FRIDA KAHLO: A ARTE DA DOR COMO PRINCÍPIO ESTÉTICO

 

clip_image002

Frida Kahlo

Rosângela D. Canassa

Magdalena Carmen Frida Kahlo y Calderón nasceu no dia 06/7/1907, em Coyoacán, México, três anos antes dos levantes que puseram fim à ditadura de Porfírio Díaz (Revolução Mexicana, 1910-1921).

Frida nasceu com um tipo de mau formação congênita de bacia e aos 3 anos de idade contraiu poliomielite. A doença deixou a sua perna direita e o pé esquerdo, um pouco atrofiado e seu apelido era “Frida perna-de-pau”. Por isso, o uso de saias compridas.

Ela foi educada na tradicional Escola Preparatória Nacional e integrou a elite intelectual e politicamente radical que defendia o resgate do passado pré-colombiano do México.

Frida se identificava com a população indígena, que reflete em suas roupas e acessórios. Frida gostava de usar colares pré-colombianos e brincos coloniais.

A artista também se debruçava sobre o caráter estilístico dos quadros votivos de santos e mártires cristãos que estão sempre presentes na crença religiosa popular mexicana. O produto da arte popular era a arte votiva, sendo o mexicanismo na arte de Frida. Os animais como macacos representavam os animais de estimação de Frida e serviam para sua proteção.

Sabemos que é difícil descrever a própria dor e impossível conhecer a experiência dolorosa vivida por uma pessoa, esta experiência é única, individual e está relacionada à história de cada um e ao contexto no qual é percebida. Mas, a artista conseguiu capturar o seu sofrimento que é irrepresentável e transpor para a tela, que dizem respeito ao corpo e à sexualidade feminina. Quanto aos autorretratos ajudaram-na a formar uma ideia do seu próprio eu. Suas pinturas não eram surrealistas porque Frida não pintava os seus sonhos, mas a sua realidade e sem fuga.

Esta obra traça a história da descendência de Frida Kahlo. A artista é representada como uma menina de aproximadamente três anos. Os retratos dos seus pais baseiam-se na fotografia do seu casamento, em 1989. Os seus avós maternos, mexicanos, estão simbolizados pela terra, enquanto os paternos, alemães, estão simbolizados pelo mar (Kettenmann, 2010, p. 09).

clip_image004

Meus avós, meus pais e eu (Árvore Genealógica)

1936 – MoMA, Nova York, EUA

Este autorretrato é o primeiro trabalho profissional de Frida e foi pintado como presente para o seu namorado dos tempos de estudante chamado Alejandro Gómez Arias, que a tinha deixado e que ela esperava assim reconquistar. A pose aristocrática reflete o interesse da artista pela pintura renascentista italiana. Ela era autodidata e aos poucos foi fazendo sucesso com seus quadros.

 

clip_image006

Autorretrato em vestido de veludo - 1926

(acervo particular)

Em vida foi conhecida, sobretudo, como mulher do muralista mexicano Diego Rivera. Durante a turbulenta relação do casal, ambos tiveram aventuras extraconjugais. Entre os casos de Frida encontra-se o revolucionário marxista Leon Trotski. Entre os de Diego, Cristina, irmã mais nova de Frida.

Diego Rivera (1886 – 1957) e Frida Kahlo se casaram duas vezes e viveram um amor atormentado e intenso. Rivera era 20 anos mais velho do que ela. O casal alternava momentos de profunda cumplicidade e amor, com episódios de crises de ciúmes, por parte de Frida, o que era justificado, pois Rivera foi infiel durante todo o seu relacionamento com a esposa. Ele não escondia isso de ninguém, nem mesmo da própria Frida.

Este retrato pode ter sido baseado numa fotografia de casamento e foi um presente ao colecionador de arte Albert Bender, como um símbolo do agradecimento do passaporte de entrada de Rivera nos EUA que ele conseguira obter. Tinham recusado a dar o passaporte para Rivera por causas da sua inclinação comunista.

 

clip_image008

Frida Kahlo e Diego Rivera (1931)

Museum of Modern Art, São Francisco, EUA

 

Rivera era um grande muralista e a arte para ele tinha uma função social. A arte era uma forma de ensinar a população analfabeta do campo, a história de sua nação. Suas obras eram patrocinadas pelo Estado.

 

clip_image010

A coluna partida (1944)

Aos 18 anos, Frida sofreu um acidente de trânsito em sua cidade no México e sua coluna vertebral se desintegrou. Prensada entre um bonde e um ônibus, ela teve a coluna rompida e o corpo quebrado ao meio. Devido ao acidente ficou muito tempo na cama, então seus pais lhe deram tintas para pintar. Como ela ficava muito tempo deitada, a sua mãe colocou um espelho em cima de sua cama assim Frida começou a pintar a si mesma.

Em 1944, quando Frida pintou este autorretrato, a sua saúde piorava ao ponto de ter de usar um colete de aço e gesso. A racha do corpo dela e as fendas harmonizam entre si. O espaço desolado e a terra esturricada simbolizam o seu interior que foi ferido e dividido.

As pinturas de Frida Kahlo derivam de sua percepção do mundo externo, bem como, de seu mundo interno. A busca por estes temas configuram na transposição destes mundos ao expô-los, com todas as suas dores e conflitos pessoais. A arte da dor de Frida é uma tentativa da passagem do caos das emoções, da dor, do subjetivo à ordem do visível e do fantástico. A sua “realidade artística” é sempre pintada com cores fortes como a sua dor. Era o que ela estava acostumada a sentir, era o seu sofrimento físico e as perdas afetivas. Pode-se pensar nas dores da separação de Rivera, como bases psíquicas para a expressão artística e para fomentar o seu trabalho criativo, sendo a sublimação de sua dor, que é outro meio de atribuir outro significado à dor.

Frida via em suas obras a corporificação de seus instantes, são imagens fortes, retratos de suas ideias, mostrando-se ao mundo, são autobiográficas. As imagens também contam, na medida em que eles são metáforas de suas necessidades de projeção de seu universo psíquico.

Em 4 de julho, Frida Kahlo abortou na cidade de Detroit/EUA e tentou retratar este momento difícil nesta pintura, onde se encontra deitada na grande cama do hospital que dá uma impressão de incapacidade e dor pela perda do seu bebê. O símbolo do caracol simboliza a interrupção de sua gravidez que ainda era de curta duração, segundo Frida.

Ao longe, vê-se uma paisagem industrial que simboliza o quanto a artista sentia-se distante daquele país.

 

clip_image012

O Hospital Henry Ford (1932)

A compreensão da significação destes símbolos, seja uma imagem onírica, uma pintura, por exemplo, pode gerar efeitos por toda a vida do indivíduo, que permitem que este atualize a experiência quando a psique ansiar por isto e não somente no momento em que alcançou sua significação.

 

clip_image014

As duas Fridas – 1939 (Museu de Arte Moderna, cidade do México)

Este quadro viria a tornar-se a obra-prima de Frida Kahlo. O espelho sempre representou um papel central em suas pinturas, de início por necessidade, visto achar-se ela presa a uma cama, enferma. Depois, o espelho tornou-se um reflexo da realidade, a qual poderia assim ser manipulada e trazida numa visão fantástica da personalidade da pintora. Em As duas Fridas, a dualidade do espelho torna-se uma visualização esquizofrênica do dilema pessoal de Frida: a mulher europeia (Frida), de vestido branco rendado e enfeitada com ornamentos adequados para uma casta donzela católica e a mulher Tijuana de pele mais escura e roupas coloridas. A persona telúrica e camponesa estimulada por Diego Rivera. Ambos os corações estão expostos e um fino vaso sanguíneo, semelhante a um ramo de videira e liga-os a um pequeno amuleto que é um retrato em miniatura de Diego quando criança. Os dois corações são as “duas Fridas”. O coração da Frida europeia está dilacerado e ela prende com uma tenaz cirúrgica a extremidade da artéria comum às duas. Porém, dessa extremidade ainda goteja sangue, que cai sobre seu vestido branco (Charles, 2007, p. 471).

A obra As duas Fridas foi criada na época de sua separação com Diego e segundo a própria Frida, essa tela representa a “dualidade” de sua personalidade. Mas também pode simbolizar o conflito inerente à raça mestiça, nem totalmente europeia, nem totalmente autóctone (Farthing, 2009, p. 417).

Num momento de desespero e após a sua separação de Rivera, porque ele a traiu com a própria irmã Cristina, Frida corta os seus cabelos que eram bem compridos, como o símbolo do abandono de sua feminilidade, restando apenas um brinco. Na verdade, Frida sonhava com a independência daquele amor que a tornava cativa. O seu sentimento por Rivera era um sentimento tão forte que ela não conseguia dominar.

 

clip_image016

Autorretrato com cabelos cortados – 1940

(MoMA, Nova York, EUA)

Neste quadro, Frida está de cabelos cortados com uma tesoura na sua mão direita, enquanto na outra, segura um maço de seus cabelos. Ela veste uma roupa masculina que parecer ter saído do armário de Rivera. O verso de uma canção, pintado ao comprido no quadro, na parte de cima é um trecho de uma canção mexicana muito conhecida, no princípio dos anos 40: “olha, se te amei foi por teu cabelo; agora que estás careca, já não te amo.” (Kettenmann, 2010, p. 58).

A moda “rapaz” de Frida, cabelo curto, calças e botas masculinas era seu protesto, o abandono de sua feminilidade, depois de sua separação.

Frida tornou-se bissexual e depois do aborto começou a trair o marido várias vezes, com homens e mulheres.

A figura que está acima do dossel representa Judas. Tais figuras de Judas são rebentadas nas ruas do México no Sábado de Aleluia, pois se crê que o traidor só conseguirá obter liberdade no suicídio. Frida Kahlo e Diego Rivera tinham uma série de figuras de Judas na sua coleção de escultura (Kettenmann, 2010, p. 57).

 

clip_image018

O Sonho ou a Cama (1940)

As caveiras ou esqueletos que surgem em algumas de suas obras simbolizam a imortalidade. No México, a morte é entendida como um processo, uma transição para outra vida. O “Dia dos Mortos” é comemorado com uma grande festa, no dia 02 de novembro (Kettenmann, 2010, p. 24).

A arte de Frida era o resultado de 32 cirurgias e 28 corpetes ortopédicos de couro, gesso e ferro, bem como, o casamento com Diego Rivera e a perda prematura de seu bebê. Ela pintava como a artista via o mundo, as suas dores e angústias pessoais.

A artista não guardava os seus segredos íntimos, ao contrário, a sua pintura servia para “falar” sobre o que ela sentia sem vergonha de expor tanta verdade. Por meio de sua obra, visto como ação criativa estimulada pela arte da dor, Frida elaborava seu potencial de criação.

 

clip_image020

O que vi na água ou O que a água me deu (1938)

 

Pela atividade produzida, ela se capacitava no desenvolvimento modelar de sua personalidade, o que a auxiliava na superação de suas angústias, ou pelo menos, penso que aplacava a sua dor. Suas neuroses eram a matéria-prima de seu trabalho.

Artistas não são imunes a problemas emocionais ou mentais e muitos deles utilizam para seus trabalhos como Frida, que também sofria de depressão.

Ela é uma artista de grande intensidade emocional e que expressa em seus quadros o horror primal da dor física e emocional. O efeito perturbador de suas obras fixam novos parâmetros estéticos, como a “arte da dor” que denominei considerando que a mimese (imitação do real) e o ideal harmônico do belo cedem lugar ao horror e à dor, derivados de conteúdos psíquicos dolorosos e traumáticos que residem em seu inconsciente.

 

clip_image022

Auto-retrato na fronteira do México

Com Estados Unidos (1932)

Até o século XIX as artes plásticas procuravam representar o homem com base em padrões clássicos de equilíbrio e verossimilhança. Com o advento da Psicanálise e outros saberes como a fotografia e o cinema foram surgindo novas formas de representação da subjetividade humana.

Tomando como ponto de partida, o movimento de interpretação das obras de Frida Kahlo que metaforizam a expressão dos seus conteúdos inconscientes, denuncia-se a mobilização desta pintora e pode-se entender o seu sofrimento, como princípio estético.

A partir do conhecimento da história de vida de Frida nos possibilita o entendimento de suas obras autobiográficas e que nos seduzem pela sua beleza crua, com corpos torturados e a mente transtornada. A beleza na arte de Frida está contida em sua verdade, não na estética da dor, utilizada para a sua comunicação com o mundo.

A essência da arte da pintora é vital e necessária para a sua expressão e fazem parte de sua história e são impressas eternamente no seu trabalho artístico, com suas repetidas vivências particulares, com as mais variadas formas de expressão de sua alma.

Ao englobar a emoção e a arte, intuição e percepção auxiliava Frida a integrar os aspectos cindidos de sua psique, que eram resgatados através da sua expressão artística.

O homem está sempre em busca de seu lugar na sociedade como indivíduo e é neste momento que ele recorre à arte para identificar seus sentimentos, o que só as atividades artísticas fornecem em estado puro. As imagens estão mais próximas dos processos inconscientes do que as palavras, já que estão mais próximas da percepção.

Desta forma, a importância do estudo das imagens da pintora Frida Khalo, nos possibilita conhecer com mais profundidade esta artista, que representou a sua vida nas telas, de forma espetacular. As suas imagens nos trazem a virtualidade do seu universo inconsciente, como os auto-retratos e outras obras, que são expressões da atividade criadora da sua psique.

O filme Frida foi baseado na biografia escrita por Hayden Herrera, com direção de Julie Taymor, 2002 (EUA). Os principais atores deste filme são Salma Hayek e Alfred Molina que interpretam o casal Frida Kahlo e Diego Rivera.

A trilha sonora deste filme foi gravada em outubro de 2002, com 24 musicas, inclusive uma delas é cantada por Caetano Veloso e intitulada “Burn it Blue”, com a cantora Lila Downs, num belo dueto.

As músicas são ambientadas no tempo do filme, anos 20 a 50, o que rendeu dois Oscars nas categorias: Melhor Trilha Sonora e Melhor Maquiagem.

Rivera incentivava muito Frida a pintar e também a expor os seus trabalhos, os quais ela achava que só interessaria a ela mesma. Rivera a obrigou a fazer uma exposição em Nova York, em 1938. Nesta exposição, Frida conheceu André Breton, um representante do Surrealismo que disse que ela era surrealista sem saber.

“Pinto a mim mesma porque sou meu melhor motivo”.

Referência bibliográfia:

1) CHARLES, Victoria et al. 1000 Obras-Primas da Pintura. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

2) FARTHING, Stephen. 501 grandes artistas. Rio de Janeiro: Sextante, 2009.

3) KETTENMANN, Andrea. Frida Kahlo (1907-1954): dor e paixão. São Paulo: Taschen, 2010.

Imagens extraídas do livro:

KETTENMANN, Andrea. Frida Kahlo (1907-1954): dor e paixão. São Paulo: Taschen, 2010

DVD – FRIDA – 2002, com Salma Hayek e Alfred Molina – vencedor de 2 Oscar (melhor maquiagem e trilha sonora)

Comentários

Anônimo disse…
Fantástico...
Aline disse…
A maior forma de liberdade é conseguir expressar o que se sente. Uma mulher incrivelmente livre!
Anônimo disse…
por favor gostaria que me ajudasse a interpretar essa frase, não se trata de entender o inglês, mas a compreensão em si, já agradeço:
"I'd like to give you everything you never had. But not even then would you know how beautiful it is to love you."

Postagens mais visitadas