Análise fílmica de “NINE” e as interfaces com o cinema imaginário de Federico Fellini
O filme “Nine” se passa no ano de 1965, no Cinecittá Estúdio, em Roma e conta a história de Guido Contini, um produtor de cinema que tenta reconstruir a sua carreira, na meia idade. Com o bloqueio criativo ele não consegue escrever o roteiro e escolher as atrizes.
Daniel Day-Lewis
O tema do filme NINE afasta as características do Neorrealismo italiano e enfoca a estética felliniana, com os retratos oníricos do protagonista do filme, cujo ator é Daniel Day-Lewis.
O musical evoca os assuntos relacionados à vida pessoal e artística do cineasta Federico Fellini (1920-1993), sendo o filme uma releitura de “Oito e Meio”.
Judi Dench
Os personagens de NINE são na maioria mulheres que circundam a vida de Guido Contini e transitam pelo humor e o drama.
Guido é casado com Luisa Acari, ex-atriz e eles tentam manter a relação, mas as desconfianças de Luisa e a ausência do marido afastam o casal.
Daniel Day-Lewis e Marion Cotillard
A primeira amante de Guido que surge no filme é a femme fatale Carla (Penélope Cruz), que é casada. Ela dança para Guido numa tentativa desesperada de passar alguns momentos com o amado.
Penélope Cruz
A mãe de Guido também se faz presente e é interpretada por Sopfia Loren, no papel da “mama”.
Sophia Loren
A cantora Fergie interpreta a prostituta que povoa os sonhos de Guido quando ele era criança. Na infância ele espionava a moça que morava na praia e um dia ele foi repreendido pelos padres do colégio onde estudava. Desde então, passou a associar as figuras femininas a santas ou pecadoras.
A cantora Fergie
O Neorrealismo italiano tornou a combinação preta inseparável de suas atrizes, como símbolo da fêmea proletária. Hollywood, pelo contrário, mostrou as combinações para sublinhar o luxo e o prestígio social. E, sobretudo, durante muito tempo foi a fronteira do que a censura permitia. Qualquer intrusão além do vestido feminino detinha-se nesse justo, decotado e invólucro de cetim, segundo Almeida. (ALMEIDA, Euzita Cleide de. Lingerie, Moda e Sedução: Visão do Erotismo pela Publicidade. São Paulo: 2003. Dissertação de Mestrado defendida na ECA/USP)
Mas, em NINE a lingerie que mais aparece é o espartilho, como vestem as musas de Contini.
Nicole Kidman
Capa da revista Vogue
Fellini criou o mito da Mulher em seus filmes a as dividiam entre santas e pecadoras. Em NINE a mulher é uma espécie de ser cuja individualidade nem sempre é lembrada em virtude do mestre Guido Contini.
Daniel Day-Lewis
O Neorrealismo italiano e o cinema imaginário de Fellini
Locação do Cinecittà Stúdio
A Europa despertava do pesadelo da 2ª. Guerra e o cinema italiano da década de 50, a partir do Neorrealismo de Vittorio De Sica e Roberto Rossellini abriram espaço para uma linguagem diferente e seguiram em frente. O cinema europeu começou a mostrar o seu brilho e os estúdios do Cinecittà eram onde os diretores como Fellini e Visconti criavam uma nova estética para o cinema da época.
Dentro deste panorama começaram a surgir estrelas como Sopfia Loren, Catherine Deneuve e Marcello Mastroianni.
Marcello Mastroianni no filme “Oito e Meio”
Fellini dizia que o mais importante num filme é a escolha dos rostos e cabeças, a paisagem humana do filme. (Carlos, 2011, p. 46 – coleção Cine Europeu Folha de S. Paulo)
Hoje, as atrizes em destaque são Nicole Kidman e outras. Mas, o processo de identificação do espectador com o ator/personagem do cinema não mudou. O que ocorreu foram as formas de produção do cinema, ao longo do século XX.
Para Fellini, o Neorrealismo foi importante no plano expressivo, em função de um estilo. Ele dizia que o seu País vinha de uma guerra desastrosa, de uma experiência política que havia mergulhado a Itália nas trevas. O Neorrealismo fez com que eles entrassem em contato direto com a realidade. (Carlos, 2011, p. 18)
Fellini e o cinema imaginário
O termo “felliniano” é utilizado para designar as situações caóticas apresentadas em seus filmes e que se transformam num lirismo, com personagens e situações delirantes, num universo alucinado, cuja realidade é reinventada como se fosse um sonho.
Cartazes de filmes de Fellini
Na fase autoral de Fellini e depois dos sucessos já realizados o diretor abre as portas do mundo onírico, da fantasia, da imaginação onde o banal e o comum não entravam em cena.
Filme Satyricon - 1969
O cinema de Fellini estabeleceu um diálogo entre conteúdos inconscientes que também se encontravam no imaginário coletivo.
O imaginário coletivo é permeado por símbolos que são plenamente compreendidos e fazem parte da psique de todos os homens, conforme a teoria junguiana.
Fellini nunca escondeu sua afinidade com as teorias do psicólogo Carl G. Jung e demonstrou sem receios em seus filmes através de sua imaginação e criatividade.
Livro dos Sonhos - Fellini
O cineasta é conhecido pelo estilo que funde a fantasia, as imagens de sonhos, com a memória de sua infância na Itália. Fellini trazia para o cinema as suas próprias memórias para narrá-las em seus filmes. Ele é considerado uma das maiores influências como diretor do século XX.
O filme A Doce Vida (1960) é uma crítica à alta sociedade italiana que refeitas das cinzas da 2ª. Guerra Mundial e caiu no consumismo e hedonismo da cidade (...) O filme libera o imaginário de Fellini e abre as portas para o onirismo e para a psicanálise, um mundo em que as certezas se esgarçam. (Carlos, 2011, p. 23)
Marcello Mastroianni e a atriz Anita Ekberg beijam-se na cena clássica “A Doce Vida” de Fellini - 1960
As composições musicais de Nino Rota também faziam parte do mundo felliniano, onde a música é tão importante quanto o personagem ou a história.
O cineasta nasceu na cidade de Rimini/Itália onde as experiências de sua infância vieram a ter uma parte vital e muitos de seus filmes, em particular em "Oito e Meio" (1963).
Cartaz do filme “Oito e Meio”
Fellini era o filho mais velho do casal Urbano Fellini (caixeiro viajanete) e Ida Barbiani (dona de casa).
Os irmãos Riccardo e Federico na praia em Rímini
Ele iniciou a sua carreira no rádio e chamou a atenção dos profissionais do cinema e foi contratado como assistente do roteirista.
A atriz Guilietta Masina foi sua esposa durante 50 anos e se conheceram no rádio.
Guilietta Masina
O diretor Roberto Rossellini convida-o para trabalhar com ele no filme “Roma, Cidade Aberta” (1945).
Fellini trabalhou com este diretor por 5 anos e ganhou a experiência de trabalhar com cinema e entender a sua linguagem.
Federico Fellini
O filme, imagem ou não da realidade, documento ou ficção, intriga autêntica ou pura invenção é história segundo o professor francês Marc Ferro, aposentado da École dês Hautes Études Sciences Sociales, de Paris, que escreveu para o prólogo do livro “Cinematógrafo um olhar sobre a História”. (Nóvoa, 2009)
Por meio de uma abordagem simbólica, Fellini discutia o lugar do cinema e da sociedade italiana em seus filmes, onde a memória e a identidade também faziam parte da sua história.
Ao reconstruir seu passado nos filmes o cineasta podia vivê-lo novamente no presente e através da sétima arte.
Mas o que representa um filme de Fellini? Na realidade é acima de tudo uma brincadeira, ele dizia que a câmera de cinema é um excelente brinquedo. E nesse brincar o cineasta se divertia e pesquisava ao decompor as suas memórias de uma Itália que talvez exista somente em sua imaginação e entre o sonho e a ilusão.
O filme NINE além de revelar o que era o cinema italiano da década de 50/60, o personagem Guido Contini decide retratar a si mesmo. Como dizia Fellini: “Um criador deve sempre retratar a si próprio... Mesmo quando não sabe direito quem ele é.”
BIBLIOGRAFIA:
1) ALMEIDA, Euzita Cleide de. Lingerie, Moda e Sedução: Visão do Erotismo pela Publicidade. São Paulo: 2003. Dissertação de Mestrado defendida na ECA/USP.
2) CARLOS, Cássio Starling. Federico Fellini: a doce vida. São Paulo: Moderna, 2011 – coleção Folha Cine Europeu, vol. 1.
3) NÓVOA, Jorge et al. Cinematógrafo: um olhar sobre a história. São Paulo: Ed. da UNESP, 2009.
FICHA TÉCNICA
Diretor: Rob Marshall
Elenco: Daniel Day-Lewis, Penélope Cruz, Nicole Kidman, Judi Dench, Marion Cotillard, Sophia Loren, Kate Hudson, Fergie.
Roteiro: Michael Tolkin, Anthony Minghella
Ano: 2009
País: EUA
Gênero: Musical
PRÊMIOS
- Indicado ao Globo de Ouro de Melhor Filme (Musical/Comédia), Canção Original, Melhor Ator (Daniel Day-Lewis), Atriz (Marion Cotillard) e Atriz Coadjuvante (Penélope Cruz).
- Recebeu quatro indicações ao Oscar: Melhor Atriz Coadjuvante (Penélope Cruz), Melhor Direção de Arte, Melhor Figurino, Melhor Canção.
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