A transição Pós-Franco e o cinema político de Carlos Saura na Espanha
A Espanha depois de 39 anos de ditadura e com a morte de
Francisco Franco, no dia 20 de novembro de 1975, iniciou um movimento de
ruptura com o passado.
O período de Transição ocorreu a partir de 28/10/82 com a
realização das eleições democráticas e a comemoração das primeiras eleições
depois do golpe de estado em 23 de fevereiro de 1981.
O reconhecimento da liberdade de expressão (Real Decreto-Lei
24/77 de 1 de abril) o cinema espanhol viveu, entre 1977 e 1980, uma fase de
grande politização, que nos remeteu, sobretudo, a discursos sobre a própria
identidade.
A ditadura de Francisco Franco (1936-1975) havido privado o
cinema como instrumento de recuperação da memória histórica. O passado era
filtrado numa espécie de censura e desde os novos códigos políticos do presente
e os temas mais frequentes foram a Guerra Civil, o franquismo e a figura do
próprio Francisco Franco.
A mudança social e política na Espanha fez com que o cinema
fosse um instrumento de denúncia e era chamado de cinema metafórico. A relação
com os filmes da época não havia nada abertamente político; o fundo era
político, mas raramente a política era mencionada.
Desta maneira de entender o cinema como um suporte de
comunicação se destacou Carlos Saura (1932-2023) que foi produtor e diretor, respectivamente
e pela primeira vez, em La caza (Carlos Saura, 1966), cujo um filme três amigos
se unem, depois de anos para caçar em um cerrado na localidade de Seseña
(Toledo/Espanha).
Linha de frente durante a Guerra Civil Espanhola,
acompanhados de um jovem de 20 anos, Enrique. Durante a jornada surgem os
enfrentamentos entre os caçadores, que estão atravessando momentos difíceis e
entendem que não é possível, depois do vivido, recuperar o passado. Apesar de
ser uma película filmada nos anos 1960 se antecipa ao cinema dos anos de 1970 e
por isso se transforma no melhor reflexo de uma sociedade em transformação que
começa a olhar o passado, mesmo que seja de soslaio.
As críticas ao sistema imposto era realizado através de
alusões visuais e cenários carregados de simbolismo, chamado de cinema
metafórico da Transição. Herdeiro dos diretores Luis García Berlanga e Juan
Antonio Bardem.
A sua filmografia tinha como objeto fugir da censura durante
o franquismo e pretendia adaptar a linguagem cinematográfica a fins
políticos. O cineasta teve a infância
marcada de 2ª. Guerra Mundial e a ditadura de Francisco Franco na Espanha, que
influenciou o seu cinema para criar uma linguagem num estilo transgressor e
libertário.
O cinema de Saura leva o espectador a diferentes níveis de
leitura, que se liga a uma sólida estrutura narrativa: uma mais naturalista,
através do estudo da psicologia dos personagens e outra metafórica através de
contínuas alusões à situação política e social da Espanha do momento (como o
recorrer ao Sol e ao calor, que surgem como personagens e que encarnam a figura
do franquismo e a pressão política, respectivamente) e são constantes as
referências ameaçadas, já que os censores tinham proibido que se nomeasse de
maneira explícita, à guerra de 1936.
O ato de caçar e a violência gira em torno dessa atividade e
faz referência direta ao enfrentamento fratricida vivido no país durante a
ditadura. Essa estrutura mostra, de maneira oculta, a mensagem pretendida pelo
diretor que dizia: “Eu, em meu cinema, uso determinados componentes políticos
um pouco como reflexão do que eu vejo em minha vida todos os dias, sendo um em
elemento básico, fundamental, um pano de fundo sempre presente, entre outras
coisas porque é minha vida, porque estou na Espanha de 1974”.
Então, é impossível não fazer um cinema político, como o é
não fazer um cinema humano, ou é impossível não fazer um cinema de sentimentos,
ou é impossível fazer um cinema sem imagens. Em seu cinema, o político está
como fundo, gravitando em segundo plano sobre os personagens.
Segundo o cineasta, o que sucede, e pode ser que seja muito
otimista ou muito ingênuo, é que ele ao fazer cinema, ele reflete uma série de
problemas, porque interessa a ele
profundamente.
A consagração definitiva do diretor ocorreu com a produção do
filme Cria Cuervos (1976), que pode ser considerado a sua obra síntese e está
presente a revolta contra a ditadura espanhola e a expressão estética, que
mistura densidade psicológica com fantasia freudiana.
O filme Mamãe faz cem anos (1979) foi produzido pelo cineasta
e surge livre da sombra de Franco, a família do filme se reúne para festejar o
centenário da matriarca, que na verdade é uma homenagem a pátria, a Espanha,
que renasce do passado sofrido e decadente.
Carlos Saura e Pedro Almodóvar são dois diretores de
reconhecimento internacional e têm em comum os traumas que o povo da Espanha
enfrentou com a ditadura, bem como, o amor pela nação. Os filmes de ambos
combinam com a denúncia da política da repressão e com os fantasmas da infância.
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