“O Pagador de Promessas” e a alegoria do feminino–análise fílmica

 

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O ator Leonardo Villar como o Zé do Burro

“O Pagador de Promessas” foi lançado em 1962, com direção e roteiro de Anselmo Duarte  e baseado na peça teatral de Dias Gomes. O filme é vencedor do prêmio “Palma de Ouro” no Festival de Cannes e também foi indicado para o Oscar de “Melhor Filme Estrangeiro”, em Hollywood, em 1963.

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Jornal do Brasil

 

A imagem do ator Leonardo Villar, que interpretou o Zé Burro carregando no ombro uma grande cruz de madeira foi captada na capa do jornal “Folha de São Paulo”, no dia 24 de maio de 1962 e também outros jornais e revistas.

 

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O ator nascido no interior de São Paulo ficou conhecido em todo o País.

 

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Leonardo Villar

 

 

O filme narra a história de Zé do Burro, um homem do campo, tímido, reservado e ingênuo, que tenta pagar uma promessa à Santa Bárbara, protetora contra os relâmpagos e as tempestades, junto a uma igreja de Salvador. Nicolau é o nome do burro que foi ferido na cabeça por um raio e o dono faz uma promessa à santa, na intenção de salvá-lo. O animal era tratado pelo dono, como se fosse uma pessoa da família. Depois que o animal se recuperou Zé do Burro foi a um terreiro de Candomblé para agradecer a proteção ao animal. Mas, ele achava que isso não era suficiente, que precisa ir à uma igreja para agradecer também.

 

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Rosa e Zé do Burro

 

Zé do Burro adotou uma enorme cruz de madeira e caminhou a pé até a Igreja de Santa Bárbara, em Salvador, para concretizar a sua promessa.

 

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Escadaria da catedral

 

De madrugada, Zé do Burro e a esposa chegaram nas escadarias da catedral, que estava com as suas portas fechadas. Ao descansarem eles foram abordados pelo Bonitão (Geral Del Rey),  que convidou o casal para passar uma noite em um quarto de hotel, sendo que ele mesmo pagaria pela hospedagem.

Zé do Burro não aceitou o convite porque não queria se afastar da cruz para ninguém roubar então sugeriu que a esposa acompanhasse o homem. Ele era casado com Rosa, interpretada pela atriz Glória Menezes.

 

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Zé do Burro e Rosa

Na manhã seguinte, o padre Olavo chegou e ouviu toda a história do Zé Burro, com muita atenção, sobre a sua missão de pagar a promessa. Quando é revelado ao sacerdote que, para cumprir a promessa para salvar Nicolau, o dono do animal passou num terreiro de Candomblé, imediatamente, o padre mudou de ideia e impediu que o homem entrasse na sua igreja com a sua cruz, com a justificativa de que Zé do Burro havia sucumbido à tentação do diabo, quando procurou a ajuda de Yançã, no terreiro.

 

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Padre Olavo (Dionísio Azevedo)

 

Zé Burro tentou convencê-lo de que Yançã e Santa Bárbara era tudo a mesma coisa. Mas ele não conseguiu convencer o padre.

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Zé do Burro enfrenta o padre

 

A população sertaneja estava comovida com a história do burro, mas em contrapartida, havia àqueles que queriam aproveitar da ingenuidade de Zé Burro de alguma maneira. Os praticantes do Candomblé queriam que ele se tornasse líder contra a discriminação da Igreja Católica.

 

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A vendedora de doces

 

Um jornalista publicou algumas matérias dizendo que o Zé do Burro ao ceder parte de suas terras aos pobres por causa de sua promessa, o jornal interpretou que ele era favorável à “reforma agrária”.

 

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Livro “O pagador de promessas”

 

A escadaria da igreja começou a ser lavada para a sua purificação e simboliza um espaço do sagrado quando se comemora a festa da santa, no dia 02 de fevereiro.

As bandeirolas vermelhas e brancas cobriram à todos que por lá presenciavam aquela conversa do pagador de promessas.

 

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Pagador comics

Quando as badaladas do sino da igreja são substituídas pelo som do berimbau, que enfeitiça como um canto de uma sereia e chama os capoeiristas para dançar numa espécie de luta corporal, o profano invade a escadaria, que volta a ser um palco de  ritual, na medida em que recebia os vendedores de frutas, o poeta que quer escrever os seus textos, etc. O som do instrumento se confrontou com o bater do sino da igreja, que badalava furioso, como um grito de desespero.

ENTRE O SAGRADOR E O PROFANO

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Zé do Burro e a sua cruz

A obsessão de Zé do Burro em cumprir a promessa foi para salvar a si mesmo. A meu ver, o personagem entendia que o animal era a sua extensão e caso ele morresse ele faleceria também. O pagador de promessas também não fazia discriminação de santo nenhum, ele dizia que “Yançã representava a Santa Bárbara, sendo tudo a mesma coisa”. Ele respeitava as diferentes práticas religiosas. Quando Zé do Burro finalmente pode entrar na igreja, quem o carrega é a sua própria cruz.

 

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Zé do Burro na cruz

 

Para o pesquisador Elíade, o limiar que sapara o sagrado do profano, apenas revela os modos de ser e de pensar diferente das pessoas, de dois mundos que precisam se comunicar. A importância da religiosidade para o homem moderno é desconsiderada atualmente na medida em que ele vive um processo de dessacralização dos espaços, onde se pratica a religião de cada um, sem colocar uma como mais importante que a outra.

O filme mostra  a questão religiosa no Brasil e o sincretismo, que faz parte da cultura popular nacional. Dias Gomes  em sua obra revela a intolerância e o preconceito da Igreja Católica, em “O padagor de promessas”.

 

Entre a santa e a prostituta

 

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Glória Menezes

 

A mulher do Zé do Burro confessou ao marido que desejava ir embora daquele lugar e queria que tudo aquilo se acabasse. O marido mostrou-se irredutível e não aceitou voltar para casa, sem cumprir a promessa. Enquanto o protagonista vivia a sua obsessão, a sua “fé cega”, ele não encontrava saídas para resolver a sua questão. Então, Rosa encontrou nos braços do Bonitão, um pouco de conforto e carinho. Ela não sabia o quanto o cafetão poderia usá-la para destruir o Zé Burro. Mesmo sendo esbofeteada pela mulher do pretendente, ela insiste nos encontros.

 

Rosa e o Bonitão

Rosa e Bonitão (Geraldo Del Rey)

 

A personagem Rosa quando estava ao lado do marido, ela era submissa, já ao lado do cafetão ela mostrava o seu lado mais selvagem, para revelar o direito às suas escolhas e desejos. A personagem e o encontro com o Bonitão simboliza o seu confronto com os medos e desejos que não conhecia e que invadiram o seu corpo, sem controle.

A sua autonomia era demonstrada na companhia do Bonitão que a seduzia, mas era ela que detinha o poder através do sexo. Como dizia Focault “sexo é poder”.  Rosa problematiza o seu papel de doméstica e de esposa, quando reconhece a força do seu lado feminino.

 

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Ao pesquisar o universo feminino dentro deste filme percebe-se que a narrativa é marcada por figuras masculinas, como o padre, a polícia e o próprio Zé do Burro. O papel feminino é totalmente passivo e decorativo.

 

O CINEMA NOVO NO BRASIL

 

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O Cinema Novo surgiu na década de 1960 e o movimento buscou estabelecer um cinema político, com o espírito revolucionário. O cinema tinha que ser novo no conteúdo e na forma, com a influência do Neo-realismo italiano.

A expressão Cinema Novo foi criada pelo jornalista e crítico de cinema Ely Azeredo, do jornal Tribuna da Imprensa, no começo dos anos 60.

Como qualquer outro cinema, independente de sua técnica, o cinema brasileiro desta época  precisava contar uma boa história e que possibilitasse entender o significado da narrativa no contexto político. Através da imagem que é a linguagem  do cinema, a forma de narrar enfatizava a preocupação do autor em mostrar os problemas enfrentados no Brasil, como a fome e a pobreza.

E em clima de otimismo e crença na mudança da sociedade, o objetivo deste cinema era também de buscar a identidade nacional.

 

Referência bibliográfica:

1) BRAVO – Retrato do artista de cinema – Ed. Abril, 2010.

2) CANDIDO, Antonio. A personagem de ficção. 12 ed. São Paulo: Perspectiva, 2011.

3) CIRLOT, Juan-Eduardo. Dicionário de Símbolos. São Paulo: Centauro, 2005.

4) NETO, Antônio Leão da Silva. Dicionário astros e estrelas do cinema Brasileiro. 2a. ed. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2010.

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