ANÁLISE DO FILME TUDO PODE DAR CERTO

e uma reflexão sobre a busca

da felicidade na

era da pós-modernidade

Rosângela D. Canassa

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Melody e Boris

O filme TUDO PODE DAR CERTO narra a história do personagem Boris Yellnikoff, hipocondríaco, mal-humorado e rabugento, que após encerrar um casamento perfeito, ele encontra a jovem Melody e resolvem morar juntos.

O protagonista é um físico genioso, com desprezo pela raça humana por causa de sua burrice. Ele foi cogitado para ganhar o prêmio Nobel, porém, foi preterido e sobrevive dando aulas de xadrez para adolescentes.

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Boris e suas aulas de xadrez

Ele sofre de pânico e outras doenças e tenta o suicídio ao pular da janela, ficando manco de uma perna. Boris é um pobre diabo, cuja lucidez o impede de ser feliz nem que seja por apenas alguns minutos. Ele foge de relacionamentos estáveis. Mas, quando ele conhece uma garota que dormia na rua, dentro de uma caixa de papelão, muda um pouco a sua história.

Eles se casam e Boris percorre o filme oferecendo as suas ideias de gênio à Melody em relação à vida, do seu ponto de vista pessimista, para ela que acaba de entrar para a vida adulta e também para o matrimônio.

Quando tudo parece ir bem entre o casal, os pais da moça vêm atrás da filha e mostram o seu lado convencional e puritano. A mãe descobre que foi traída pelo marido e não tem nenhum centavo no bolso. O pai resolve sair do armário e se apaixona por um homem muito elegante. Como qualquer família, a de Melody também tem seus problemas.

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Melody

A comédia de Allen nos faz achar que o riso é o melhor negócio e a alegria acaba parecendo um pouco com a loucura. Mas, já dizia o filósofo Spinoza que a tristeza nos deixa passivos e a alegria nos deixa ativos.

Boris ao chamar o espectador para uma “conversinha” acaba rindo de si e confessa que a nossa insegurança diante da vida não muda nada porque não temos nenhuma garantia de felicidade.

 

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Boris

O título do filme em inglês significa “qualquer coisa que funcione”, relativa a visão existencial do diretor Woody Allen e bem próximo das ideias de Boris. O diretor deste filme, de forma magistral, transfere para os seus personagens a sua própria visão de mundo, que também é negativa. Ele confessa que o acaso é o responsável pelas surpresas da vida e as mazelas humanas. As coisas acontecem na vida e não tem nenhum sentido ou explicação. Tudo acontece de forma aleatória.

E o que faz você de sua existência? (pergunta o Rei Insone, na peça Henrique V, de Shakespeare).

O CONCEITO DE FELICIDADE PARA

OS FILÓSOFOS E PARA FREUD

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Cartaz publicitário – casal feliz

O conceito de felicidade foi construído pela filosofia grega, segundo Tales de Mileto (625 a.C. A 547 a.C) e dizia que: “Sábio é quem tem o corpo são, fortuna e alma bem-educada”.

Platão relaciona a felicidade com a virtude e a capacidade da alma de cumprir o seu próprio dever, ou seja, dirigir o homem da melhor forma possível. Entre as virtudes estão a justiça e a temperança. Em sua obra O Banquete ele cita que felizes são aqueles que possuem bondade e beleza.

Para Aristóteles, o homem feliz é alguém que se basta a si mesmo e encontre dentro de si “todas as coisas”.

Na Idade Média, o indivíduo era marcado pelo nascimento e existia a individualidade, tudo já estava predestinado para o homem e sua obrigação era cumprir seu destino, que era natural. A Igreja orientava a humanidade.

Na atualidade, o individualismo excessivo ignora os limites e a busca dos objetivos é feita de qualquer maneira, não importando os meios para conseguir.

A realização dos desejos do indivíduo na sociedade de consumo, o prazer ilimitado e a qualquer preço, contribuem para orientar o comportamento deste homem e o impede que ele reflita antes de agir, porque é movido somente pelo desejo, é a sua ascensão e queda, como no mito de Ícaro. Vou relatar sobre este mito nas próximas páginas.

Não temos quem nos dê a direção do nosso destino, estamos sem comando e a pós-modernidade nos acena com sua bandeira branca que é a liberdade, mas, em alguns momentos da nossa vida, não sabemos o que fazer com ela. Então surge o “ser ou não ser”, como na obra de Shakespeare, “Hamlet”, cujo tema continua atual porque traduz a questão da dúvida do homem contemporâneo diante da vida.

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Para os psicólogos Carl Rogers e Fritz Perls, a saúde psíquica está diretamente ligada à capacidade de viver de forma intensa o momento presente. (revista Viver Mente & Cérebro – julho/2007)

Segundo os psicólogos, a individuação é a nossa alternativa e enfrentar o sofrimento é a melhor solução, porque não vale a pena fugir. A satisfação surge logo após o confronto.

Não sabemos quem somos para alterar o nosso movimento, nosso compasso diante do mundo. A saída é nos conhecer melhor, como a frase: “conhece-te a ti mesmo” para recuperamos a nossa personalidade e esperança, diante daquilo que se perdeu (individual ou coletiva).

A máxima “Conhece-te a si mesmo”, marcou a história ocidental, porque nós não nos conhecemos verdadeiramente, como o protagonista do filme, Boris.

Sigmund Freud, em uma entrevista concedida a George Sylvester Viereck da BBC de Londres, em 1926, ele comentou que a autoanálise pode nos ajudar a descobrir quem somos e o que desejamos. E a Psicanálise serve para o sujeito desenvolver a coragem para melhorar sua vida, bem como, das pessoas ao seu redor. Também pode auxiliar o indivíduo a reconstruir a sua história e questionar suas escolhas, permitindo o sujeito a encontrar um sentido para sua vida, reordenando o emaranhado de impulsos dispersos, procurando enrolá-los em torno do seu carretel, dizia Freud. Ela fornece o fio condutor para o labirinto do nosso inconsciente, seja de um empresário a um vendedor de frutas.

-se com o objeto perdido (ou nunca obtido) que habita em seu inconsciente.

Assim sendo, o objeto “não-sabido” e recalcado está

O homem satisfeito em suas necessidades básicas (fome, sede, sexo) pode não ser feliz, porque a necessidade quando preenchida leva o indivíduo a obter a sensação de satisfação, mas não o leva a sentir-se contente. As necessidades são fenômenos que são traduzidos por meio da linguagem, porta-voz das demandas (pedidos), como a criança que pede à mãe que lhe forneça o alimento. E esta demanda, oculta outra coisa e funciona como pretexto para conseguir o que a criança realmente deseja. A demanda é a solicitação de uma presença ou de uma ausência e dirigida ao outro como um pedido de amor e uma expectativa de preenchimento absoluto de plenitude, segundo a teoria freudiana.

Freud salientava que o mundo é movido pela fome e pelo amor, ou seja, o desejante (indivíduo) procura satisfazer condenado a repetir na atualidade o que perdeu no passado e sua reedição provoca na vida adulta o tédio ou o vício que não sabemos de onde vem.

 

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A criança – obra de John Russel

Os vícios podem ser o substituto da mãe, como o cigarro, a droga, etc. Nosso primeiro objeto de amor é nossa mãe.

Atualmente, muitas pessoas desejam o “carro do ano” não porque desejam, mas porque o vizinho comprou e a comparação também pode causar a infelicidade.

Para Freud, o desejo é o que põe em movimento o aparelho psíquico e orienta a percepção do agradável e do desagradável. O desejo nasce da zona erógena do corpo e sem se reduzir somente ao corpo pode satisfazer-se apenas parcialmente. O desejo de sua insatisfação, de sua não realização. O indivíduo é construído desta forma onde a libido tem um excesso que sustenta o desejo. A satisfação parcial ele pode obter no mundo ou na sua subjetividade por meio dos sonhos, das artes, etc...

 

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O pequeno vendedor de frutas

O desejo não satisfeito implica num desvio ou perversão da ordem natural ou biológica. Os humanos se orientam pela ordem pulsional e desejante. Não somos movidos pela via instintiva, que é matriz do comportamento dos animais. Somos seres simbólicos marcados pela desnaturalização empreendida pela cultura. Se fossemos apenas instinto e necessidade, seríamos como os animais.

A condição humana de ser desejante, que é uma construção cultural e complica a conquista da felicidade, embora experimentemos eventualmente, momentos de felicidade.

Condenados à angústia por causa da insatisfação eterna, o homem contemporâneo se contenta apenas com momentos fugazes da felicidade ou satisfação parcial ou ilusória. Sendo assim, o desejo jamais é satisfeito porque tem origem e sustentação da falta essencial que todo ser humano sente. A busca do “paraíso perdido” é eterna.

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Woody Allen gravando o filme

O ser humano busca, primeiramente, a sobrevivência física e depois a realização dos desejos. E na dimensão onírica o desejo se disfarça. Sonhando o indivíduo realiza qualquer desejo. Desta forma, a realidade do mundo frustra o indivíduo porque o incapacita de ser feliz.

Paradoxalmente, a frustração é muito importante porque é ela é que nos impulsiona para buscar algo melhor. Mas, tudo compreender não é tudo suportar. A Psicanálise nos ensina não apenas o que podemos suportar, mas também o que devemos evitar. Embora Freud diga que o homem é infeliz, isso não nos impede que continuemos com a missão de procurar a felicidade e eliminar a nossa frustração.

Para o crítico e romancista italiano Umberto Eco, que se aposentou pela Universidade de Bolonha, ele não acredita na felicidade, acredita apenas na inquietude, ele sempre precisa estar fazendo alguma coisa. Mas existem momentos de felicidade, como quando nasceu seu primeiro filho. Ele nunca está feliz por completo e acusa quem é feliz a vida toda é um cretino. Por isso, antes de ser feliz, prefere ser inquieto. (entrevista Jornal Folha de São Paulo, 11/5/2008)

Independentemente de nossa insatisfação, de ordem psíquica ainda temos a nossa cultura que fomenta o nosso desamparo causado pela falta de dispositivos sociais e culturais que poderiam acolher nosso “desassossego”. E isto faz que os indivíduos busquem de forma individual, incessantemente, uma forma de aplacar a solidão.

Para o sociólogo Baumann “o sistema é líquido”, ou seja, tudo flui e nada fica. Na atualidade, a exploração individual é descobrir a vida.

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Boris descobrindo a vida

 

Já nos anos 60 havia uma entrega radical a qualquer coisa, onde o sujeito queria modificar o mundo e a causa era coletiva.

Com a teoria psicanalítica e a formulação do conceito de inconsciente ficou mais evidente que o nosso ego, nem ele mesmo é senhor da própria casa. O que significa que ele se contenta com poucas informações daquilo que se passa além de sua consciência, em sua vida psíquica. (revista Viver Mente & Cérebro, julho/2007)

O autoconhecimento é a saída para o sujeito não ficar à mercê de seus próprios desejos que o deixa cego e ele nunca vai conseguir satisfazer o seu ego ou encontrar a quietude dentro do seu ser.

Os recentes estudos revelam que a felicidade será inventada por um sujeito que aprendeu a conhecer melhor a si próprio e o mundo em que vive. Ou seja, nos conhecendo melhor, temos melhores condições de perceber nossas potencialidades, bem como, nossos defeitos.

A matéria revela também que alguns psicólogos defendem a ideia de que a personalidade distingue os indivíduos, ou seja, as dificuldades podem desaparecer, mas a forma como reagimos às circunstâncias permanecem, caso não optamos por uma transformação interior. A sensação de felicidade influencia nossa forma de estar no mundo, mas é diferente para cada ser humano.

Penso que, rir também pode ser um bom negócio, somos seres angustiados e desamparados, partidos pela nossa incoerência interna que nos aflige e é causada pela nossa condição de sermos livres e que nos obriga a fazer escolhas a todo momento, ou não.

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Mãe de Melody e seus dois maridos

Freud nos alerta também que o homem só é humano porque parte de si precisa permanecer insatisfeita, considerando que ele conviveu com outras pessoas que também tem desejos, que buscam continuamente e que isso é que move a vida. Lembrando que, o gosto pelo conhecimento possibilita o sujeito aprender a conhecer a si mesmo e também leva a conhecer o outro o que facilita a vida.

A felicidade é momentânea e ocorre nos momentos de trégua dos conflitos internos de cada indivíduo, segundo Freud.

Na ciência a explicação é fisiológica, ou seja, a noção de que cada um de nós tem um nível de felicidade é determinado em grande parte por genes. Isso explica que, a nossa herança genética vai influenciar também no modo de como nossos genes se unem para formar cada indivíduo. (revista Viver Mente & Cérebro, julho/2007)

A fórmula do bem-estar psíquico e emocional ainda não foi encontrada, mas Freud nos dá algumas pistas como: “a felicidade é a realização retardada de um desejo pré-histórico (de cada um). É por essa razão que a riqueza traz tão pouca felicidade, porque o dinheiro não foi um desejo de infância.”

Para o diretor do filme ele diz: “A minha percepção é que você é forçado a escolher a realidade em vez da fantasia, e que a realidade acaba por machucar a gente, e que a fantasia não passa de loucura.” (Lax, 2009, p. 143)

Em relação ao filme, penso que, o excesso de lucidez de Boris gera a sua maior angústia e o faz perder de vista os seus objetivos, de encontrar uma forma de viver onde possa ser feliz mesmo com as imperfeições das coisas, porque é o que a vida nos oferece.

Em relação ao acaso, ele teria que perceber que tudo tem o seu reverso e ao deixar-se fluir no seu dia-a-dia, ao invés de querer pular a janela, Boris poderia encontrar grandes surpresas na sua vida e que poderia proporcioná-lo bons momentos, sendo que tudo pode dar certo.

Allen, apesar de uma forma um pouco caricatural ele coloca nos personagens e na trama a força do acaso e da surpresa como elementos que explicam a sua visão de mundo, por meio dos personagens e com suas piadas refinadas.

Ele nos revela também que a vida tem pouco sentido e nenhuma lógica, por mais que busquemos verdades que nos permitam aquela sensação de segurança no nosso percurso diante da vida e os homens da antiguidade também tinham a mesma ânsia em descobrir os mistérios da vida humana e para isso criam os mitos.

ÍCARO E O HOMEM CONTEMPORÂNEO:

O COMBATE À EXALTAÇÃO

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Dédalo e Ícaro

Para o psicólogo Carl Gustav Jung é impossível entender o homem somente pelo viés da ciência, ele propõe um retorno aos mitos, considerando que nossas experiências ficam retidas no nosso inconsciente e podem ser recuperadas pelas “ideias imaginárias”, sonhos e narrativas mitológicas.

Para Jung, a personagem mítica, o seu eixo de sublimação e sua vertical de queda localizam-se no inconsciente mais profundo, na totalidade do humano e não um simples aspecto do homem está presente no mito.

Nas palavras do psicólogo Paul Diel: “Os mitos falam do destino humano sob seu aspecto essencial: destino resultante do funcionamento sadio ou doentio (evolutivo ou involutivo) do psiquismo”.

O próprio herói e seu combate representam a humanidade inteira na sua história e no seu impulso evolutivo. Trata-se da luta contra o mal íntimo que sempre detém ou mitiga a necessidade essencial de evolução, segundo o filósofo Gaston Bachelar.

Ao aproximar os deuses dos homens, a fim de tornar a vida mais racional e compreensível foi uma missão tanto de Homero, como de Hesíodo e tem o seguinte caráter: de um lado valorizar o homem, na medida em que os deuses tinham forma e sentimento humano e a eles cabiam as ações que possibilitaram o desenvolvimento pleno de suas virtudes. De outro lado, estabelecia uma dependência dos homens em relação aos deuses, que eram vistos como imortais e com poderes para interferir nas vidas humanas. A busca da compreensão do Universo e de seus fenômenos, através da ordenação dos deuses que passaram a ser vistos como existindo dentro de uma certa ordem e segundo uma hierarquia, limitava seus poderes sobre a vida dos homens na terra.

Na mitologia grega, Ícaro era filho de Dédalo, um dos homens mais criativos e habilidosos de Atenas, conhecido por suas invenções e pela perfeição de seus trabalhos manuais, simbolizando a engenhosidade humana.

Um de seus maiores feitos foi o Labirinto, construído a pedido do rei Minos, de Creta, para aprisionar o Minotauro.

Por ter ajudado a filha de Minos a fugir com um amante, Dédalo provocou a ira do rei que, como punição, ordenou que ele e seu filho Ícaro fossem jogados no Labirinto.

Dédalo sabia que a sua prisão era intransponível e que Minos controlava mar e terra, sendo impossível escapar por estes meios.

Dédalo concluiu que: "Minos controla a terra e o mar, mas não o ar. Tentarei este meio".

Dédalo projetou asas, juntando penas de aves de vários tamanhos, amarrando-as com fios e fixando-as com cera, para que não se descolassem. Foi moldando com as mãos, de forma que estas asas se tornassem perfeitas como as das aves. Estando o trabalho pronto, o artista, agitando suas asas, se viu suspenso no ar. Equipou Ícaro também e o ensinou a voar. Antes do vôo final ele advertiu ao seu filho de que deveriam voar a uma altura média, nem tão próximo do sol, para que o calor não derretesse a cera que colava as penas, nem tão baixo, que o mar pudesse molhá-las.

Eles primeiramente se sentiram como deuses que haviam dominado o elemento ar. Ícaro deslumbrou-se com a bela imagem do sol e, sentindo-se atraído, voou em sua direção, esquecendo-se das orientações de seu pai. A cera de suas asas começou rapidamente a derreter e Ícaro caiu no mar. Quando Dédalo percebeu que seu filho não o acompanhava mais, gritou:

" _ Ícaro, Ícaro, onde você está?".

Logo depois, viu as penas das asas flutuando no mar. Lamentando suas próprias habilidades, chegou seguro à Sicília, onde enterrou o corpo e chamou o local de Icaria em memória de seu filho. (Schwab, 1994, p. 69)

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A queda de Ícaro

Dédalo é um homem engenhoso e representa o intelecto e sua racionalidade e técnica constituem um obstáculo para ele atingir as regiões mais elevadas da vida, para atingir a plenitude, segundo o psicólogo Paul Diel.

Boris assemelha-se ao mito, a meu ver, porque também é inteligente, mas atacar o outro com a sua “genialidade” é um ser exaltado, exagerado, uma mente doentia, é o símbolo do intelecto perverso.

Os seus terrores noturno (produções da psique dilacerada) podem simbolizar os terrores de culpabilidade, que o protagonista não enfrenta. Em consequência a sua felicidade torna-se inacessível, causada pela sua mente torturante, num esforço de se engrandecer, de se elevar perante os outros.

A sua incapacidade de viver tranquilamente e de se relacionar é o indício de sua impotência, da diminuição de sua força vital e criativa para viver. Ao tornar-se manco de uma perna, simboliza que ele não consegue manter-se sobre as próprias pernas, é um fraco. Ele não consegue ganhar uma distância objetiva da vida e suas complicações. Por mais talentoso que ele seja, somente poderá escapar de sua prepotência se conseguir viver entusiasmado e não elevado.

Este mito de Dédalo nos deixa claro que a repetição da atitude de vaidade e do intelecto perverso (usa muito mau os conhecimentos que adquiriu) é consequência da procura intensa da vida, mas de forma involutiva.

O filho de Dédalo, não representa todos os adolescentes, mas apenas o aspecto da efervescência passageira da juventude, de que tudo pode, de que tudo deve experimentar e possuir.

Para Diel, seu voo em direção ao sol, bem como, a sua queda, simbolizam o esgotamento de sua força de ascensão. E o seu verdadeiro guia não será o sol (ou a luz), mas o intelecto utilitário. Sua intenção não era buscar o sentido da vida (a elevação no sentido positivo), mas a dispersão nas comodidades e satisfações exclusivas das necessidades corporais, provocadas pela imaginação exaltada da juventude. Isso o fez confundir-se com as necessidades do espírito. As asas de cera são uma maquinaria artificial do intelecto.

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O vôo de Ícaro em direção ao sol

Ícaro foi demasiado imaturo para não seguir os conselhos do pai e ele sofreu o castigo infligido pelo próprio sol/espírito, derretendo suas asas artificiais. O mito personifica a deformação do psiquismo caracterizado pela exaltação vaidosa em relação ao espírito. O sonho do vôo é a expressão da vaidade própria, é o seu desejo real de superar a si mesmo, segundo Diel.

O sujeito submetido a esta exaltação permanece doentiamente fixado nas exaltações de sua juventudade como Dédalo e jamais virá a tornar-se um homem maduro (p. 59)

Para Diel devemos compreender as deformações da vida para poder evita-las, caso contrário, vão surgir as angústias e a vaidade em culpabilidade. O sonho de voar transforma-se em pesadelo. O mito de Dédalo e Ícaro nos revela que o conflito essencial da alma humana é o combate à exaltação. E as asas de cera simbolizam a falsa espiritualidade porque não tem nenhuma sustentação. Aí vem o desconforto culposo que acompanha o remorso pela felicidade perdida. Quando o remorso não é disfarçado e sim confessado, reveste-se de sua forma positiva que possibilita a elevação sem a exaltação, exagerada e doentia.

Tanto os mitos quanto Boris são ofuscados pela vaidade e saída é o ideal grego proferido por Dédalo: “ o ideal de medida é o justo meio”.

Para Diel, o entusiasmo pela vida é a verdadeira felicidade.

Desta forma, posso concluir que a capacidade de ser feliz está intimamente relacionada às características da personalidade e à carga genética. No caso da herança genética (herança transmitida pelos pais aos filhos), nesse caso o que ocorre são as caraterísticas que surgem a partir do modo com os genes se unem para formar cada indivíduo.

Viver intensamente o presente, sem apego ao passado ou preocupação com o futuro é a melhor solução, mesmo com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres, conforme Fernando Pessoa nos conta em seu poema “Tabacaria”:

Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens, com o destino a conduzir a carroça de tudo pela estada de nada. Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade. Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer”.

(Fernando Pessoa)

 

Referência Bibliográfica:

1) DIEL, Paul. O simbolismo na mitologia grega. São Paulo: Attar, 1991.

2) FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos. São Paulo: Folha de São Paulo, 2010.

3) JORNAL FOLHA – 11-5-2008.

4) LAX, Eric. Conversas com Woody Allen. São Paulo: Cosacnaify, 2ª. Edição, 2009.

5) NICOLA, Ubaldo. Antologia ilustrada da filosofia: das origens à idade moderna. São Paulo: Globo, 2005.

6) PESSOA, Fernando. Poesias. Porto Alegre: L&PM, 1996.

7) Revista Viver Mente & Cérebro – julho/2007

8) SCHWAB, Gustav. As mais belas histórias da Antiguidade Clássica: os mitos da Grécia e de Roma. São Paulo: Paz e Terra, 6ª. Edição, 1994.

Site consultado:

www.google.com.br

Imagens:

O grande Livro da Mitologia: nas Artes Visuais. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007.

Ficha técnica:

Título: Tudo pode dar certo

Ano: 2009

Direção: Woody Allen

País: EUA

Elenco: Larry David (Boris), Evan Rachel Wood (Melodie), Patricia Clarkson e Kristen Johnston.

Gênero: comédia

DVD: 92 min.

Comentários

Unknown disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse…
Excelente sexta-feira...


Amei a proposta e fiquei impressionada com os destaques
mitológicos que você deu ao filme.

BRAVA!!!!!

Abraços
Claudia Canizio
Olá Claudia que bom que gostou!!!
Rosângela

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