Análise do filme “O Código da Vinci” e o dinamismo feminino nos mitos cristãos de Maria e de Madalena (Cinema e Literatura)

 

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Monalisa – obra de Leonardo da Vinci

 

O filme O Código da Vinci, produzido nos EUA, em 2006, com direção de Ron Howards é a versão cinematográfica do livro de ficção de Dan Brown.

A narrativa credita à organização ‘Opus Dei’ – uma facção radical e conservadora do Vaticano – a responsabilidade de manter em segredo que Jesus se casou com Maria Madalena, teve uma filha e nunca ressuscitou.

O suspense inicia com a morte de Jacques Saunière, um curador do Museu do Louvre em Paris, que antes de morrer é obrigado a relatar um segredo ao seu assassino.

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Museu do Louvre – Paris/França

 

O simbologista Robert Langdon, professor de Religião e Símbolos da Harvard University é chamado para decifrar as misteriosas pistas deixadas pelo assassino e que levam a mensagens ocultas nas obras do pintor renascentista, Leonardo da Vinci, que estão no museu. No dia do lançamento de seu livro “Interpretação dos Signos”, Langdon é interpelado pela polícia francesa, representada pelo capitão Fache, para auxiliar a desvendar as pistas enigmáticas deixadas pelo criminoso.

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Robert Langdon (Tom Hanks) e Sopfie Neveu (Audrey Tautou)

 

A oficial Sophie Neveu é criptóloga e tenta descobrir o assassino de seu avô, Jacques Saunière, auxiliada por Langdon. A neta do curador morto, pode ser a peça chave desse quebra-cabeça.

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Sophie Neveu (Audrey Tautou)

 

A organização Opus Deis está sob o comandado do bispo Aringarosa, um désposta, que pretende apagar todos os vestígios de uma possível linhagem viva de Jesus na terra e receber um gordo “bônus” da organização.

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Bispo Aringarosa (Alfred Molina)

 

O seu “soldado” é Silas responsável por todo o trabalho sujo da organização. A sua missão é encontrar o segredo da irmandade Católica, a localização do Graal. Silas sofre suas culpas, expiando seus atos através da autoflagelação e do cilício, que são amarrações com corrente pelo corpo, com o intuito de sofrer como Cristo sofreu na cruz.

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Silas (Paul Bettany) e a cinta de cilício

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Sir Leight, amigo de Langdon, mora no chauteau Villet e também é um estudioso do mito do Graal. Sua tese é de que o mito do Graal é uma mulher, Maria Madalena, a prostituta. Ela era esposa de Cristo e estaria grávida quando Jesus foi crucificado. Posteriormente, deu a luz a uma menina chamada Sara, mas foi perseguida pela igreja católica que não queria que esse segredo fosse desvendado, para não perder sua força e também os seus fiéis. A igreja nunca poderia ser liderada por uma mulher, seria um sacrilégio, segundo Leight.

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Sir Leigh (Ian Mckellen)

 

O curador do museu, Jacques Saunière, representante do Priorado de Sion tinha como missão proteger este segredo de Deus na terra. Os seus soldados eram os templários, que teriam protegido Maria Madalena da igreja católica, sendo esta mulher, uma ameaça à igreja. A Ordem do Templo tinha o objetivo de proteger os peregrinos cristãos em visita aos santuários católicos. Os membros da ordem uniam o treinamento militar às regras monásticas, além de votos de pobreza, castidade e juravam defender a fé a golpes de espada.

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Escultura dos templários

A OBRA DE BROWN NO CINEMA

As obras: “O Santo Graal” e a “Linhagem Sagrada” (1982) inspiraram Dan Brown a escrever o seu livro, que posteriormente originou o filme.

No livro, os evangelistas se referem a Jesus como um rabino, na antiga Judéia. Como os rabinos tinham que ser casados, logo, Jesus devia ter uma esposa e ela devia ser Maria Madalena, a “pecadora” que Jesus salvou do apedrejamento.

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Maria Madalena

 

O filme interpreta a expressão francesa “San Greal” (usada em alguns textos medievais para indicar o Cálice Sagrado) como uma corruptela da “Sang Real” (em francês antigo significa sangue de rei).

O Evangelho de Marcos afirma que Jesus era descendente dos reis Davi e Salomão e o tal sangue real pode ser uma referência à linhagem terrena de Cristo.

De suposição em suposição levantou-se à hipótese de que a crucificação foi uma farsa. Jesus considerado como o herdeiro do trono de Jerusalém fugiu para a França, com a esposa e a filha. Sua descendência teria continuado viva com os merovíngios, da dinastia francesa, que reinou nos primeiros séculos da Idade Média. Perseguidos pela Igreja Católica, que temia perder seu poder sobre os fiéis, os herdeiros de Cristo teriam sobrevivido graças à proteção dos templários.

 

MARIA MADALENA, A PROSTITUTA

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Madalena – obra de Tiziano

 

Segundo Amy Welborn, autora da obra “Decodificando Maria Madalena”, no romance de Dan Brow, Maria Madalena é apresentada muito diferente da mulher que figura nos Evangelhos e no credo cristão tradicional.

A trama de Brow é uma versão simplificada de algumas teorias esotéricas sobre Maria Madalena e que não é levada a sério por nenhum estudioso, seja ele secular ou hostil ao Cristianismo tradicional. Também não há nenhuma relação de Maria Madalena com o Santo Graal, segundo a autora.

Os Evangelhos não constituem história nem uma biografia, porque foram escritos a partir de uma cultura oral que tomava muito cuidado a fim de preservar o que tinha ouvido; a história da comunidade dependia disso, teriam que ser muito precisos. Eles são testemunhos de fé, isso significa que os evangelistas eram testemunhas da ação surpreendente de Deus na história, por intermédio de Jesus. O seu testemunho era fruto da fé, com raízes na realidade do movimento de Deus no mundo.

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Maria Madalena

 

Os evangelistas usaram os textos, as lembranças e as tradições orais que eles tinham à mão para comunicar as Boas Novas sobre Jesus. Como seres humanos, o texto e a edição deles traz a marca da preocupação e interesses de cada um. O Evangelho segundo Lucas, destaca a autora diz que: “Se Jesus afirmava que as suas ligações de sangue não são com sua família, mas com aqueles que ouvem a palavra de Deus e a executam” (Lucas 8:21).

Ela acrescenta que, Jesus não tinha nenhum objetivo em formar família, porque não seria necessário formar os seus descendentes, considerando que a sua doutrina, o seu legado, seriam transmitidos por intermédio dos seus discípulos, que levariam suas mensagens cristãs oralmente ou através das escrituras, os Evangelhos.

Maria Madalena, antigamente colocada à margem da sociedade foi resgatada por Jesus que a nomeou sua discípula e segundo o Evangelho de Lucas, o mundo que conhecemos virou de cabeça para baixo, porque não era comum uma mulher ter tanto prestígio e o seu cultus revela muito a visão medieval em relação a mulheres, sexualidade, pecado e arrependimento, segundo a autora.

Depois da Santíssima Virgem Maria, a santa mais popular da Idade Média era Maria Madalena, por ser uma figura de enorme importância no período do Cristianismo primitivo.

Mas infelizmente, a igreja patriarcal não poderia permitir que uma mulher fosse portadora da história do Cristianismo, assim, Maria Madalena, degradada e decaída, era o instrumento de uma conspiração para rebaixar as mulheres em geral e também para suprimir a sua verdade e liderança.

Mas, ao mesmo tempo em que o patriarcado rebaixava Madalena ela inspirava a prece, a devoção e em incontáveis obras, ela surge como santa e também era retratada popularmente na arte, segundo Welborn.

Mas, minha pergunta é: Por quê Cristo escolheria uma prostituta para ser sua discípula, o que ele queria nos ensinar?

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Maria Madalena – El Grecco

 

Segundo Maria Helena R. Mandacarú Guerra, psicoterapeuta de orientação junguiana, a escolha de uma prostituta para ser a discípula predileta de Jesus, simboliza a expressão do amor universal de Jesus, capaz de perdoar até mesmo os mais pecadores, os mais vis, os mais sujos. E esta visão, nos apontaria para as feridas que poderão ser cicatrizadas, se abrirmos espaço para perceber que Madalena simboliza a capacidade de se ter a vivência do sagrado, a partir daquilo que a visão patriarcal considerou abjeto e degradante, especialmente, mas não só, a sexualidade.

Madalena foi quem Cristo encontrou depois da ressurreição, aquela cujo caminho passa pela intensa vivência física, sexual e depois desta experiência desenvolve a sua capacidade de ver o espírito.

Segundo Guerra, Maria Madalena é a que tem experiências sensoriais, físicas, sexuais, concretas. Mas seu corpo não expressa somente a sexualidade ou o erotismo profanos. Há algo de sagrado nisso, inclusive quando seu corpo é usado para lavar os pés de Jesus com suas lágrimas e enxugá-los com seus cabelos, iniciando-o no mistério que mais tarde originaria a cerimônia do Lava-pés. É esta dimensão de sacralidade, frente àquilo que pode ser o mais profano, que perderemos se nos mantivermos no viés que nossa cultura vem nos impondo. E a intenção de Guerra ao conjugar o símbolo de Madalena a Cristo, considerando sua importância, nos dá a dimensão de que Madalena transita tanto pelo físico, pelo carnal, quanto pelo espiritual e sugere a sua transcendência.

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Jesus e Madalena na cerimônia do Lava-pés

 

Historicamente, Maria Madalena, a pecadora, é considerada a padroeira das prostitutas. A compaixão, uma de suas virtudes, era também a virtude das prostitutas sagradas. (The Woman´s Encyclopedia of Myts and Secret).

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Maria Madalena – Luca Signorelli

Madalena versus Maria

Segundo Guerra, também é necessário, conjugar o mito de Madalena com Maria, a mulher em quem nossa cultura depositou o que há de mais elevado e nobre em termos de amor e espiritualidade.

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Mãe e Cristo – obra de Leonardo da Vinci

 

A imagem de Maria como imaculada aquela que se abstém fisicamente da dimensão erótica e sexual. Ao mesmo tempo simboliza a alma que anseia pelo espírito, pela transcendência.

Maria possui a integridade daquele que mergulha em si mesmo e busca sua realização a partir da profundidade de seu ser. É a mulher apta a gerar aquele espírito que não somente traz a vida, mas que precisa enfrentar a morte para poder renascer. Ela encarna a capacidade humana de vivenciar plenamente e suportar o sofrimento e assim, conhece a escuridão, a noite escura da alma.

A dor é um veículo que nos aferra ao mundo, do qual, em momentos de extrema aflição, muitas vezes queremos nos livrar. A dor de Maria a traz para o mundo e a faz exercitar-se para sua capacidade de amar, sinalizando sua “parte humana”, sua dimensão terrena.

Percebemos então que a compaixão será o sentimento de ligação entre as duas figuras bíblicas, Maria e Madalena.

Na imagem da prostituta sagrada, neste símbolo profundo e significativo, encontramos a união entre corpo e espírito, entre sexualidade e transcendência, segundo Guerra.

A expressão profunda do dinamismo do feminino aparece bipartida neste Mito Cristão. A divisão fomenta as cisões como aquelas entre a santa e a prostituta, o amor e a sexualidade. E a fixação em qualquer um dos pólos leva à patologia; permanecer na promiscuidade é tão nocivo ao crescimento, quanto permanecer inflado pelo espírito, ainda que este pólo seja mais “aceitável” pela sociedade, segundo a autora.

Portanto, para a busca de um crescimento psicológico e espiritual, a conjugação dos mitos de Maria e Madalena faz-se fundamental. Sendo necessárias que sejam unificadas, para poder representar a dimensão erótica e sexual como sagrada e espiritual, senão, poderemos continuar afastados não apenas de nós mesmos, mas do outro, o que nos impedirá uma relação plena e na conquista do amor incondicional e do amor erótico.

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Madalena

 

Segundo o psicólogo Carl G. Jung, o Cristianismo era fruto de uma religião patriarcal, nômade e pastoral, cujos profetas anunciavam um Messias de origem absolutamente divina. O filho do Homem, apesar de ser filho de uma virgem humana, fora concebido no céu, de onde chegara como uma encarnação de Deus. Jung salienta também que não foi o homem Jesus, que criou o mito do homem-deus, este já existia a muitos séculos, antes de seu nascimento.

E ele mesmo foi dominado por esta ideia simbólica que, segundo São Marcos, o elevou para muito além da obscura vida de um carpinteiro de Nazaré.

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A última ceia – obra de Leonardo da Vinci

 

O Padre Boff considera que Jesus causou uma revolução antropológica e ideológica que não foi assimilada ainda, permanecendo a tensão entre a mensagem cristã de igualdade e a cultura ambiental de submissão: “E as mulheres se encontram no começo, no meio e no fim da vida de Cristo, é através de Maria que o Salvador entra no mundo. São elas que permanecem fiéis ao pé da cruz quando todos os discípulos haviam fugido, são elas as primeiras testemunhas da ressurreição: é Maria Madalena que introduz os apóstolos na fé da ressurreição”.

A tese de Boff é que Maria é o princípio feminino da salvação e não se encontra abaixo de Jesus, mas ao lado dele e juntos, traduzem de forma absoluta o que significa a humanidade ser a imagem de Deus. Ele vê em Maria um veículo de símbolos e vivências místicas, mais que a expressão da reflexão conceitual e lógica. Propõe ainda, que a maternidade não defina apenas uma função da mulher, mas a própria mulher, que possui um espírito materno mesmo que jamais chegue a gerar.

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Madonna – obra de Leonardo da Vinci

 

Para o Padre, a assunção de Maria, consagrada em 1950 pelo papa Pio XII, que declarou que a “Imaculada Mãe de Deus, a sempre Virgem Maria, terminando o curso da sua vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à Glória Celeste”, proclamou-a finalmente a sua ressurreição e assunção.

E Jung, com este avanço evolucionário, comentou que este fato marca mais um grandioso momento da história da Igreja desde a Reforma, porque a assunção de Maria permitirá a integração da matéria com o espírito e o casamento definitivo entre céu e terra. Maria seria a sublimação do eros, como sofia ou sabedoria.

A Igreja Católica Romana está tentando do seu jeito reintegrar a dimensão feminina à sua teologia e à vida católica com a doutrina da Assunção copórea da Virgem Maria, uma afirmação audaciosa que ligou a Virgem Maria em seu corpo físico à Trindade exclusivamente masculina.

Segundo o autor Adam McLean, a partir do século XII foi estabelecido o culto da Virgem Maria, que a Igreja Católica desde então acentuou, ao mesmo tempo criou necessariamente algumas dificuldades e contradições para os devotos, mas, com o tempo, a Igreja Católica construiu um novo arquétipo da condição ideal de mulher em torno dessa figura.

Essa representação de Maria é pura e perfeita, acima do pecado; na verdade, ela não teve morte corporal, porque seu corpo, de tão perfeito, foi transportado para o céu como uma entidade física, de acordo com a doutrina relativamente tardia da Assunção da Virgem.

Sendo um arquétipo que mulher nenhuma pode alcançar, essa figura de Maria é na verdade uma projeção da visão dos homens, do ponto de vista dos sacerdotes celibatários em particular, daquilo que há de espiritualmente arquetípico na mulher.

O sentido particular da palavra “arquétipo” deriva da obra de C.G.Jung, que representa uma estrutura da parte inconsciente da psique humana. Significa que os arquétipos são resquícios de experiências dos nossos ancestrais e, coletivamente, da raça a que pertencemos.

A nossa religião “judaico-cristã” impôs a associação com a virgindade e integridade, que resulta com o rompimento do hímem na primeira relação sexual e faz com que a mulher “não fique inteira”, e esta analogia, por si só, aponta para a separação entre corpo e psique, atribuindo maior integridade à ausência de experiência e à ingenuidade do que à vivência e ao conhecimento. É como se não conhecer fosse equivalente a permanecer íntegro, como se a relação com o outro, ao invés de acrescentar, tirasse algo, coisa que até mesmo na realidade corporal revela-se equivocada, visto que muitas vezes o contato com o outro traz concretamente uma vida nova, expressa na gravidez.

Compreendo que o sexual é perfeitamente compatível com o espiritual, são os contrários que se unem, formando uma harmonia no interior de cada mulher. E o homem tem muito a percorrer, em termos de evolução espiritual e psicológica para aceitar a mulher, a Madalena, a Maria e outras tantas, como seu igual.

A pergunta de Salomé sobre quando viria o Reino de Deus, responde Jesus:

“Quando tiverdes destruído a veste da vergonha e quando os dois sexos serão um só e o masculino e o feminino não serão mais, como o masculino e o feminino, então virá o Reino de Deus”.

BIBLIOGRAFIA

1) GUERRA, Maria Helena R. Mandacarú. O Relacionamento Amoroso em sua Polaridade Pré e Metapessoal – Fragmentação x Resgate de um Símbolo. Jung & Corpo Revista do Curso de Psicoterapia de Orientação Junguiana Coligada a Técnicas Corporais. Sâo Paulo: JK Gráfica e Editora, 2001, Ano I, no. 1.

2) JUNG, Carl G. O Homem e seus Símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977.

3) McLEAN, Adam. A Deusa Tríplice: um busca do feminino arquetípico. São Paulo: Editora Cultrix, 1989.

4) PAIVA, Vera. Evas, Marias, Liliths – as voltas do feminino. São Paulo: Editora Brasiliense, 1989.

5) WALKER, Barbara. The Woman´s Encyclopedia of Myths and Secrets. San Francisco: Harper Collins Publishers, 1992.

6) WELBORN, AMY. Decodificando Maria Madalena: a verdade, as lendas e as mentiras. São Paulo: Cultrix, 2006.

Fotos extraídas dos sites:

www.google.com.br

www.ocodigodavinci.com.br

e do livro “O Código da Vinci”, de Dan Brown.

Ficha técnica:

Título: O Código da Vinci

Direção: Ron Howards

País: EUA

Ano: 2006

Elenco: Tom Hanks, Audrey Tautou, Ian McKellen, Jean Reno, Alfred Molina e Paul Bettany

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