Análise do filme “Metrópolis”:

mitologia e tecnologia no cinema de Fritz Lang

 

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Maria

 

O filme Metrópolis lançado em 1927, com direção do austríaco Fritz Lang e roteiro de Thea von Harbou, sua esposa, é considerado o primeiro grande filme de ficção científica, do período do cinema mudo, com uma visão apocalíptica do futuro na terra.

O filme foi produzido pela estatal alemã UFA com um orçamento que pagaria 20 longas. Metrópolis inaugurou o gênero de ficção científica de grande orçamento e com efeitos especiais.

Em 2008 foram encontrados na Argentina 30 minutos de metragem adicionais deste clássico. O filme contém imagens de uma cidade futurista, que Lang criou e ele como era atento aos mínimos detalhes, o diretor apresentou as características do expressionismo alemão, como a combinação de cenários estilizados, inspirados no teatro da época, dramáticos ângulos de câmeras e sombras.

 

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Cidade de Metrópolis

 

 

O termo expressionismo foi usado no cinema e no teatro somente após 1918 e suas características estéticas no cinema são: uso recorrente de sombras, espelhos, ângulos dramáticos e com interpretações exacerbadas. A fotografia é com ênfase no claro-escuro.

A influência do Expressionismo é notável no filme com a criação do cenário inspirado nesta linguagem artística, que se tornara a tendência estética dominante nas artes germânicas, desde a I Guerra Mundial.

Lang soube explorar os efeitos de luz e sombra da arte expressionista e que são responsáveis pelo impacto visual do filme.

 

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A ponte elevada da cidade

 

 

O diretor recrutou 25 mil figurantes e criou os efeitos especiais para as cenas de dois mundos: a grande cidade de Metrópolis, com seus prédios góticos e onde vivem os ricos e a dos seus subterrâneos, onde se vê um grande relógio que marca sempre dez horas e que controla os trabalhadores, que moram neste “lado baixo” da cidade.

 

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Metrópolis

 

 

Segundo Luis Buñuel: “A cidade de Metrópolis pode sofrer um minucioso exame sem que se pareça um só instante com uma maquete”. Ele acrescenta: “Como cantam as máquinas em meio às admiráveis transparências, como arcos do triunfo de descargas elétricas!” (Coleção Folha Cine Europeu, 2011, p. 61)

A descontinuidade do filme, bem como, o cenário futurista, inspirou a produção dos seguintes filmes: Blade Runner - o caçador de androides, A Cidade das Sombras, O Quinto Elemento, Alphaville, Fuga de Los Angeles, Gattaca e a Gotham City de Batman.

Segundo o crítico Ebert, o que estes filmes têm em comum é um herói solitário que descobre as engrenagens internas da sociedade do futuro penetrando no sistema que controlaria a população. (Ebert, 2004, p. 333)

Metrópolis sem qualquer truque de efeitos digitais de hoje é considerado um dos filmes mais importantes de ficção científica, além da importância de sua estética visual também foi o pioneiro no uso do cinema como crítica social, incluindo o lado negativo do progresso e da ciência.

 

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Lang no set de filmagem

 

 

O filme ocorre no ano de 2026 e conta a história de Freder Fredersen, filho do magnata John Fredersen, o construtor da cidade. Certo dia, uma moça surge no Jardim Eterno (na cidade de cima) e eles se apaixonam à primeira vista. Ela desaparece e ele tenta encontrá-la para descobrir quem é ela. Maria subiu numa das torres da cidade, onde trabalhava como escrava para auxiliar quem morava lá em cima, que é a elite da cidade.

 

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Maria pregando aos trabalhadores

 

 

Os trabalhadores vivem em subterrâneos e veneram Maria, como santa. A expectativa dos operários é de que ela poderá salvá-los de alguma forma.

O filho do magnata se rebela contra esta situação que desconhecia até então e pede ao pai que deixe os trabalhadores livres.

 

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Gustav Fredersen (filho do magnata)

 

 

O Selo de Salomão que o filme revela na porta da casa do inventor é simbolizado por dois triângulos entrelaçados, de modo que representa a estrela de seis pontas, sendo uma metáfora do fogo (triângulo) e a água (triângulo invertido).

A estrela simboliza o microcosmo, a potência anímica do indivíduo que possui uma abnegação sem reservas. O símbolo também representa o consciente e o inconsciente em conjunção com a alma humana. (Cirlot, 2005, p. 516)

 

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O mentor (John Fredersen)

 

 

O magnata fica sabendo da mulher e o que ela faz ao pregar para aos trabalhadores. O cientista Rotwang é convocado para criar um robô feminóide com o objetivo de difamar a Maria. Assim, ela ficaria desacreditada diante dos operários. Fredersen diz: “Eu quero que você visite-os nas profundezas, a fim de destruir o trabalho da mulher, cuja imagem foi criada”.

Enquanto isso, Maria conta a lenda da Torre de Babel e diz que um mediador poderá salvá-los.

 

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Torre de Babel

 

 

Os operários simbolicamente são “as mãos”, enquanto que o cérebro é do poderoso empresário, que usa a tecnologia futurística para manter a cidade. John Frederen simboliza o poder, a perfeição, como se fosse um deus. Ele propunha um sistema social com modelo político autoritário aliado a dominação tecnológica.

Seu único filho pode ser o mediador entre estas duas forças. Enquanto isso, o trabalhador não tem outra escolha e deve trabalhar 10 horas por dia, considerando que o acesso ao "degrau de cima" parece impossível, porque não existe ali a mobilidade social. Como consequência eles sofrem de um entorpecimento mental e perde a sua identidade.

 

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Fredersen, o cientista e a robô

 

 

O inventor sequestra Maria e constrói uma cópia má da protagonista. Rotwang com a sua mão direita mecânica substitui o que ele perdeu durante uma de suas experiências e simboliza que o inventor também é um operário de John Fredersen. A mão artificial de Rotwang recebeu homenagem em Doutor Fantástico. (Ebert, 2004, p. 333)

 

O duplo fantasmagórico de Maria

O laboratório de Rotwang criou o visual dos cientistas malucos para as décadas que se seguiram, especialmente depois que ele foi reproduzido em A noiva de Frankenstein (1935).

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A alma de Maria sendo transportada para a robô

 

 

A criação de Rotwang é a lasciva robotrix, que é solta na cidade e provoca uma violenta rebelião. Ela usa o seu corpo numa dança erótica e enlouquece os homens e como consequência acaba provocando um alagamento na cidade, o que permite a Lang a aproveitar o máximo de seus enormes cenários explodindo e/ou inundando-os.

 

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O público de Maria Robô

 

 

A femme fatale de metal foi criada em laboratório e percebe-se no filme, como a mulher tem dois papéis distintos perante a sociedade de Metrópolis, ou ela era pura ou era uma mulher perversa e lasciva. A figura da robô implementa nas mulheres o sinônimo de desejo e também como objeto de experimentos.

O uso do estereótipo feminino da imagem de mulher angelical e a imagem da femme fatale, que usa o seu corpo para conseguir obter os seus desejos sejam eles quais forem, também compõe o imaginário daquela sociedade dos anos 20.

A invenção da "falsa Maria", o robô lembra um ser humano, inspirou os replicantes de Blade Runner.

 

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Robô de Maria

 

 

Freder e a verdadeira Maria salvam as crianças da inundação na cidade das máquinas. Os pais destas crianças parecerem estarem hipnotizados e estão sob o comando da robotrix. Quando eles descobrem que a falsa Maria é um robô eles a queimam em praça pública.

 

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Maria tentando salvar as crianças da inundação

 

 

Maria (angelical e salvadora) que cuida das crianças e dos desvalidos representa a "mãe" que todos os trabalhadores desejavam num momento sem esperança.

A população da cidade só se reconcilia com o magnata, quando Maria decreta que o coração (Freder) precisa ser o mediador entre o cérebro (o pai) e as mãos (os trabalhadores). (Schineider, 2008, p. 56)

 

Os mitos explicam o filme

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Deus Moloch

 

 

A figura de Moloch, o deus Touro do Sol, que pune os operários que não querem trabalhar, por puro cansaço ou em consequência das tarefas puramente mecânicas no mundo das máquinas é similar ao mito de Baal Moloch.

 

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Baal Moloch em Metropolis

 

 

O mito foi concebido em forma de boi ou de homem com cabeça de touro. Ele simboliza o sacrifício, a abnegação que é superada pelo filho Sol. (Cirlot, 2005, p. 576)

Aqui se pode observar que existe a hipótese de que o próprio John Fredersen, que pune seus empregados com a morte pode ser vencido pelo próprio filho, como conta o mito.

No sentido exotérico o touro simboliza o mundo denso ou material, através do qual se produzem os movimentos involutivo e evolutivo do espírito. (Cirlot, 2005, p. 112)

O robô encarna o movimento involutivo e Maria simboliza o espírito evoluído.

 

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Maria e sua cópia

 

 

O filme evoca outro mito que é da Babilônia, cuja imagem é da existência caída e corrompida; o reverso seria a cidade de Jerusalém, um paraíso na terra. A andróide em um dos seus shows faz o papel da prostituta da Babilônia, do livro de Apocalipse. A mulher está vestida de púrpura e escarlate, com um cálice de ouro na mão. Ela é sustentada pelos sete pecados capitais.

 

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A prostituta da Babilônia

 

 

O vídeo Express Yourself, de Madona se inspirou no filme Metrópolis. A cantora também aparece em Material Gir outra referência à prostituta da Babilônia.

 

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A cantora Christina Aguilera, com a música Not Myself Tonigh se inspirou no vídeo da Madonna. O filme inspirou também Freddie Mercury com o rosto de Maria, em Radio Gaga. Já Lady Gaga em Dave Lachapelle, cuja foto é fortemente inspirada no filme.

 

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Freddie Mercury

 

 

A revista Vogue também lembra o filme, sendo que o tema da capa da revista faz referência ao filme de ficção científica.

 

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Capa da revista VOGUE

 

 

O modo como Lang representa as mulheres neste filme é do duplo, sendo que a robotrix com a sua exuberante sexualidade é uma mistura de tecnologia com a mitologia.

O cineasta encontra uma equação de muito mistério e também de ameaça, como a mulher perigosa.

As mulheres são guerreiras, mas são modestas na maneira de vestir, como a própria Maria.

 

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Maria

 

 

Já a androide, sendo sua cópia é mais ousada, se veste de modo provocante com decotes e um olhar de mulher com segundas intenções, como ela fosse um pirata, de um olho só.

 

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A androide com um olho fechado e um sorriso demoníaco

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Figurino da personagem da robô também inspirou o filme Star Wars

 

 

A moda sintetizou a década de 20, com roupas com muito brilho, plumas e paetês. Talvez fosse a recompensa que todos precisavam depois da escassez da I Guerra Mundial.

 

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Roupas com brilho lembram a moda da década de 20

 

 

A atriz alemã Brigitte Helm (1906-1996) protagoniza dois papéis no filme, o da Maria e da robô. A atriz conseguiu ultrapassar a fase do cinema mudo para o cinema falado na Alemanha. O star system alemão tinha ainda a marquesa Asta Nielsen e Pola Negri que encenavam comédias e dramas de Ernest Lubitsch.

 

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Brigitte Helm

 

 

Nascido em 1890, Fritz Lang ingressou no cinema na Alemanha em 1916. Christian Anton Lang queria ser arquiteto. Mas após a I Guerra Mundial, o cineasta marcou suas imagens inspiradas no Expressionismo Alemão, primeiro como roteirista e depois como diretor.

Ele fugiu do nazismo, abandonando a esposa e seguiu para Hollywood, em 1935, onde fez muito sucesso com o rigor visual, com seu conhecimento de pintura e arquitetura.

Ele aproveitou sua viagem aos EUA, nos anos de 1920 e o cineasta ficou impressionado com a arquitetura e os grandes edifícios de Nova Iorque. Ele logo imaginou criar um filme de ficção científica que propusesse uma reflexão sobre as forças que movem a sociedade. Assim nasceu Metrópolis.

 

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O cineasta Fritz Lang

 

 

Os filmes de Lang nunca foram políticos no sentido panfletário, mas simplesmente obras de teor crítico, que denotavam um olhar atento às transformações sociais. (Coleção Cinema Europeu, 2011, p. 27)

Lang morreu em Los Angeles, no dia 02 de agosto de 1976.

 

Ficha técnica do filme:

Título: Metrópolis

Direção: Fritz Lang

Roteiro: Thea Von Harbou

Produção: Erich Pommer

Ano da produção: 1927

País: Alemanha

Elenco:

Alfred Abel (John Frederson)

Maria (Brigitte Helm)

Gustav Fröhlich (Freder)

Rudolf Klein-Rogge (Rotwang)

Theodor Loos (Josaphat)

Música: Gottfried Hupperstz

Figurino: Aenne Wilkomm e Hermann Kauffmann

Duração: 153 minutos

Referência bibliográfica:

1) CIRLOT, Juan-Eduardo. Dicionário de símbolos. São Paulo: Centauro, 2005.

2) Ebert, Roger. A magia do cinema: os 100 melhores filmes de todos os tempos analisados pelo único crítico ganhador do Prêmio Pulitzer. Rio de Janeiro, Ediouro, 2004.

3) OLIVEIRA JUNIOR, Luiz Carlos. Fritz Lang: Metropolis. São Paulo, Moderna, 2011 (Coleção Folha cine europeu: 19)

DVD – Metrópolis – Alemanha – 1927 – direção de Fritz Lang

Imagens extraídas dos livros:

4) PRETTE, Maria Carla. Para entender a arte. São Paulo: Globo, 2008.

5) SCHNEIDER, Steven Jay. 1001 filmes para ver antes de morrer. Rio de Janeiro, Sextante, 2008.

a) LANDIS, Deborah Nadoolman. Dressed: a century of Hollywood costume design. New York: Collins, 2007.

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