainha daquela cidade, e se dirigiu a Tebas.

No mesmo momento, Laio, seu verdadeiro pai, tomado pelas dúvidas sobre a efetiva morte do filho e temendo que a velha profecia ainda pudesse se realizar, decidiu, também, consultar o oráculo de Delfos.

Sem que um conhecesse a identidade do outro, os dois se encontraram numa encruzilhada, sendo um caminho muito estreito e que dificultava a passagem de ambos, ao mesmo tempo. Laio atravessa primeiro e passa com a uma das rodas da sua carruagem sobre os pés de Édipo, abrindo-lhe a ferida e provocando a sua ira, e ele acaba matando o pai, sem o saber.

Quando Édipo chega a Tebas, a cidade é governada por Creonte (cunhado de Laio), o qual já não sabe o que fazer para se livrar da Esfinge, que está transtornando a vida das pessoas.

Creonte havia prometido que confiaria o reino de Tebas a quem conseguisse derrotar a Esfinge, um terrível monstro alado, com cabeça de mulher, corpo, patas e cauda de leão.

O monstro tinha sido enviado por Hera (esposa de Zeus) a Tebas, a fim de punir a cidade pelo crime de Laio, que havia raptado Crisipo (filho de Pélops), antes de se casar com Jocasta. A punição é referente à relação homossexual de Laio e Crisipo. A justificativa é que Hera considerava o casamento entre o homem e a mulher, uma instituição sagrada.

A criatura monstruosa propunha um enigma aos passantes e, por não saberem a resposta, eram por ela devorados. A pergunta consistia no seguinte enigma: “Qual é a coisa que tem uma só voz, tem quatro pernas, duas pernas e depois três pernas?

Édipo consegue fornecer a resposta: "trata-se do homem, que, quando criança, engatinha com quatro pernas, depois com duas na juventude e com três pernas na velhice e serve-se de um bastão" (Stephanides, 2001, p. 29)

Resolvido o enigma, o monstro se mata e o governo de Tebas é confiado a Édipo, bem como a mão de Jocasta, fazendo com que a profecia do oráculo se cumpra. Édipo reinou durante 20 anos como um soberano justo, que se preocupava com os habitantes da pólis. Mas a sua trágica história ainda continua, porque sobre Tebas abate-se um outro flagelo, que é a infertilidade das mulheres e dos campos.

O oráculo revela que tal desgraça acontece porque ninguém fez nada para vingar a morte de Laio. Então, Édipo se empenha para descobrir o culpado, decretando que o assassino deve ser mandado para o exílio. Mas, ele não sabe que essa condenação caberá justamente ao rei de Tebas, ou seja, ele mesmo.

Quando a verdade é revelada por Tirésias, o cego adivinho, Édipo sentindo-se culpado pela morte do verdadeiro pai e por ter desposado a própria mãe, cega-se, com o broche da mãe/esposa que se suicida, imediatamente, enforcando-se com seu cinto.

Édipo diz:

“Aqui estão meus olhos! Isso é para que eles não possam ver o mal que se espalhou à sua volta, mal que eu mesmo provoquei”

(Stephanides, 2001, p. 40)

O rei de Tebas abdica do trono e abandona a cidade, com o auxílio de sua filha, Antígona, e vaga pelo mundo até chegar ao jardim sagrado das Eumênides, em Colono, próximo de Atenas. Lá, ele conhece o herói Teseu, que é o rei da localidade e que lhe oferece a hospitalidade. Depois de algum tempo, com a ajuda deste herói, ele caminha para o Hades e desaparece na Terra dos mortos.

A tragédia de Édipo de matar o pai e unir-se em matrimônio à mãe, é também narrada por Homero no poema “Odisseia”; existem notícias de outros poemas épicos a ele dedicados, mas que infelizmente não chegaram até nós, segundo o estudioso de mitologia Roberto Carvalho de Magalhães. (2007, p. 868)

III - ANTÍGONA E A MALDIÇÃO FAMILIAR

Antígona, após a morte do pai em Colono, retorna a Tebas com sua irmã Ismene. Apesar de seu nascimento desastroso, ela tinha um caráter leal e amoroso com sua família. E os seus dois irmãos, Etéocles e Polinice disputavam a sucessão do trono.

Etéocles, a quem coube o primeiro ano de governo, não quis entregar o trono ao término do primeiro período e baniu seu irmão Polinice da cidade. Então, eclodiu entre eles uma guerra terrível em que ambos se feriram mortalmente.

Creonte assume o trono e declara que o corpo de Polinice não seria enterrado, por ser considerado um traidor de Tebas. E quem desobedecesse ao edito seria enterrado vivo, como castigo.

Antígona ignora o edito de Creonte e sepulta o corpo de Polinice, que realizou durante a noite, sozinha. Ela se rebela diante daquela situação desumana, mas sabe que a sua situação ficará difícil diante do soberano de Tebas.

Para Etéocles, os funerais foram preparados por Creonte com grande honraria. Enquanto o corpo de Polinice, desenterrado pelos soldados de Creonte, se desintegrava à luz do sol.

Antígona, ao sepultar o corpo do irmão, sentiu-se segura, pois acreditava estar cumprindo o seu dever, e se apoiando nas leis da religião grega, que não se baseia na palavra, mas na tradição ritual. Ela era muito religiosa e tentou seguir as leis divinas, considerando que para o paganismo grego, o espírito só pode descansar depois de ser sepultado.

Creonte condena Antígona a morrer emparedada, por ter desobedecido às suas ordens, e sem levar em conta os pedidos de seu filho Hemon, apaixonado por ela.

Mas, Antígona se suicida antes, dentro da caverna, enforcando-se com seu lenço. Quando os soldados de Creonte vão matá-la, encontram ao lado de seu corpo, o corpo de Hemon, que preferiu morrer ao lado da amada. A esposa de Creonte, Eurídece, ao saber da morte do filho, se suicida de desgosto.

Tirésias, cego e enxergando melhor que qualquer um, alerta Creonte sobre a fúria dos deuses, em relação às mortes que se sucederam.

O rei se arrepende, tardiamente, de seus atos, cometidos pela sua sede de poder e vingança contra Antígona. Como castigo dos deuses, o rei de Tebas perde toda a família e enlouquece.

No antigo mundo da pólis, a solidariedade era mais importante do que a exaltação da fé, e a religião servia como uma integração do indivíduo com o mundo. A questão da religião e a questão da moral sustentavam as ações humanas, e a moral e a ética têm origem no fenômeno da vida, que tende à evolução, segundo Sófocles.

Segundo a autora Liz Greene (2001, p.45-6) a maldição familiar para os gregos ocorria quando uma ofensa era dirigida aos deuses, que punem gerações sucessivas e que só termina com o fim da família e, também, da cidade que sofria sob seu jugo. A linhagem dos labdácios sofreu a maldição em decorrência de Laio ter seduzido e raptado Crisípo (filho de Pélops), que depois se suicidou de vergonha. O pai do menino, enfurecido, rogou uma praga em Laio dizendo que, caso tivesse um filho, ele morreria por sua própria mão.

Depois, Laio tenta assassinar o filho, perfurando-lhe os tornozelos e pendurando-o numa correia para morrer. Mas Apolo e sua irmã Ártemis, protetores das crianças, não deixam Édipo morrer e enviam o pastor que resgatará o menino daquela situação.

Hera envia a Esfinge para destruir todos e punir Laio da relação homossexual com Crisípo.

Para Erich Neumann (in Lowen, 1980, p. 211), analista junguiano, este monstro é o inimigo mais velho tanto quanto o tempo, o dragão do abismo. A figura da Esfinge, com a cabeça de um ser humano e o corpo de leão, é a combinação do humano com o animal, uma reconciliação dos aspectos positivo e negativo da natureza humana.

Segundo o estudioso de mitologia, Roberto de Magalhães, este monstro é uma deidade egípcia, descoberta 2000 a.C., sendo uma das deusas maternas originais. Mas do ponto de vista dos gregos é um monstro, porque exigia o sacrifício da vida humana. A deusa Hera mandou a Tebas a Esfinge que era filha de Équidna e de Tifão. Ela tinha rosto de mulher, peito, patas e cauda de leão, com asas de ave. As musas lhe haviam ensinado um enigma e mantendo-se sentada sobre o monte Fício, ela apresentava aos tebanos o enigma ( 2007, p. 113).

Édipo, ao eliminá-la, suprime seu mistério que repousava em seu poder, e é considerado um herói por ter derrotado o monstro sem o auxílio dos deuses, o que simboliza a vitória da mente racional que se opôs ao mistério por meio do conhecimento, segundo Magalhães.

A meu ver, a Esfinge é a metáfora do incesto, a mistura de pulsões que Édipo enfrentaria ao fugir para Tebas. Mas, este monstro é um símbolo, portanto, pode apresentar outros significados, como, por exemplo, o enigma resolvido pelo príncipe é uma mensagem cifrada, que quer dizer: “conheça-te a ti mesmo”, ou seja, a própria mãe/Esfinge fornece-lhe a resposta para seu destino.

Ou então, a outra frase proferida pela Esfinge: “Decifra-me ou devoro-te”, que pode ser entendida como uma metáfora, como se ela representasse o destino de Édipo e que o príncipe deveria elucidar, e ao conhecer o seu destino, não seria devorado por ele.

Depois da Esfinge, uma peste é enviada a Tebas por Apolo e o Oráculo ordena que o assassino de Laio seja expulso da cidade, mas ninguém sabe o motivo da epidemia.

Segundo Tirésias, o adivinho, a peste que acometeu a cidade de Tebas foi causada pela conspurcação (mácula, mancha), revelando que, se o povo tebano quisesse acabar com a peste seria necessário lavar a conspurcação, ou seja, lavar a alma do povo ao fazer justiça, quando o assassino de Laio fosse banido da cidade.

Quando Édipo descobre a verdade de sua origem e de seus crimes, por desposar Jocasta (sua mãe), após descoberto o enigma da Esfinge e se tornado rei de Tebas, sentiu-se duplamente culpado pelos atos que cometera na ignorância, cegando os próprios olhos, esta foi sua maldição.

Segundo o mitólogo Viktor D. Salis, Jocasta sabia que Édipo era seu filho quando ele chegou em Tebas, mas ela desejava o poder, portanto, casar-se com ele seria um mero detalhe. Ela diz que muitos homens têm em sonho deitado com aquela que os gerou, na peça de Sófocles (Édipo e Antígona- cd-livro)

Para Sigmund Freud, o estranho na lenda é o fato de não fazer nenhuma objeção à idade de Jocasta, mas ele explica que isso é adequado, porque no enamoramento pela própria mãe, nunca se trata da pessoa atual, mas sim da mãe na sua idade juvenil, formada nos anos de infância. (Gurfunkel, 2001, p. 290)

Para tentar se redimir, Édipo vaga cego pelo mundo, guiado por sua filha Antígona. Seu sofrimento é tão intenso que ele não consegue morrer, ainda que a vida lhe seja insuportável. E mesmo perfurando os olhos com o broche de sua mãe e amante, os deuses aumentam ainda mais a sua lucidez. Desterrado, abandonado à perseguição das Fúrias, dirige-se ao exílio em Colono, em busca do sossego que lhe permitirá morrer na paz recobrada no fundo da alma.

Quanto à Antígona, sua guia, sua filha e irmã caçula, depositária do amor familiar, é designada para celebrar o primeiro ritual libertador de seu clã fatídico; um ato que haveria de consumar contra a determinação das leis da cidade e até mesmo dos deuses pátrios. As desgraças de Antígona foram acontecendo a partir de seu nascimento, ou seja, o incesto de Édipo e Jocasta. Depois, ela viola a lei de Creonte e morre, em virtude de estar ancorada em suas razões e paga por isso. (Robles, 2006)

Para Martha Robles, existem duas versões sobre a estória de Antígona, uma deriva do antigo mito procedente do século III ou IV a.C., que testemunha a derribada de seus pais perante a revelação do duplo crime cometido por Édipo; mas Antígona, longe de se afundar em desespero, engrandece-se diante da dor de uma Jocasta que prefere se enforcar a reconhecer os próprios atos e conviver com a culpa de haver desposado e entronizado seu filho Édipo, o assassino de Laio, seu pai e antecessor no governo de Tebas ( 2006, p. 130).

Segundo a autora, Antígona sabe que se continuar viva será uma morta viva, carregando o peso de sua consciência. Enquanto isso Tirésias, o adivinho cego, prevê a fatalidade e insiste para que Creonte desista da ideia de matar a sobrinha. Mas, o rei está surdo e cego, ofuscado e dominado pela desavença. (2006, p. 132)

A heroína considera que há uma lei divina e universal, que transcende o poder de um soberano, pois existe uma lei maior, que diz respeito à dignidade humana, considerando o direito de qualquer ser humano ser enterrado após a sua morte, independentemente de seus crimes cometidos ou não, segundo Robles. (2006, p. 133)

Para Liz Greene, Antígona reconhece a injustiça da sorte que lhe coube e se recusa a compactuar com ela, ainda que isso signifique oferecer a sua própria vida. Ela percebe os males causados pela falsa autoridade e o horror da crueldade gratuita e faz o possível para se opor a eles. Ela possui a visão clara e com seu coração limpo e capaz de enxergar além do socialmente apropriado e ver o que é realmente certo, de acordo com a voz interior da sua alma. Antígona reflete o enorme poder moral e afetivo de um coração comprometido. Ela não apenas redime o espírito errante de Polinice, mas transforma o filho de Creonte, Hemon, que desobedece ao pai ao tentar salvá-la. Antígona e Polinice conseguem, por meio do amor humano na família, resistir até a uma herança psicológica de grande destrutividade, redimindo o passado e refazendo o futuro, segundo a autora. (2001, p. 47)

Sua irmã Ismene tenta persuadi-la de realizar o sepultamento, para não ser punida, mas Antígona inflexível em sua decisão, enterra Polinice, sem a sua ajuda.

A conduta de Creonte era alimentada pelo ódio e pela impiedade, e representa as normas sociais vigentes da época. A sua ambição pessoal pelo poder transformou-o num tirano. Ele não contava com a atitude de Antígona que preferiu se enforcar a morrer sob as condições que lhe foram impostas. Hemon também preferiu a morte para acompanhar o destino funesto de Antígona. (Robles, 2006, p. 133)

No mundo antigo, não mostrar respeito pelos deuses atraía a fúria divina sobre a pólis e assumia a feição de um crime. Por exemplo, não enterrar um morto acarretaria em desgraça para o morto (por não conseguir adentrar na região dos mortos, reino das máculas) e também para a cidade (miasma), segundo o mitólogo Viktor D. Salis. (Édipo e Antígona – CD livro).

O mitólogo acrescenta também que, Creonte demonstrou a sua atitude radical que desafiava os deuses, quando profanava o sagrado. Os deuses enviaram uma catástrofe à cidade, que pode ser o cadáver mutilado e insepulto, conspurcando-a com a carne do cadáver.

O morto deve descansar no além ou seu espectro rondará os vivos e causar malefícios à comunidade. Os gregos reconheciam algumas práticas como deveres que ultrapassavam as leis da pólis, enterrar os mortos, por exemplo, era uma tradição (Salis, Édipo e Antígona).

O sacrilégio simboliza a impureza moral e hostiliza os deuses, como foi o caso de Creonte, mesmo sendo avisado pelo cego adivinho que lhe diz: “Vem do teu querer o mal desta cidade” (Sófocles, 2006, p. 63).

Sófocles em sua peça Édipo Rei mostra-nos que há uma ordem do mundo que é divina, e o homem integra apenas uma parte desta. Ao utilizar os mitos gregos, ele reconhece na mitologia grega a alma humana, que é morada de toda a gama de ação e conduta que deve ser explorada e aperfeiçoada.

A peça Antígona aborda, também, o tema das mulheres da Grécia antiga, proibidas de se expressar, sem direitos políticos ou civis. O mito sofocliano inseriu a mulher no espaço público ao criar a personagem Antígona, que representa a força e a ética e a dimensão do valor da vida. Sem usar armas, ela desafia o soberano por meio da tomada de suas decisões, de acordo com sua visão pessoal, revelando a sua autonomia; seu sentimento de solidariedade estava acima das regras da pólis e ela sabia do seu destino.

Para Sófocles, a ação moral precisa ser realizada com extrema cautela e sabedoria, e as atitudes de Antígona e Creonte levam-nos a refletir sobre seus atos. O homem pode alcançar com a vida e as experiências que ela nos proporciona a temperança, que é a qualidade ou virtude de quem é moderado ou de que quem modera seu apetite e paixões; sobriedade, moderação, que é o contrário de hybris (excesso).

A peça “Édipo Rei”, de Sófocles, mostra como o homem pode apresentar uma conduta favorável, mesmo em circunstância de muita adversidade, como as figuras míticas de Édipo e de sua filha, Antígona.

Depois de passar pelo Jardim das Eumênidas e ao se deparar com a sua finitude, de ter consciência de que era mortal, Édipo começou a elaborar as suas experiências dolorosas ao aproximar-se da morte. Mas, a sua morte não veio como castigo, veio como a paz que ele tanto esperava e com a morte alcançou a imortalidade. (Lowen, 1980, p. 63)

Os pecados de Édipo não foram os seus crimes, mas a sua ignorância em face de sua origem, de sua história de vida e de seu destino. Impedido de enxergar os fatos, pela sua arrogância, pagou um preço alto, que foi viver sem saber quem realmente era. Ele tentou realizar todos os seus desejos, mas, conforme a teoria freudiana, na dificuldade de realizar nossos desejos devemos ter a prudência de examinar se eles merecem a atenção ou devem ser descartados. Esta atitude de poder ver e reconhecer os nossos desejos inconscientes é uma virtude, é a nossa capacidade de nos apoderarmos de nossas paixões, sem deixar que elas assumam o comando. Sob o seu jugo, ficamos fracos, vulneráveis e cegos.

Quanto à Antígona, o mito se baseia na conduta das questões morais e religiosas. Mas a sua falha foi o excesso de autoconfiança e a sua inflexibilidade diante da situação com Creonte, no momento em que poderia negociar a sua vida, prefere morrer a ceder. Nesta interpretação, ela representa o ser humano que toma para si seu destino, mesmo que tenha de sofrer, caso deste mito em que passou por um sacrifício e enfrentou a morte. O seu conflito era que os seus desejos eram incompatíveis com a sua realidade. Houve uma interdição, um edito que a impedia de sepultar o irmão. Mas ela optou pelo caminho da insubmissão a um soberano déspota. Ela se conhecia e aceitava seu passado, mesmo sendo produto de um incesto. Na peça, Antígona demonstra muito afeto pela família e, ao morrer emparedada, simboliza a sua angústia em decorrência da falta de possibilidades que enfrentou durante a sua vida.

Portanto, as falhas não reparadas por Édipo e Antígona, bem como de toda família dos Labdácios, foram os motivos para a punição dos deuses.

A família dos Labdácios (significa mancos), segundo Vernant, são desajeitados porque deturpam as relações. E Édipo paga o pesado tributo representando a estirpe de mancos e deturpadores. Segundo o autor:

Mesmo se não manca no sentido literal da palavra, Édipo guarda em seu pé a marca desse afastamento que lhe impuseram, da distância em que está em relação ao lugar de onde deveria estar e que constitui suas verdadeiras origens. (Vernant, 2000, p. 166-77)

Nesta interpretação, a peste de Tebas teve como objetivo o castigo, imposto por Apolo, pelo assassinato de Laio. Enquanto a epidemia da cegueira tem o objetivo de alertar as pessoas para perceberem a sua realidade interna, psicológica, de cada um, bem como o entendimento em relação aos outros, visando à transformação.

As pragas que assolaram Tebas fizeram com que Édipo procurasse o vidente Tirésias. A visão do profeta não é uma função da consciência, mas do inconsciente que o faz compreender a natureza humana, para que possa profetizar o destino do homem, segundo Lowen (1980).

Tirésias, que apesar de cego enxergava melhor do que Édipo, e é um ser iluminado por suas visões internas e que revelam a ele os mistérios da alma humana, segundo o autor.

Ele era cego, mas a visão do profeta compreendia a natureza humana, não pelo sentido da visão, mas da sua intuição, e com o tempo e a prática, a intuição pode ser utilizada como uma sabedoria interior. Ele não nasceu cego, sua cegueira foi uma maldição enviada por Hera.

Este herói usou a sua cegueira em prol da verdade e com a pureza de seu coração foi recompensado pelos deuses, que lhe deram esta “arma simbólica”, que é a clarividência, para que ele pudesse auxiliar o homem a vencer os seus obstáculos.

A clarividência (luz interior) alcançada por Tirésias simboliza o resultado de seu esforço para abandonar a sua ignorância e arrogância, tornando-se um ser sábio, que enxerga ao longe, mesmo sem a visão.

Quando se possui a percepção intuitiva, fica mais fácil reconhecer estas forças psicológicas desconhecidas. Esta sabedoria é a capacidade de olhar para frente (futuro) e para trás (passado), enxergando os dois lados, com objetividade.

Édipo sofreu e sua evolução ocorreu porque o herói foi capaz de ultrapassar a culpa e a vergonha. Ao suplantar seus crimes, ele passa a se reconhecer (‘o conhece-te a ti mesmo’) e pode morrer em paz. O herói também nos mostra o quanto sofreu porque não aceitou seu destino. Enquanto não encontrou a sua verdade, vagava pela Terra, em sossego. (Lowen, 1980, p. 255-56)

Ele conseguiu sair vitorioso do combate quando se exila em Colono, onde passa a ter uma representação no santuário das Eumênides, divindades curativas. Isto significa que ele, ao perder a visão, começa realmente a enxergar sua verdadeira natureza. O mito nos serve como modelo de transformação, por meio do processo da conscientização de seus erros, o herói caminha para o sentido evolutivo da vida. (Lowen, 1980, p. 37)

Tanto os personagens deste filme como os mitos citados sofrem dessa desestruturação/maldição. E o mito não conhece a origem da maldição, tanto quanto os personagens.

As atitudes e comportamentos dos personagens, na maioria das vezes, têm origem no desconhecido, no não-sabido, porque habita o mundo do seu inconsciente e e será preciso recuperar a visão que cada um tem de si próprio e que pode ser revelada pela busca da verdade.

IV - Destino E A Formação Do Caráter

Para alcançarmos um estado de liberdade genuíno onde o prazer é possível precisamos ir em busca da “nossa verdade”, para obtermos o autoconhecimento, que nos possibilita a decifrar o nosso destino, tão encoberto pela incerteza.

Como diz Jocasta: “O que teria a temer um mortal, joguete do destino, que nada pode prever com certeza?” (Sófocles, 2009, p. 68).

Para o psicanalista Alexander Lowen (1910 - 2008), evitamos o destino de Édipo suprimindo nossas sensações sexuais por nossa mãe e desistindo da hostilidade com nosso pai. Esta atitude é reflexo do medo de castração (punição) que toda criança sente. O destino de Édipo foi condicionado à rejeição inicial de Laio, quando amarrou-o a uma estaca para morrer. O ato hostil derivou do pai. E cego como foi, Édipo não pôde evitar a sua tragédia. Quando adulto, na estrada foi insolentemente abordado por um viajante que lhe ordenou sair do caminho. Seguiu-se uma discussão, durante a qual Édipo atacou o homem com seu cajado, matando-o, sem saber que matava o próprio pai. Depois, governou Tebas, mas o desconhecido novamente o surpreendeu, quando se casa com a mãe e, também, que o homem da estrada era seu pai. (1980, p. 205)

Lowen acrescenta que as experiências da primeira infância (dos 3 a aos 6 anos) auxiliam na formação da personalidade. Depois dos 6 anos, a criança está pronta para o processo da aculturação, como ir à escola. O caráter vai se consolidando durante o conflito entre a natureza a e a cultura, entre as necessidades instintivas da criança e as exigências dos pais. Este processo forma um conjunto de respostas fixas, boas ou más e são independentes dos processos mentais conscientes, ou seja, torna-se nossa segunda natureza e é governada pelo inconsciente. O caráter vai determinar, também, o modo típico, habitual da pessoa comportar-se. E sua atitude escapa ao seu controle, por forças desconhecidas do inconsciente. O problema edipiano modela o caráter do indivíduo, mas o conflito não é resolvido, apenas se aceita como Édipo, em Colono, quando aceitou seu destino e purificado de seus crimes, pode morrer em paz (Lowen, 1980, p. 206).

O modo como somos criados, também, determina o nosso caráter e influencia o nosso destino. O ambiente familiar será importante para a construção da personalidade do sujeito e lhe dará suporte para a sua adaptação ao mundo externo. As fantasias irão promover o interesse do bebê pelo mundo externo. E o Complexo de Édipo (na primeira infância) vai auxiliar na estruturação do psiquismo, na medida em que o ego deverá lidar com o impacto da realidade.

A autopunição não conseguiu impedir que a maldição recaia sobre os quatro filhos de Édipo com Jocasta: Ismene, Antígona, Polinice e Etéocles. Depois de muito tempo, o neto de Édipo (filho de Polinice) tenta retomar o trono que era seu por direito. Mas na grande batalha que se seguiu, ele e seus aliados sairam derrotados. Enquanto Tebas foi saqueada. Assim, esgotou-se a maldição que os deuses lançaram sobre Laio e seus descendentes.

Vê-se que o filme Ensaio sobre a cegueira é um sinistro presságio de algo desconhecido e temerário, como uma catástrofe iminente que surge e que é a cegueira. A doença derruba o muro protetor das estruturas psíquicas do personagem e obriga-o a uma revisão de sua conduta diante da coletividade e de si mesmo.

Ao perder a visão, os personagens devem começar a enxergar a sua verdadeira natureza e promover a própria aceitação como ocorreu com Édipo. O sofrimento deste mito pode provocar um sentido pedagógico, na medida em que gera a aprendizagem e o aperfeiçoamento, se eles souberem aproveitar dessa experiência emocional quando ela chega.

Lowen (1980) nos ensina também que, quando uma pessoa não aceita a si mesma significa que ela luta para evitar seu destino temido e o próprio esforço por ela despendido assegura-lhe o destino de que está tentanto fugir.

O homem não aprende com a experiência, na verdade, ele apenas repete seu comportamento várias vezes e a atitude neurótica vai determinar as respostas de seus atos, definindo o seu destino. As defesas que o indivíduo ergue para se proteger, também, criam as condições favoráveis para o destino se cumprir. Aceitar o próprio destino não é resignação, mas uma atitude que evidencia que a pessoa não pode superar o que está dentro de si mesma, segundo Lowen.

Na atualidade, a cultura passou a produzir os valores (culturais e morais) da nossa sociedade. E a nossa realidade é tão subjetiva e temporária que nos afeta a ponto de influenciar na construção da nossa imagem, que passa a ser fluída como a água que se expande e não se fixa.

Ocorre um processo semelhante com os personagens deste filme porque eles não suspeitam do que se passa dentro deles e nem mesmo do que ocorre fora.

Segundo Freud (in Lowen) somos frutos de nossos desejos inconscientes, que foram reprimidos e deram forma ao nosso caráter e que influencia nosso destino. O homem possui a cegueira em face de seu destino cego. E Édipo identifica o problema central da personalidade do homem moderno.

V- O TEMPO É INSEPARAÁVEL DA INTERIORIDADE PSÍQUICA

Os personagens deste filme vivem como Édipo, em uma situação extrema, em que o passado não importa, o presente é ambíguo e o futuro é obscuro. Mas todos sabem da condição temporal da vida, independenetemente de tê-la vivido ou não. O tempo tudo vê.

Para Santo Agostinho, em seu texto autobiográfico e redigido entre os anos 397-398, na parte que ele reflete sobre o tempo, ele acredita que o tempo é inseparável da interioridade psíquica, sendo um elemento importante para a constituição do eu do sujeito. O tempo é a produção da identidade e da diferença consigo mesmo e pode ser ainda a dimensão de um sujeito que está se constituindo, pois ele exerce um papel fundamental na consciência humana, uma vez que o tempo e a consciência são indissociáveis. (Revista Filosofia Ciência & Vida, 2009, p. 42)

Os personagens deste filme são afetados pela questão temporal, na medida em que consideram o passado como uma lembrança de um momento que não tem nenhuma conexão com o presente. E o presente é tão voraz que engole tudo que o desejo permite. O futuro é obscuro porque o presente, que é devorador, incorporou-o no momento atual. Daí as experiências adquiridas com o tempo são descartadas, como cartas de baralho que não servem mais para jogar.

Na Grécia antiga, a inevitabilidade do destino era representada pelas Moiras, denominadas: Cloto, Fiandeira, que tece o fio da vida; Láquesis, Provedora de Quinhões, determina o comprimento do fio; e Átropos, Inflexível, corta o fio da vida (Cirlot, 2005, p. 51)

Para Lowen, rejeitar nosso passado nos faz perder a sabedoria que a experiência acumulada nos proporciona, e o mito de Édipo representa o funcionamento de forças desconhecidas, que movem as atitudes e comportamentos humanos e a sabedoria é ver e aceitar as contradições da natureza humana, inclusive dos nossos pais. (1980, p. 30).

No sentido da coletividade existem normas para o homem poder viver em sociedade, baseadas em valores morais que vão nortear a sua conduta. A palavra moral tem origem no latim e significa ‘costumes’, no sentido do conjunto de normas ou regras adquiridas por hábito e convenções histórico-sociais de um povo, ou seja, é uma herança que a comunidade vai perpetuando de geração em geração.

A moral é constituída por três fatores: natureza humana, cultura e história. Penso que a construção de nosso caráter é influenciada por estes três fatores.

A ética é o estudo teórico das práticas morais, ou seja, a ética é a ciência da conduta, do comportamento moral dos homens em sociedade, procurando determinar a essência da moral, a sua origem, as condições objetivas e subjetivas do ato da moral. Avaliar ou julgar as ações do outro, para saber se elas são boas ou ruins, dependerá do contexto histórico-cultural do povo.

Toda ação humana afeta não apenas um, mas pode afetar toda a sociedade, dependendo do grau de perigo desta ação; alguns personagens deste filme são, por exemplo, radicais em suas atitudes e acabam sendo punidos de alguma maneira.

O “rei da ala 3”, do filme, decretou uma lei em função de seu próprio benefício, de sua própria vontade, ao racionar a comida e distribuí-la conforme seus desejos, agindo cegamente pelo poder e ganância, tanto quanto Creonte. Lembramos o mito de Antígona que nos revela que a dignidade humana não pode ser esquecida, mesmo em situações de precariedade.

Sófocles nos ensina que o caráter de cada um se constitui a partir das suas ações, um conceito muito semelhante ao de Lowen (1980).

O filósofo nos revela, também, que ao criar a personagem/peça Antígona, projetou o ideal de conduta humana, mas que a hybris pode destruí-la, que é o excesso de autoconfiança.

Como a peste que assolou Tebas, que simboliza os estragos internos a que Édipo sucumbiria e a ameaça ao equilíbrio da mente, os personagens acometidos pela cegueira vivem num tempo do mal-branco e precisam ter a coragem de se defrontarem com o mal e sair ilesos, para poderem criar possibilidades de continuarem vivos.

O mundo pode virar um cárcere, como o manicômio em que eles vivem e que os obriga a conviver com as agressões, a fome, a desconfiança entre as pessoas, a discórdia.

A luz branca no filme é excessiva e ao invés de apenas iluminar, ela cega. Entende-se que esta luz branca, que ofusca a visão dos personagens, simboliza um sintoma e, como todo sintoma, é um alerta que provoca um estado de atenção.

A partir da análise dos personagens do filme, bem como, dos mitos de Édipo e Antígona, concluo que, se os processos mentais surgem do inconsciente, a partir das necessidades instintivas, o homem caminha pela estrada do “não sabido”, numa civilização dominada pela lógica, pela técnica e a operacionalidade, que distancia o indivíduo de si mesmo. E a sua ambivalência diante de seus sentimentos, a difícil convivência familiar, os ódios inconscientes e suas tentativas de fuga ao destino efetivaram no homem atual o mesmo destino de Édipo e a sua cegueira em face de seu destino incerto.

Para o mitólogo Viktor D. Salis, o drama de Édipo representa o caminho percorrido pelo herói e a realização de seu destino. Ele comete os crimes (incesto e parricídio), mas consegue suplantá-los, tornando-se sagrado na Grécia antiga. Seu verdadeiro sentido compreende a história de um homem maldito e condenado à morte, antes mesmo de nascer e que, pela sua coragem de ser verdadeiro, alcança o mais alto grau oferecido aos homens pelos deuses: a imortalidade, que foi somente concedida ao Messias, o filho de Deus. (Édipo e Antígona – CD livro)

Salis, contrário à teoria freudiana, comenta que a problemática fundamental do homem (existencial, psicológica e social) nunca poderia centrar-se num desejo incestuoso inconsciente (Complexo de Édipo), mas sim no desejo natural e cósmico de se ter direito à vida e, como tal, poder exercê-lo com dignidade. Mais do que tudo, o horror dos homens da condição humana é não ser amado, ser rejeitado e excluído pelo outro, não importando se são os pais, o cônjuge, o amigo ou quem quer que seja, toda e qualquer rejeição pode ser fatal. A questão essencial da existência humana não é e nunca poderia ser sexual, consciente ou inconscientemente. É do direito natural e cósmico de nascer, viver e morrer com dignidade e amor. Ele nos lembra também que o homem deve cumprir o seu destino e que pode ser incompatível com os anseios dos pais. Os pais querem a realização de seus ideais por meio dos filhos, segundo o autor. (Édipo e Antígona – CD livro)


VI - A PEÇA ÉDIPO REI EM CONEXÃO COM O FILME

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA

O mito de Édipo proporcionou a Freud a base de sua teoria psicanalítica. A partir de seus trabalhos com seus pacientes e também por meio de sua autoanálise, ele concluiu que a ideia do Complexo de Édipo, que consiste no desejo pela mãe e a hostilidade ao pai pela criança, são duas faces da mesma moeda e é universal. Os dois crimes dessa personagem, matar o pai e casar-se com a mãe, coincidem com os dois desejos primais das crianças, que são reprimidos e formam o núcleo de toda psiconeurose e esse núcleo tornou-se conhecido como Complexo de Édipo.

Para Freud, a peça “Édipo Rei” é uma tragédia do destino e seu efeito trágico depende do conflito entre a vontade dos deuses e os inúteis esforços dos seres humanos. A percepção da própria impotência e aceitação é a lição que se espera do espectador. (Lowen, 1980, p. 48)

O caso de Édipo, ignorante de seu passado tornou-se um homem incompreendido, amargurado e assassino. Cometeu dois crimes, o incesto e o parricídio. Ao desvelar o seu passado, a sua história e origem, ficou desesperado, mas despojou-se da cegueira e o si (eu verdadeiro) foi trazido à luz e ele pôde retomar seu lugar no mundo. Se permanecesse com a falta de visão, continuaria vagando feito uma alma penada e não teria o sossego para a sua mente atormentada.

Com a teoria psicanalítica e a formulação do conceito de inconsciente, de Freud, ficou mais evidente que o nosso ego, nem ele mesmo é senhor da própria casa, ou seja, significa que ele se contenta com poucas informações daquilo que se passa além de sua consciência. O que governa nossa mente é nosso inconsciente (forças desconhecidas da mente), ou seja, somos guiados pelo não sabido, como no caso de Édipo, empurrando-nos para direções imprevistas. Como o herói, somos governados por forças que não conhecemos e por viver no interior do triângulo familiar, que é o Complexo de Édipo.

Para Aline Camargo Gurfinkel, a importância do Complexo de Édipo é devido ao fato de que, a partir dos 20 anos, o Complexo de Édipo auxilia na estruturação da personalidade do indivíduo e é o momento onde ocorrem certos processos de identificação fundamentais, operação pela qual o sujeito se constitui e vai traçar o seu destino. (2001, p. 67).

A natureza do mito de Édipo estabelece uma conexão psicológica com o grupo de cegos do filme, como a ignorância dos fatos ao redor, o sofrimento causado pelo desconhecimento da verdade, a rivalidade entre as pessoas, o excesso (hybrus) que também cega e gera a queda. Para o indivíduo, a cegueira funciona como um alerta para seu portador rever a sua conduta moral e ética diante da coletividade e, também, diante de si mesmo.

O homem portador da cegueira vive com uma percepção equivocada da realidade, sendo que a sua realidade interna atua em função de seus desejos, da compulsão ao ato de satisfazer-se, em vez de uma escolha de ação. E as atitudes definem o seu caráter e também influencia o seu destino.

A expressão: “Conhece-te a si mesmo”, em grego significa seja sábio. Esta frase estava na frente do Óráculo de Apolo, lugar onde Édipo fez suas consultas, mas a frase passou-lhe despercebida como os outros acontecimentos na sua vida.

O caminho para o autoconhecimento passa pelo estudo dos próprios atos e omissões que são aparentemente acidentais (grifo meu), refiro-me à clássica teoria do aparente e do real, de Freud. O método interpretativo psicanalítico prevê que todos equívocos que cometemos não estão aliados, simplesmente, ao engano. Mas aos atos falhos, lapsos da fala, esquecimentos, erros e às superstições, ou seja, estão associados a algo mais profundo e real do que parece ser.

As nossas atitudes são movidas por uma lógica inconsciente e somente trazendo à luz nossos sentimentos encobertos, nossos sonhos e devaneios, visando a elaboração dos conteúdos latentes, acredito que podemos transformá-los.

Para João Carlos Nogueira, somos um ser cultural, envolvidos nas tramas de uma cultura da qual somos pacientes antes de sermos agentes, e esta verdade se inscreve, também, nos mitos incorporados à tradição. A estrada que leva à libertação de si passa necessariamente pela desilusão do desejo, pelo despojamento das suas pretensões de poder sem limites. (1978, p. 116).

Como Édipo, só depois de passar pelo sofrimento, pela prova da experiência é que ele se sente preparado para morrer. Ele ganha, perdendo-se na sua dor e na conquista sua força interior, segundo o autor.

VII – A SUPERAÇÃO COMO FORMA DE EXISTÊNCIA

A lenda de Édipo localiza-se numa encruzilhada cultural, que marca o surgimento do homem moderno, na medida em que este homem tem um ego consciente e desenvolvido como o mito. O herói agia impulsionado pela arrogância (hybris) e deverá acabar sofrendo uma morte ou a loucura. Contudo, ele conseguiu a sabedoria e a humildade através do abandono da arrogância e da consciência do ego, e ganhou a paz que tanto procurou. É arrogante pensar que se pode superar a estratégia do destino e acreditar que se conhece os mistérios da vida. Édipo pensou que sabia a verdade a respeito da sua natureza. Ao se voltar contra seu ego, enfraquecendo a luz da sua consciência, encontrou a paz do inconsciente e do corpo. (Lowen, p. 213-215)

O drama do príncipe Édipo reflete a problemática do homem moderno e de sua frágil existência, considerando que seu destino é incerto. Como o mito não era governado por sua própria consciência, nós também não somos. Também recusamos a enxergar a nossa realidade. Mas, mesmo com o nosso destino já traçado pelo nosso passado que reflete o nosso caráter, devemos buscar a nossa verdade para transformá-la. O “conheça-te a ti mesmo” era dito por Sócrates ao aconselhar as pessoas porque queria que elas saíssem da “sombra”. Para alcançar a luz seria necessário buscar dentro de cada um, caso contrário, o homem seria apenas aparência e sombra.

Podemos interpretar o caminho percorrido por Édipo como o caminho da individuação, que é a realização do ser de uma forma mais profunda e pode ser simbolizado pelo Oráculo de Delfos. Individuar é cumprir nosso destino.

Este mito quando volta para Tebas cumpre seu destino, ao defrontá-lo. Édipo é um motivo tanto mitológico, quanto psicológico, um mito exemplar pelas suas mensagens e que nos proporciona diferentes enfoques de interpretação.

Até Freud (in Lowe) utilizou o mito sofocliano para explicar a origem de nossos sofrimentos neuróticos e nosso conflito de amor e ódio em relação aos nossos pais. A teoria freudiana indica, também, que a rememoração, a decifração e a liberação do desejo inconsciente (a nossa verdade) possibilita um salto de qualidade de vida, mas sem esquecer que as repetições de nossas atitudes determinam as respostas e que definem o nosso futuro.

No filme Ensaio sobre a cegueira a súbita epidemia de cegueira que se abate sobre todos, não é um castigo divino, é um mal que chega silenciosamente e que ninguém vê, como consequência da insensibilidade aos erros humanos e que se repetem na sociedade. O mal-branco é uma metáfora da doença social cujos valores materiais sobrepujam os valores éticos, morais e sociais. É um mal do espírito, não do físico. A cura da cegueira é a volta da visão/compreensão da importância da compaixão e da solidariedade, porque nos possibilita viver em sociedade de uma forma mais saudável, sem tantos conflitos.

Como diz Saramago: “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.” (Luft, 2008, p. 106)

Mas as falhas humanas não estão à superfície, elas repousam no fundo do oceano, cujo símbolo é o nosso inconsciente. E nesse mar do nosso inconsciente tentamos navegar, mesmo quando encontramos correntes marítimas que nos empurram para os penhascos, para as situações totalmente imprevisíveis.

Então, para uma navegação mais tranquila, talvez, devêssemos procurar harmonizar o nosso corpo, que contém as marcas do nosso passado infantil, como os nossos desejos atuais e que se ocultam e se dissimulam nos nosso sonhos.

O farol da lucidez pode ser a luz que nos ilumina contra as noites escuras no oceano e contra a astúcia de nossos desejos e paixões, que nos enfraquece e cega. Com a expulsão de nossos vícios poderemos banir de nossa consciência a ignorância e a arrogância, que irrompem numa cegueira, uma névoa sombria, que encobre a nossa alma. Para o destino trágico em face da cegueira na contemporaneidade, a saída pode ser a superação, como uma forma de existência, diante de um destino tão incerto.

Que coisa é o homem!

Dentre todas as maravilhas.

A maravilha do mundo é o próprio homem.

Sim, assombrosa é a sagacidade do homem: por ela, atinge os cumes;

por ela, também cai.

Na confiança de seu poder, tropeça; na obstinação de sua vontade é derrotado.”

(Sófocles, Antígona)



VIII - Referências:

Campbell, j. Mito e transformação. São Paulo: Ágora, 2008.

CIRLOT, Juan-Eduardo. Dicionário de Símbolos. São Paulo: Centauro, 2005.

FREUD, Sigmund. Obras Completas de Sigmund Freud. São Paulo: Imago, 1989.

GOLDGRUB, Franklin. A metáfora opaca: cinema, mito, sonho, interpretação. São Paulo:

Casa do Psicólogo, 2004.

Greene, l. Uma viagem através dos mitos: o significado dos mitos como um guia para a vida.

Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

Gurfinkel, a c. Fobia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001.

JUNG, C. Gustav. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977

Lowen, a. Medo da vida. São Paulo, Círculo do Livro, 1980.

LUFT, Elizabeth Del Nero Sobrinha. Leitura e imagens no Ensaio sobre a cegueira. 2008.

Tese(Doutorado) - UNESP/ Campus de Araraquara, SP, 2008.

Magalhães, r. c. de. O Grande Livro da Mitologia nas Artes Visuais. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007.

Nogueira, j. c. O Inconsciente e a Linguagem na Compreensão do homem. São Paulo:

Cortez e Moraes, 1978.

Revista da Folha de São Paulo, setembro de 2008.

Revista Filosofia Ciência & Vida, maio de 2009.

Robles, m. Mulheres, mitos e deusas: o feminino através dos tempos. São Paulo: Aleph, 2006.

Sófocles. Antígona. Porto Alegre: L& PM, 2006.

Sófocles. Édipo Rei. Porto Alegre: L & PM, 2009.

Stephanides, m. Édipo. São Paulo: Odysseus, 2001.

VERNANT, Jean-Pierre. O universo, os deuses, os homens. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

CD e DVD

Ensaio sobre a cegueira – 118 min. – direção: Fernando Meirelles.

SALIS, V. D. Édipo e Antígona. Libro - CD.

Imagens

Gibson, m.. Simbolismo. São Paulo: Cosac & Naif, 2006.

Magalhães, r. c. de. O Grande Livro da Mitologia nas Artes Visuais. Rio de Janeiro: Ediouro,

2007.

Site:

www.uol.com.br

Ficha técnica do filme

Título: Ensaio sobre a cegueira

Direção: Fernando Meirelles

País: Brasil, Canadá e Japão

Ano de produção: 2008

Atores: Julianne Moore; Mark Ruffalo; Alice Braga; Don McKellar; Gael Garcia Bernal; e Scott Anderson.

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