NO TEMPO DAS DILIGÊNCIAS E A MONTAGEM: O FAROESTE DE JOHN FORD
Neste período os filmes de faroeste americano eram voltados para o público masculino e com características do consumo e do descartável, até o filme de Ford chegar até as telas e fazer grande sucesso. O filme No tempo das diligências trata-se de uma viagem de uma diligência, que é uma carruagem puxada a cavalos e que servia para transportar passageiros.
No filme as pessoas de várias classes sociais dividem o pequeno espaço da carruagem. Eles têm que enfrentar os ataques dos apaches e vê suas vidas em perigo mas Ringo, interpretado John Wayne, é o herói que chega para salvá-los dos índios, numa paisagem do Monument Valley, que é chamada também de “As quatro esquinas”.
Além das paisagens com a natureza despontando entre rochedos, as personagens de Ford pertencem a uma mitologia, onde os personagens e sua grandeza ganham destaque neste filme. Os atores: Louise Platt, Thomas Mitchell, John Carradine, Andy Devine e Donald Meek brilham em suas interpretações. A atriz Claire Trevor interpretou magnificamente a prostituta Dallas.
O ator John Wayne tornou-se uma estrela de Hollywood após este filme, que fez sucesso, tanto quanto a parceria formada pelo ator e o diretor.
John Ford e John Wayne
O filme cinematográfico é sempre dividido num grande número de partes separadas. O roteiro de filmagem também é dividido em sequências, que por sua vez, também é dividido em cenas e finalmente estas cenas são construídas a partir de planos filmados de diversos ângulos.
O objetivo é mostrar o desenvolvimento de cada cena e solicitar a atenção do espectador para trabalhar com as suas emoções. O efeito é realizado por meio da montagem das cenas quando a atenção do espectador for transferida corretamente de cena para cena.
Segundo o crítico Ismail Xavier existe uma lei da psicologia que afirma que uma determinada ação pode-se provocar uma emoção correspondente. (Xavier, 1983, p. 62)
O filme No tempo das diligências pertence ao período clássico do cinema de Hollywood onde o tempo é útil, ou seja, tudo é relevante e a câmera narra, através do olhar do diretor.
Claire Trevor e John Wayne
A estrutura do filme é formal e é divida ordenadamente em oito episódios, sendo que, quatro cenas de ação se alternam com as quatro cenas de interação das personagens. A finalidade deste tipo de organização das cenas tem a finalidade de provocar o efeito hipnótico, ou seja, nada pode atrapalhar a experiência fílmica do espectador. Segundo o crítico André Bazin ele explica quanto a montagem:
Quanto à montagem, proveniente, como se sabe, principalmente das obras-primas de Griffith, André Malraux dizia, em Esquisse d´une pshychologie du cinéma [Esboço de uma psicologia do cinema], que ela constituía o nascimento do filme como arte: o que o distingue realmente da simples fotografia animada, faz dele, enfim, uma linguagem. A utilização da montagem pode ser “invisível”; é o caso frequente no filme americano clássico anterior à guerra. O único objetivo da divisão em planos é analisar o acontecimento segundo a lógica matemática ou dramática da cena. É sua lógica que faz com que essa análise passe despercebida; a mente do espectador adota naturalmente os pontos de vista que o diretor lhe propõe, pois são justificados pela geografia da ação ou pelo deslocamento do interesse dramático. (Bazin, 2014, pág. 96)
Desta forma, este tipo de montagem com a divisão das cenas com base no interesse dramático é que dava o tom e sugeria a ocorrência da identificação e projeção no espectador em relação ao filme de Ford. Bazin explica que:
No tempo do cinema mudo, a montagem evocava o que o realizador queria dizer; em 1938, a decupagem descrevia; hoje, enfim, podemos dizer que o diretor escreve diretamente em cinema. A imagem e a sua estrutura plástica, sua organização no tempo, apoiando-se em um maior realismo, dispõe assim de muito mais meios para redirecionar e modificar de dentro a realidade (...) Se o essencial da arte cinematográfica consiste em tudo o que a plástica e a montagem podem acrescentar a uma realidade dada, a arte muda é uma arte completa.
A decupagem "invisível”, segundo Bazin, não dá conta de todas as possibilidades da montagem e ele diz que, em contrapartida, elas podem ser perfeitamente apreendidas em três procedimentos conhecidos geralmente pelo nome de "montagem paralela", "montagem acelerada" e "montagem de atrações".
Claire Trevor, John Carradine e John Wayne
A montagem é um dos instrumentos de efeito mais significativos ao alcance do técnico e por extensão, também do roteirista. (Xavier, p. 58)
O diretor John Ford
Segundo Bazin: “O sentido não está na imagem, ele é sua sombra projetada pela montagem, no plano de consciência do espectador”. (Bazin, 2014, pág. 96)
Lucy (Louise Platt)
Analisando a realidade, a montagem supunha, por sua própria natureza, a unidade de sentido do acontecimento dramático. Sem dúvida, outro encaminhamento analítico seria possível, mas então teria sido outro filme.
Em suma, a montagem se opõe essencialmente e por natureza à expressão da ambiguidade, segundo Bazin. O cineasta é somente o concorrente do pintor e do dramaturgo, mas se iguala enfim ao romancista. (Bazin, 2014, Pág. 112)
John Ford foi o diretor que seguiu a linha clássica no cinema de Hollywood e deixou a sua marca em outros cineastas. Ele teve êxito em seus filmes como No tempo das diligências, ao montar o filme com a própria câmera. A intenção do diretor era evitar que os estúdios fizessem a montagem e destruísse a forma de continuidade que ele gostaria de mostrar e provocar o espectador.
Outros elementos que compõem a sua estrutura cinematográfica, além da montagem seria o aspecto plástico da imagem, que Bazin explica:
No cinema de 1920 a 1940 duas grandes tendências opostas: os diretores que acreditam na imagem e os que acreditam na realidade. (...) Por “imagem", entendo de modo bem amplo, tudo aquilo que a representação na tela pode acrescentar à coisa representada. Essa contribuição é complexa, mas podemos reduzi-la essencialmente a dois grupos de fatos: a plástica da imagem e os recursos da montagem (que não é outra coisa senão a organização das imagens no tempo). No tópico “plástica” da imagem devemos incluir o estilo do cenário e da maquiagem, que de certo modo até mesmo o da interpretação, aos quais se acrescentam, naturalmente, a iluminação e, por fim o enquadramento que fecha a composição. (Bazin, 2014, pág. 96)
O Monument Valley
o espaço cênico de John Ford
Quanto ao som, o primeiro western de Ford sonorizado No tempo das diligências, segundo Bazin:
O som só poderia, no máximo, desempenhar um papel subordinado e complementar: como contraponto à imagem visual. Mas esse possível enriquecimento, que no melhor dos casos só poderia ser menor, corre o risco de não ter muito peso no preço do lastro de realidade suplementar introduzido ao mesmo tempo pelo som como ocorre no western (No tempo das diligências [Stagecoach de John Ford, 1939]) (Bazin, 2014, pág. 99/100)
O cinema clássico de Hollywood dispunha de todo um arsenal de procedimentos para impor aos espectadores sua interpretação do acontecimento representado.
O FIGURINO DO CAUBÓI: O JEANS A PEÇA FAVORITA
John Wayne e o seu figurino
No tempo das diligências, o personagem Ringo veste jeans com a boca da calça enrolada por fora das botas. Ele também usa suspensórios do tipo militar e um lenço em torno de seu pescoço, que completa o look do caubói. O ator faria deste “uniforme” a sua marca registrada.
Em 1938 havia dois estilos distintos de vestuários empregados nos filmes de faroeste, sendo que, um era originalmente derivado das exuberantes roupagens usadas por figuras na vida real e no oeste americano. (Buscombe, 1996, p. 09)
As jaquetas com pele de veado com franjas, botas de cano alto e cabelos pela altura dos ombros retratavam os caubóis. O estilo alcançou o auge na década de 20 com Tom Mix, cujos trajes eram cheios de floreios, que passaria a ser o figurino adotado pelos cantores-caubóis do final dos anos 30.
O ator Tom Mix
O cinema foi importante na disseminação do jeans e até os anos 30, o tecido feito de denim era peça exclusiva do guarda-roupa masculino. A primeira cena de mulheres chiques usando denim surge no filme A mulher (George Cukor,1939).
As roupas e penteados das mulheres eram semelhantes à moda da época que o filme retrata, conforme Thelma Courtermarsh do departamento de guarda-roupas do estúdio Walter Wanger onde o filme No tempo das diligências foi concluído.
Claire Trevor
Na diligência de Ford formam-se alianças, mas também se desenvolveram algumas rivalidades.
As vidas dos personagens que entraram naquela carruagem com certeza não foram mais as mesmas quando chegaram ao seu destino, a cidade de Lordsburg, no Novo México.
O filme de Ford mostra a beleza do deserto do Monument Valley que ficou famoso por causa de seus filmes, mas fica a pergunta: “Era o oeste como realmente era?”
O cineasta criou o filme do velho oeste em homenagem ao ator Tom Mix que faleceu de um acidente de automóvel em 1940.
Podemos observar que o trabalho de Ford neste filme preocupou-se não tanto com os acontecimentos em si, mas os efeitos sobre as emoções dos personagens para que o espectador pudesse “entrar” naquela diligência. Segundo Bazin o filme é o equilíbrio perfeito do social e do psicológico.
O filme baseado no conto A diligência para Lordsburg de Ernest Haycox é o exemplo clássico de Hollywood e a sua estética amadurecida.
Na comemoração dos 50 anos do filme em 1989, o Serviço Postal Americano imprimiu Nos tempos das diligências num selo junto com O mágico de Oz e E vento levou.
Ficha técnica:
Título original: Stagecoach
Título no Brasil: No tempo das Diligências
Direção: John Ford
Ano: 1939
País: EUA
Gênero: western
Fotografia: Bert Glennon
Atores principais: John Wayne, Claire Trevor, Thomas Mitchell, John Carradine e Luise Platt.
Referência bibliográfica:
1-BAZIN, André. O que é cinema? São Paulo: Cosac Naify, 2014.
2-BUSCOMBE, Edward. No tempo das diligências. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.
3-XAVIER. Ismail. A experiência do cinema: antologia. Rio de Janeiro: Edições Graal:Embrafilmes, 1983.
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