Análise fílmica “A caixa de Pandora”: o belo mal


 

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O filme A Caixa de Pandora (1929) se passa na cidade de Berlim, na década de 1920 e nos conta a história de Lulu. A protagonista é uma moça alegre e sensual e que trata os homens conforme seus caprichos.
Ela é amante do dono de um grande jornal, só que ele precisa dar a notícia a Lulu, que vai se casar com Charlotte, a filha do Ministro do Interior. Lulu ao receber a notícia do rompimento da relação ela descarta a ideia de deixarem de se encontrarem e faz uma cena.
 
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Dr. Schön e Lulu
 
 
O Dr. Schön tem um único filho chamado Alwa, que é um jovem dramaturgo e está escrevendo para um vaudeville. Alwa nutre uma paixão secreta por Lulu.
 
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Alwa
 
 
Certa vez Alwa fica a sós com o seu pai e pergunta por que não se casa com Lulu. O pai responde: “Um homem não se casa com este tipo de mulher, é suicídio”.
O dono do jornal ao ver os figurinos para o show de Alwa se entusiasma e pede que ele contrate Lulu, como dançarina do espetáculo. Ele garante o sucesso do evento com o auxílio financeiro e a divulgação no seu jornal. No dia da estréia, Lulu está belíssima, vestida com a sua fantasia desenhada pela amiga de Alwa. O Dr. Shön percorre o teatro e desfila com Charlotte para todos verem com quem ele vai se casar, ela será a sua futura esposa.
A dançarina ao ver Charlotte diz: “Não vou continuar. Danço para o mundo inteiro, mas não danço para ela” e aponta para Charlotte e depois sai correndo para o seu camarim.
O Dr. Shön vai ao camarim e ordena que ela se apresente no palco, mas Lulu está irredutível negando-se a entrar em cena. A moça deitada de costas, chora, desespera-se até que o Dr. Shön consegue fazer com que a dançarina mude de idéia.
 
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Lulu (Louise Brooks)

 
 
Neste instante, os dois são surpreendidos com a visita de Alwa e de Charlotte, que ao ver a cena desiste da relação com o empresário.
Depois da estréia do espetáculo organizado por Alwa, o Dr. Schön casa-se com Lulu e na festa todos se divertem.
 
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Lulu dançando com a figurinista do espetáculo
 
 
Alwa comunica a seu pai que está partindo para uma longa viagem. O pai não lhe dá a mínima atenção, ele sempre tratou o seu filho como um objeto, que moldava de acordo com seus interesses. Alwa tornou-se um homem fraco e submisso ao pai.
O Dr. Schön entra no quarto de Lulu e vê os dois numa cena íntima e fica enlouquecido de ciúmes e procura uma arma na gaveta. Com a arma na mão ele pede aos convidados para se retirarem e todos saem assustados, sem entender o que estava acontecendo.
 
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Dr. Schön
 
 
Depois ele volta ao quarto  e toca no ombro do filho e faz um alerta: “Vai perder o seu trem!”
Alwa levanta a cabeça do colo de Lulu e percebe o quanto o seu pai está transtornado de raiva e vai embora. O Dr. Schön revoltado com a conduta de Lulu entrega-lhe a arma e pede que ela se mate, justificando que seria a única maneira de salvar os dois. Lulu se recusa a pegar a arma e apavorada recebe o último beijo do marido. A arma dispara acertando o dono do jornal.
 
 
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Alwa retorna ao quarto quando ouve o disparo do revólver e vê seu pai, caído no sofá. O Dr. Schön lhe aconselha: “Cuidado Alwa, você será o próximo!”
Lulu é presa e acusada de ser a assassina do marido, a sua condenação será de cinco anos de prisão.


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Lulu no seu julgamento
 
 
As palavras do advogado de acusação são:
“Meritíssimo juiz, os deuses criaram uma mulher: Pandora. Ela era bela, sedutora e versada na arte do galanteio. Mas os deuses lhe confiaram uma caixa onde se encontravam todos os males do mundo. A insensata mulher abriu a caixa e o desastre caiu sobre nós! E eu a chamo de Pandora, pois foi através dela que todo mal caiu sobre o Dr. Schön. Nada mais a declarar. Peço a pena de morte”.
Nesse momento, Lulu ouvia tudo, com um véu negro cobrindo seu rosto, ela cambaleou e alguém a segurou para não cair. A sessão no Tribunal é interrompida, repentinamente, quando alguém lá fora grita: “Fogo!!!”
Todos os presentes no Tribunal saíram correndo, aturdidos, enquanto Lulu desaparece. O filme continua...




 

O cinema expressionista de Pabst

 
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Georg Wilheim Pabst (1885-1967)
 
 
O diretor George Wilheim Pabst no filme “A Caixa de Pandora” utilizou elementos que garantem a sutileza das cenas, como se o diretor quisesse um efeito psicológico da trama sugerindo que o público descubra sozinho os mistérios de seus personagens, como exemplo, a cena com a fumaça da pistola de Schön quando ele é atingido pelo disparo da arma.
O efeito psicológico no filme ocorre quando o diretor procura ângulos dramáticos para os seus personagens, mas é a montagem é que constrói a cena, segundo Pabst.
O diretor utiliza também a cor negra e suas variações, provocando mistério e dramaticidade, que é uma característica do cinema expressionista.
O cinema expressionista alemão (1907/1927) não vê, tem visões e principalmente, ignora a moderação e o limite, rompendo com o mundo organizado em suas formas, assumindo uma postura de revolta, com a acentuação dos efeitos dramáticos do uso intenso do negro, das sombras e da luz.
O movimento expressionista aliado à criatividade se espalhou nas artes, a partir da descoberta do inconsciente de Freud e também com a teoria dos sonhos.
O movimento expressionista dominou a cultura alemã em seus primeiros anos do século XX. No cinema prevalece a subjetividade, o psicológico, que é originário do pré-romantismo alemão, do final do século XVIII e que ficou conhecido como Sturm und Drang (tempestade e ímpeto). (Mascarello, 1996, p. 57)
O movimento artístico era contrário à verossimilhança e refletiu nas telas do cinema, com filmes que continham muito de “alucinações” e “visões”, de exagero das formas.
Segundo Ismail Xavier: “Ancorado na ideia de expressão como encarnação do espírito na matéria, tal cinema não discursa, nem sequer fotografa o real, ele tem visões”. (Xavier, 1984, p. 85)
O diretor soube construir a personagem Lulu com muita beleza, leveza e erotismo, encarnada pela atriz Louise Brooks, com seu sorriso e a sedução, que simboliza o arquétipo do feminino. O fascínio que Lulu transmite a todos, homens e mulheres.
 

Louise Brooks: a femme fatale do cinema mudo

 
 
 
Louise Brooks
 
 
 
A realização e a publicidade dos filmes sempre gravitavam em torno da estrela. As indústrias de cinema nos EUA desenvolveram a propaganda através da promoção do desejo, da aparência e do glamour, coisas que se perpetuaram até os nossos dias.. Hollywood investia na imagem da estrela de acordo com o star-system, que ajudava a controlar as atrizes mais populares e que refletia no crescimento dos negócios. Multidões de pessoas eram atraídas às salas de cinema para assistirem nas telas as estrelas, que transformaram-se em ícones eternos do cinema.
Mas a atriz era rebelde e não se submetia ao padrão de “boa moça” do star-system de Hollywood.
A protagonista Lulu do filme é inocente e também envolvente e criou-se um halo de ambiguidade em torno da atriz Louise Brooks, como uma femme fatale do cinema mudo e que ficou famosa por sua interpretação.

 

O cinema primitivo e a arte muda

 
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Louise Brooks
 
 
Segundo o comunicado do site do UOL, de 05/12/2013, mais de dois terços dos filmes mudos rodados nos Estados Unidos entre 1912 e 1929, incluindo alguns de Ernst Lubitsch e da atriz Clara Bow, se perderam - diz um informe publicado nesta quarta-feira (4) pela Biblioteca do Congresso norte-americano. O informe, tutelado pela Associação Nacional de Preservação do Filme (NFPB), indica que de 11.000 filmes de ficção realizados durante o período do cinema mudo, "somente 14% - ou seja, 1.575 títulos - ainda existem em seu formato original, 35mm". Quase 11% dos filmes só foram preservados em outros países, ou em formato diferente, de menor qualidade - em 28 ou 16 mm. O estudo intitulado "A sobrevivência dos filmes mudos norte-americanos: 1912-1929" teve a supervisão do historiador e arquivologista David Pierce. Os filmes mudos, relegados rapidamente ao ostracismo com a chegada do cinema falado, foram vítimas de sua fragilidade, já que a película de nitrato se queima rapidamente. Também sofreram com sua "falta de valor comercial e com um grande período de desinteresse tanto por parte de seus donos quanto por parte do público", afirmou Pierce. Entre os 3.311 filmes que restam, um em cada quatro foram encontrados em outros países e outros tantos foram repatriados. A maior coleção de filmes norte-americanos exportados está nos arquivos da República Checa, informou o estudo. Este informe é de um valor inestimável, posto que o cinema mudo é essencial para nossa cultura, segundo o diretor Martin Scorsese, que luta pela preservação dos filmes mudos. A modernidade trouxe o cinema como grande referencial para a cultura e para o entretenimento de massa. O cinema rapidamente revelou sua importância como um espetáculo de divertimento e conhecimento, bem como, acabou acarretando numa nova forma do espectador perceber o mundo e a si mesmo.

 

Articulações iconográficas e simbólicas do mito

de Pandora nas artes visuais e na literatura

 
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Neste artigo pretendo realizar uma conexão com a figura mítica de Pandora, com a personagem Lulu do filme “A caixa de Pandora”, de 1929, considerando a condenação da protagonista do filme baseado no mito grego, da tragédia de Hesíodo.
 
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O poeta Hesíodo
 
 
O poeta grego Hesíodo (séc. VII a.c.) da Grécia Antiga escreveu sobre o mito de Pandora e chamava-a de KALÓN KAKÓN (belo mal). (Panofsky, 2009, p. 62)
Ele mencionava o mito como “um mal formoso” e conta duas vezes o mito de Pandora; na sua obra Teogonia, mas não lhe dá nome e diz (590-93):
“Dela vem a raça das mulheres e do gênero feminino: dela vem a corrida mortal das mulheres que trazem problemas aos homens mortais entre os quais vivem, nunca companheiras na pobreza odiosa, mas apenas na riqueza”.
A tragédia grega surge no final do século VI a.C. e cada peça encenada encerra em si mesma uma mensagem, que tem a ver com o pensamento, o mundo e o homem trágico. O homem é visto e encenado como um enigma que nunca será decifrado. Para os gregos os mitos eram falados e os ritos eram entendidos em termos de ações. O mito existia no nível conceitual, das idéias, como uma religião. Enquanto o ritual era no nível da ação. (Ruthven, 210, p. 52)
A lenda de Pandora desapareceu na Idade Média e só retornou no período da Renascença. O interesse pela literatura grega atravessou o Renascimento e os franceses olhavam para os clássicos gregos e encontravam uma fonte de inspiração e de prazer estético, porque Pandora agradava a imaginação de escritores, artistas e poetas.
A personagem mítica era vista como uma benção e maldição ao mesmo tempo. E os escritores pretendiam familiarizar os leitores com a mitologia clássica fazendo uma conexão com o cenário inglês, como se os mitos fossem realidades vividas. (Ruthven, 2010, p. 62)
Segundo o historiador de arte Erwin Panofsky em sua obra “A caixa de Pandora: as transformações de um símbolo” (2009), a articulação do autor é iconológica e o símbolo mítico. A figura mitológica revivida no Renascimento foi a partir do refigurado, do transformado e com uma variedade de significados alegóricos. (Panofsky, 2009, p. 04)
Ele explica também a importância do estudo deste mito, porque essas duas dimensões iconográficas e simbólicas cristalizaram processos intrinsecamente sociais. O tema envolve a história de símbolos culturais em geral. (Panofsky, 2009, p. 12/23)
 

A lenda de Pandora

 
 
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Pandora sendo coroada pelas Horas

 
 
Conta a lenda de Hesíodo que Zeus não amava os homens, porque eles se tornaram orgulhosos e arrogantes. Por essa razão, o poderoso Deus decidiu eliminá-los da Terra e resolveu agir.
 
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Zeus – Salvador Dalí
 
 
Ao deparar-se com Prometeu, Zeus queria vingança pelo roubo do fogo. Primeiro quis punir a humanidade e ordenou a Hefesto (o forjador de ferramentas), que criasse uma linda mulher de barro, tão linda como uma deusa e que lhe desse a voz e movimento e enchesse seus olhos com o encantamento divino.
Hefesto chamou-a Pandora, que significa, todo, inteiro, completo; dom, presente, oferenda aos deuses. Assim nasceu Pandora, carregada de dons divinos e detentora de todos os bens. Outros deuses também participaram da criação da deusa da terra.
 
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Nascimento de Pandora
 
 
Dotada de encanto e beleza, Pandora poderia ter sido um esplêndido presente para a humanidade, se Zeus não pretendesse que ela fosse o oposto. Ele deu instruções secretas a seu filho Hermes (o mensageiro) que ensinou Pandora a falar com doçura e falsidade, dando-lhe um caráter dissimulado e traiçoeiro.
Depois, Zeus mandou-a para a Terra para que fosse oferecida como um presente para Epimeteu, irmão de Prometeu, que vivia na Terra entre os mortais.
 
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Epimeteu recebe Pandora


 
 
Os dois irmãos tinham poucas coisas em comum, Epimeteu não só era ingênuo como também fraco. Prometeu já o alertara muitas vezes para nunca aceitar presentes de Zeus, se não quisesse prejudicá-lo.
Epimeteu, diante da estonteante beleza de Pandora esqueceu o aviso do irmão e recebeu-a de braços abertos. Quando pensou na advertência de Prometeu, era tarde demais, pois já se casara com Pandora.
Zeus quando enviou Pandora, mandou também uma caixa contendo inúmeros males. E certo dia, Pandora abriu a caixa movida pela curiosidade, espalhando o seu conteúdo e de lá saíram: o Mal; a Fome; o Ódio; a Doença; a Vingança; a Loucura; e inúmeros outros males. A moça ficou horrorizada não sabia o que fazer, mas reuniu a pouca coragem que lhe restara, pegou a tampa e lacrou a caixa outra vez. Ao tampá-la, fechou em seu interior o único espírito que ainda não saíra daquela caixa: a esperança.
 
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Pandora – John William Waterhouse - 1896
 
 
Assim, tudo aconteceu exatamente como Zeus planejara, os males de todos os tipos se instalaram como uma peste nas vilas e cidades, flutuando como uma névoa escura.
Prometeu viu aquilo com uma angústia infinita, o coração cheio de dor. No entanto, Zeus com a sua ira, ainda reservava para os mortais algo muito pior e Prometeu seria forçado a ver a destruição da humanidade. O grande deus promoveu um grande dilúvio, um castigo divino onde todos morreram com exceção do casal Deucalião e Pirra. Os dois rogaram à Hera (esposa de Zeus), uma ajuda e a deusa veio prontamente socorrê-los. Depois de muito agradecer à deusa, eles construíram um altar em homenagem a Zeus e pediram que a Terra fosse repovoada novamente. O grande deus concordou.
Pandora é a consequência legal da vontade de Zeus, pela via da sedução do homem e de sua queda na banalização. A sua tragédia ocorre quando ela abre a tampa da caixa, sem saber o seu conteúdo, que simboliza os vícios.
Hesíodo criou Pandora com a “espiritualidade feminina” relegada às sombras. A mulher, no período matriarcal possuía o dom da intuição e de ver o que estava oculto. Mas, no período do patriarcado essa percepção não existia em Pandora, porque ela foi “fabricada” sem a consciência, para servir de instrumento do deus do Olimpo.
O psicólogo Paul Diel salienta que “Pandora é o símbolo da tentação perversa a que estão expostos os humanos. Pode ser também um símbolo da imaginação em seu aspecto irracional e desencadeante”. (apud Cirlot, 1984, p.443)
A imagem da deusa era de uma mulher bela e formada da terra e da água, seja por Prometeu, seja por Hefesto. Ela foi instigado por Zeus vingativo, de acordo com Hesíodo.
O grande Zeus ao enviar a caixa, metaforicamente simboliza a inveja do deus e sua própria intolerância com a humanidade.
Para Tomás de Aquino, o mito de Pandora não tipifica a destrutividade feminina ou imperfeição da mulher, porque Pandora transformou-se num conceito abstrato e filosófico. (Panofsky, 2009, p. 115)
Epimeteu simboliza o intelecto banalizado que se deixa guiar apenas pelos desejos do momento. Ele é a estupidez cega. Depois da abertura do vaso, Zeus mata Pandora porque ela não tinha mais serventia.
 
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Prometeu
 
 
A função do mito é de reconhecer uma história de transformações e superação de um herói. Prometeu, como ele sabia prever o futuro, ele já conhecia a sua tragédia que seria provocada pela ira de Zeus.
O herói foi amarrado com fortes correntes numa rocha, onde uma águia picava o seu fígado, eternamente. O roubo do fogo por Prometeu simboliza a inteligência, o logos é a consciência, que destaca o homem da sua natureza mais instintiva.
Já Prometeu no Cáucaso simboliza o orgulho, injustiçado, compulsão da neurose (repetição Freud). O fígado é a alma. A águia ela fere e também liberta. As correntes são símbolos da prisão do homem que não pode se libertar, segundo os deuses. Os deuses não querem ficar só. Os deuses exigem sacrifícios.
 


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A expressão a caixa de pandora já teve vários significados e sentidos, porque o imaginário é passível de transformações e redefinições que são visíveis na arte, no cinema, na publicidade, etc.
 

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Eva Prima Dona – Jean Cousin
 
Alguns artistas interpretam como vaso ou taça, como por exemplo, a Pandora do artista francês Jean Cousin, a figura mítica descansa o braço sobre uma caveira e segura com a mão um ramo de árvore fatídica fazendo uma referência à Ilíada de Homero, canto XXIV, que o artista conhecia. Enquanto a outra mão está sobre o “vaso do mal”. (Panofsky, 2009, 69)
Os vasos gregos são conhecidos não só para armazenar azeite, mantimentos, leite, água, etc
Mas também pelo equilíbrio de suas formas e harmonia entre os desenhos, as cores o espaço utilizado para a ornamentação. Além disso, eles serviam também para rituais religiosos.
 

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tipos de vasos gregos
 
 
O vaso grego, na verdade é uma grande jarra, que conservava alimentos e denominada pelo humanista Erasmo de Rotterdam como píthos.
No norte da Europa, o mito de Pandora ressurge de duas formas distintas na arte e na literatura, sendo que a arte estava subordinada à erudição surge o píthos (vaso em grego) dissociado da personagem mitológica.
 


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Vaso de Pandora

 
Lembrando que este vaso nunca pertenceu a Pandora, ela apenas trouxe do Olimpo, como um dote maléfico um presente de Zeus para vingar os homens.
A imagem de Pandora junto com a caixa surge pela 1ª. vez, com a pyxis (caixa pequena de metal com tampa). (Panofsky, 2009, p. 43)
Os historiadores de arte Dora e Erwin Panofsky defendem a ideia de que existe a possibilidade de Epimeteu ter abrindo a caixa e não Pandora.
 
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Obra de Giulio Bonason
 
 
A pesquisadora Jane Ellen Harrison que tem como objeto de estudo a cerâmica grega, ela sugere que Pandora está relacionada com a terra (kore) e a versão de Hesíodo é do período patriarcal, a partir do contexto da cosmogonia (estudo da origem dos deuses). Hesíodo teria invertido a significação original do mito, que é do período matriarcal, como Gaia e Deméter.
Pandora ao ser denominada como a “primeira mulher” a sua imagem transforma-se em algo secundário, como projeção do patriarcado. Ela seria uma figura complementar de Prometeu, como um castigo para a humanidade.

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Jules J. Lefebvre - 1882

 
 
Pandora na tradição medieval ficou conhecida como a 1ª. Mulher, a maldade em forma de beleza ou “belo mal”, ao abrir a caixa proibida. (Panofsky, 2009, p. 19)
A presença feminina na arte da Idade Média perpassa pela dicotomia entre o “carnal e o espiritual”, até o final do século XIV. (Beleza do Século, 2000, p. 36)
A tensão entre estes dois pólos inquieta as representações da mulher tanto na arte, como na literatura. Um exemplo é o caso da Virgem Maria, a figura bíblica, que se distingue de Eva, pela “pureza de sua carne” e pode ser bela, com seu corpo intacto e que é mãe de Jesus.
Eva marca o pecado original e sempre será condenável e condenada para sempre, considerando o Cristianismo dominado pelo poder monástico. A figura mítica simboliza a encarnação do mal absoluto e sua beleza é considerada a máscara do diabo e que vai reproduzir as mulheres até o fim dos tempos.
Cristo redimiu os pecados da humanidade que foram corrompidos pela 1ª. mulher, Eva. Toda iconografia da mulher neste período divide-se entre esses dois nomes.
Eva é a tentadora porque é bela. Ela também foi constituída por um deus. Ambas possuem uma beleza corruptora e levaram o homem à perdição. Elas não possuem consciência sobre os próprios atos.
A Eva não-decaída de Milton reinterpreta a paixão louca por si mesma, como o mito de Narciso. Portanto, ela era comparada a Pandora. (Ruthven, 2010, p. 60)
 
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Adão e Eva no Paraíso – Chagall - 1954
 
 
Portanto, conclui-se que, Maria e Eva são antagônicas, como o paraíso e o inferno. Desde então, a mulher é considerada a origem de todos os tormentos do homem, tanto na tradição grega, quanto na tradição judaico-cristã, como o mito de Eva, como uma questão simbólica.
A questão simbólica depende do contexto que o tema se apresenta, como por exemplo, na tradição cristã seria o Paraíso (o inconsciente), o consciente é a terra, o subconsciente seria o inferno e o supraconsciente é o Céu. (Diel, 2009, p. 233)
 
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Jardim do Éden


 
 
O artista possui a capacidade de utilizar a função simbólica e através do símbolo ele cria elementos intermediários sobre os quais deve basear a atividade do pensamento e que reflete em suas obras. O simbolismo na arte não é uma imitação da realidade. Exemplos: arte, linguagem, imagem, mito, etc.
Os artistas podem apresentar também as suas imagens como alegorias que são imagens que personificam de princípios morais, como as virtudes, os vícios, a glória, a justiça, a sabedoria, etc.
 


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A queda - Dürer
 
 
A alegoria possui uma didática moral como Cristo crucificado.
 
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Cristo amarelo - Gauguin


 
 
O historiador de arte Nicolas Fréret dizia que a fábula é o patrimônio das artes, ela é uma fonte inesgotável temas interessantes, como alegorias e símbolos. (Ruthven, 2010, p. 59)


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Pandora - Jules Joseph Lefebvre - 1872

 
 
Pandora simboliza apenas o que é o sublime ou o perverso, um aspecto do funcionamento psíquico e também enquanto mulher simboliza a terra, os desejos terrestres e sem a alma, sua significação é equivalente ao simbolismo da “morte da alma”. Ela representa a sedução banal criada por Zeus. (Diel, 1991, p. 226)
Para o artista francês Jacques Callot (1592-1635) a figura mítica apresenta duas versões, uma como uma dama e a conexão com a imagem “a criação de Pandora”. Na época era comum comparar Pandora a uma dama.
 
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Pandora - Jacques Callot
 
 
Já na imagem “Lúxúria”, do mesmo pintor, a deusa está toda enfeitada, como um sinônimo da lúxuria e da vaidade.
 
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Luxúria - Jacques Callot


Jacques Callot foi um desenhista e gravador a buril e água-forte francês. O artista tinha talento para imaginar posturas, fisionomias, trajes, cada qual mais extravagante que a outra alcançando assim um registro das figuras através de sua criatividade e imaginação, que contribuiu para que o mito de Pandora e os significados da narrativa mitológica fossem ampliados. A redução de um mito é fatal, pois destrói toda e qualquer aceitação e compreensão da figura mitológica.
O artista Rosso Fiorentino ou ruivo italiano (1494-1540) foi um pintor expoente do maneirismo, do século XVI. O movimento artístico ficou conhecido como um estilo italiano quinhentista que visava sobrepor-se através da emoção. Portanto, o artista apresenta Pandora no momento da abertura do vaso como um grande acontecimento, cuja cena é iluminada por uma grande explosão.
 
 
 
Pandora - Jean-Pierre Cortot
Pandora - Jean-Pierre Cortot
 
 
 
 
Já o escultor francês Jean-Pierre Cortot (1787-1843) transforma Pandora numa imagem fria de mármore.
Na Inglaterra, no século XVIII, o artista James Barry expõe várias figuras de Pandora na Exposição Real da Academia, em 1775 e hoje as obras deste artista encontram-se na Gallery de Manchester. (Panofsky, 2009, p. 90)


 
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Pandora



Para o filósofo grego Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) a mitologia é uma literatura ‘ deslocada’ , ou seja, as lendas referentes aos deuses na verdade são transmitidas pela literatura. Estruturalmente, a base comum da literatura e do mito é a metáfora, que é um mito condensado. (Ruthven, 2010, p. 73)
Desta forma, mito e literatura possuem o mesmo fascínio de uma oratória. (Ruthven, 2010, p. 73)
O poeta e ensaísta norte-americano John Crowe Ranson dizia que os mitos são conceitos nascidos das metáforas. (Ruthven, 2010, p. 49)
Ranson defendia uma crítica focada basicamente na obra literária, onde cada elemento se relaciona através de múltiplas tensões. Segundo o ensaísta a principal tarefa do obra literária deve ser o conhecimento profundo da estrutura da obra.
A diferença entre ambos é que o mito propõe imagens, enquanto a poesia, por exemplo, persiste na linguagem.
Os escritores e artistas se apropriam tanto das imagens míticas, quanto de suas lendas, considerando a sua atemporalidade.
No Iluminismo as discussões sobre as imagens mitológicas e seus paradigmas foram esquecidas e a partir das ciências naturais que foram ganhando terreno, no século XVII, a mitologia foi menosprezada. (Ruthven, 2010, p. 64)
Os mitos ficaram fracos mas não morrem, os artistas modernos, como os surrealistas usavam as figuras mitológicas em suas obras. Quem não conhece a imagem do Minotauro de Picasso? Como ler as obras clássicas sem o conhecimento mitológicos?
Para o antropólogo Lévi-Strauss a finalidade do mito é fornecer um modelo lógico capaz de vencer uma contradição. Por exemplo, o paraíso perdido seria uma metáfora do livre-arbítrio. (...) A função da repetição é tornar aparente a estrutura do mito. (Ruthven, 2010, p. 57)
Friedrich Schille dizia que a mitologia perdida deve ser recuperada pelas artes para sobreviver. (Ruthven, 2010, p. 80)
Heinrich Heine publicou em 1853, a sua obra “Os Deuses no Exílio”, depois de buscar nas lendas medievais os rastros dos deuses pagãos. (Ruthven, 2010, p. 81)
Os escritores se interessaram pela abordagem junquiana através dos velhos mitos, o âmbito emocional e psicológico.
O poeta inglês John Yeats num ensaio sobre “Magia”, de 1901, ele expressou a existência de uma Grande Memória, semelhante com a teoria do inconsciente coletivo de Jung. (Ruthven, 2010, p. 36)




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Na Psicologia de Carl Gustav Jung, os mitos aparecem por meio do inconsciente coletivo que é um substrato psíquico comum a todos nós. As nossas células nervosas permitem a nossa capacidade de fabricar estas imagens mitológicas, com o inconsciente coletivo que é universal.
O redescobrimento da mitologia como uma enciclopédia de tipos psicológicos proposto por Jung possibilitou o psicólogo a publicar em 1919, a sua obra “Tipos Psicológicos” . Por meio do inconsciente coletivo que Jung denominou de arquétipos.
 
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Zeus
 
 
Os mitos constituem um material privilegiado para demonstrar que a estrutura da linguagem de suas lendas são simbólicas ou metafóricas. As metáforas mitológicas podem ser aplicadas também na vida, no cotidiano. Através da linguagem dos símbolos que surgem nos mitos chega-se a um inconsciente coletivo, segundo Jung.
O mito de Pandora transformou-se em natureza psíquica, do inconsciente coletivo e não da cultura, portanto, o nosso inconsciente é atemporal.


 


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Louise Brooks
 
 
 
Na idade moderna os mitos no cinema não foram esquecidos. Em 1958, Orfeu foi encontrado são e salvo trabalhando como motorista de um bonde, na cidade do Rio de Janeiro, onde foi filmado por Marcel Camu (Orfeu negro).
A lenda de Frankenstein, criada pela escritora Mary Selley e continua sendo refilmado, como um “Prometeu Moderno”. (Ruthven, 2010, p. 89)
A lenda de Pandora transformou-se em ópera de Goethe, apesar do projeto nunca ter sido realizado.
No teatro ela aparece como a heroína de duas peças de Frank Wedekind (O Espírito da Terra e a Caixa de Pandora), que se baseou na tragédia de Hesíodo.
Na pós-modernidade constroem-se ídolos, mas eles não são eternos. Eles são criados na rapidez do momento e logo são substituídos pelos novos.
A tragédia grega mostra ao público que cabe ao homem fazer a sua escolha (e pagar pelas consequências), que o destino está em suas mãos. Zeus é apenas o administrador do destino, mas não é o seu criador.
O mito vai ser sempre uma metáfora da realidade social e que expressa expectativas humanas universais e relata uma explicação do mundo, sendo uma realidade profunda da nossa mente. O tema dos mitos é fundamental para a evolução não somente do homem mas também de toda humanidade.
 


Ficha técnica do filme:
Título: A Caixa de Pandora
Título original: Die Buchser der Pandora
Ano: 1929
Direção: Georg Wilhelm Pabst
País: Alemanha
Roteiro: Ladislaus Vajda, inspirado na peça escrita pelo dramaturgo alemão Frank Wedekind (1864-1918)
Atores: Louise Brooks (Lulu), Fritz Körtner (Dr. Peter Schön, um influente dono de jornal); Franz Lederer (Alwa Shön), Carl Goetz (Papa Schigolch, que atua como seu pai e cafetão), Kraff-Raschig (Rodrigo Quast, o acrobata), Alice Roberts (uma artista, figurinista e apaixonada por Lulu) e Gustav Diessl (Jack, o estripador)
 

Consulta dissertação de Mestrado:
Universidade Estadual Paulista – Instituto de Artes
Programa de Pós-graduação em Artes – Mestrado
Dissertação: A Caixa de Pandora: as deusas e o feminino no cinema
Autora: Rosângela Donizete Canassa
Ano da defesa: 2006
 

Referência bibliográfica:
1) CIRLOT, Juan-Eduardo. Dicionário de Símbolos. São Paulo: Centauro, 2005.
2) DIEL, Paul. O simbolismo na mitologia grega. São Paulo: Attar, 1991.
3) FAUX, d. s. et al. Beleza do século. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2000.
4) MAGALHÃES, Roberto Carvalho de. O grande livro da Mitologia: a mitologia clássica nas artes visuais. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007.
5) PANOFSKY, Erwin e Dora. A caixa de Pandora: as transformações de um símbolo mítico. São Paulo: Cia das Letras, 2009.
6) RUTHVEN, K K. O mito. São Paulo: Perspectiva, 2010.
7) SCHWAB, Gustav. As mais belas histórias da Antiguidade Clássica: os mitos da Grécia e de Roma. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.
8) XAVIER, I. A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Edições Graal/Embrafilme, 1983.


Sites consultados:
 
DVD – A caixa de Pandora - 1929

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