Análise do filme “Crash”: o cotidiano e o assalto das nossas emoções

MAT DILLON E THANDIE NEWTON




O filme Crasch foi baseado na história verídica do diretor, Paul Haggis, que sofreu um assalto, à mão armada, em 1991, em Los Angeles.
O episódio nunca saiu de sua cabeça assim ele resolveu escrever o filme com o tema. Em inglês, crash significa colisão.
O diretor recebeu as seguintes premiações para o Oscar de 2006: melhor direção (Paul Haggis), melhor ator coadjuvante (Mat Dillon) e canção original (In The Deep).
O filme narra várias histórias cujo enfoque são os efeitos colaterais dos imigrantes que moram na cidade de Los Angeles. Crash é politicamente correto e trata-se das tensões raciais, numa noite qualquer, em Los Angeles.
Cada indivíduo carregado de ódio e de ressentimento destila estes sentimentos sombrios nos outros, num cotidiano árido e difícil. As relações entre os personagens relevam os preconceitos explícitos entre estes cidadãos de L.A. Com dinheiro ou sem dinheiro, as pessoas de diferentes etnias, não conseguem viver em paz, porque não conhecem a tolerância e o respeito pelo outro, só porque são diferentes, de outra nacionalidade, religião, opção sexual, etc.
A personagem Jean Cabot (Sandra Bullock) é uma mulher rica, mimada e preconceituosa em relação aos latinos, porque ela acredita que todo latino tem más intenções.


SANDRA BULLOCK




Jean é esposa do ambicioso promotor público chamado Rick (Brendan Fraser). O casal tem seu carro de luxo roubado por dois assaltantes negros, que fogem com o carro e acabam atropelando um chinês que atravessava a rua.
A relação do casal é difícil, mesclada pela rivalidade e competição, onde cada um quer que o seu desejo prevaleça, sem considerar o desejo do outro, evidenciando que até entre os casais, as diferenças existem. É um minúsculo exemplo do que acontece com o coletivo, como a cidade grande.


BRENDAN FRASER




O detetive Graham (Don Cheadle) vive atormentado com sua mãe que é viciada em drogas e o irmão está envolvido com ladrões de carros. Ele comenta sobre o sentido do tato: “Em Los Angeles ninguém toca você. Só sentimos o toque do vidro e do metal, talvez seja por isso que batemos tanto! Só para tocar!”


DON CHEADLE




Cameron (Terrence Howard), um executivo de Hollywood é negro e depois de um incidente com policiais e de sofrer um assaltado realizado por outro negro, ele começa a questionar o sentido de sua própria vida.


TERRENCE HOWARD




O oficial Ryan (Mat Dillon) alterna a sua figura de herói generoso com a arrogância, quando fica estressado com a doença de seu pai.
Depois de salvar uma vítima de um acidente de carro, ele surge como um herói simpático. É a dualidade humana, não somos só puros, temos a generosidade e também a arrogância.


MAT DILLON




As pesquisas também revelam que concepções culturais contribuíram para moldar a experiência subjetiva das emoções. As condições socioculturais marcam o trato com as emoções que podem ser tudo, menos reações biológicas.
Não importa a cor da pele ou a textura do cabelo do indivíduo, como por exemplo, o iraniano que tem a pele mais escura será confundido com o negro. O latino será tratado da mesma forma que os índios. E assim, o americano do filme Crash rotula o diferente, o imigrante. Só porque ele é estrangeiro, de nação diferente daquela a que pertence. Assim, este filme sublinha a necessidade de transformação social, onde as diferenças étnicas, sexuais, culturais ou nacionais sejam eliminadas e que a identidade de cada um, não adquira tamanho prejuízo, para o bem do indivíduo e consequentemente, para o bem de todos nós.


A família latina




EMOÇÕES TRANSBORDANTES




Cena do filme




Neste filme, os acontecimentos mais banais do cotidiano provocam um assalto de emoções, as reações mais devastadoras nos personagens. A intolerância com o outro é manifestada de diversas maneiras: irritação, medo, raiva, ódio, violência, etc...
Sabemos que as múltiplas emoções que acompanham diariamente o cotidiano de um indivíduo são invisíveis, mas estão ali, marcham com ele como um fiel escudeiro.
No entanto, o indivíduo se empenha em conter seus sentimentos ou em mantê-los dentro de limites toleráveis. Assim, a emoção não escapa ao crivo da consciência. O controle da emoção encontra-se no centro de uma área de pesquisa em que psicólogos, sociólogos, antropólogos e neurocientistas têm adquirido valiosos conhecimentos.
Mas, o pioneiro foi Sigmund Freud que forneceu pistas quando escreveu, em 1929, sua obra O Mal-Estar na Civilização e explicou que as emoções transbordantes seriam inconciliáveis com o convívio social. E essas emoções transbordantes são as emoções mais intensas que pode assolar o indivíduo no seu cotidiano, como por exemplo, um intenso sentimento de raiva, dirigido a pessoas em razão de ofensa ou rancor, generalizando em função de alguma situação injuriante.
Os sentimentos podem ser analisados de diversas perspectivas e eles também se transformam. Como por exemplo, a raiva pode transformar-se em violência, os medos em depressões que, por vezes, podem conduzir ao suicídio.
Os psicólogos clínicos acreditam que transtornos psíquicos são com frequência o resultado de reações emocionais desmedidas, ou seja, fora do controle. E essas emoções sombrias podem ser suprimidas com as estratégias cognitivas que transformam a raiva, a angústia, em sentimentos positivos e diminuem o sofrimento psíquico.
Freud introduziu na Psicanálise o conceito de recalque, que são sentimentos muito dolorosos ou incompatíveis com o ideal que temos de nós mesmos e que são exilados para o nosso inconsciente. A energia psíquica dessas emoções permanecem no consciente e precisam de escape. É como uma panela de pressão que é destampada em plena atividade. Essa energia acaba se manifestando, como por exemplo, sob a forma de perturbações neuróticas ou mesmo físicas, como algumas doenças.
Depois de Freud, os cientistas estudaram melhor as emoções e acreditam que dar vazão aos sentimentos parece, não apenas humano mas também de grande importância. Devemos controlar nossas emoções e fazer o uso correto desse controle que pode ser obtido por meio da estratégia da racionalização, ou seja, manipulando nossas emoções (destampando a panela devagar), de acordo com o modo como avaliamos uma situação. Isto significa que as coisas em si, não são boas nem ruins, é o pensamento que as faz assim.


A ÁRVORE E OS SEUS FRUTOS




A árvore e seus frutos




Na teologia, a ira é um dos sete pecados capitais. Mas, também existe uma ira divina contra a humanidade, a ira que brota da suprema justiça e que é citada em várias passagens no Antigo e no Novo Testamento. Jesus usa a parábola da figueira estéril para explicar a razão da cólera divina.



A punição divina




Uma árvore que não dá frutos, que não contribuiu para a alimentação de seres vivos, é uma árvore intrinsecamente má e por isso, deve ser cortada, como deve cair a ira de Deus sobre os pecadores. A parábola da figueira estéril enfatiza a necessidade indispensável da prática das boas ações, não só pelos homens, mas também pelas instituições, como a própria igreja católica e seus dogmas arcaicos.


A figueira estéril




O indivíduo em posse de seu egoísmo e ao nos aproximarmos, veremos apenas folhas. O que precisamos no mundo contemporâneo são árvores com seus frutos. Se nós somos os construtores do mundo que habitamos, sentimentos sem freios são rápidos na produção de efeitos devastadores que podem afetar nosso mundo interno e externo. Como por exemplo, no filme, a loja de um imigrante iraniano é assaltada e fica destruída. O homem fica perturbado e quer achar o culpado. Ele quer vingar-se de um rapaz que entrou em sua loja, no dia anterior ao assalto e mencionou que a porta precisava ser consertada.
Assim, dando vazão à sua raiva, vai ao encontro do rapaz, saca a sua arma e atira à queima-roupa. O rapaz que estava com a filha no colo, quase foi vítima de uma catástrofe, provocada por um sentimento sem controle.
A necessidade de regular as nossas próprias emoções é vital para a nossa própria sobrevivência e também para uma melhor convivência social.
Os budistas nos ensinam que se desligar de todos os sentimentos negativos e pensar sempre de forma positiva pode ajudar e muito. Mantendo uma inclinação para a calma e a passividade, mesmo nas situações mais difíceis. E os monges tibetanos exibem solene autocontrole. Antes de mais nada temos de aprender como as emoções e comportamentos negativos nos são prejudiciais e como as emoções positivas são benéficas. E precisamos nos conscientizar de como essas emoções negativas não são prejudiciais e danosas somente para nós mesmos, mas são também perniciosas para a sociedade e para o futuro do mundo inteiro.
Os budistas acrescentam que, a conscientização aumenta nossa determinação para encará-las e superá-las. Em seguida, vem a percepção dos aspectos benéficos das emoções e comportamentos positivos. Uma vez que nos demos conta disso, tornamo-nos determinados a valorizar, desenvolver e aumentar essas emoções positivas. Há uma espécie de disposição espontânea que vem de dentro. Nas experiências do dia-a-dia, se houver certos tipos de acontecimentos que a pessoa não deseje, o melhor método de garantir que tais acontecimentos não ocorram, consiste em certificar-se de que não se dêem as condições causais que normalmente propiciam aquele acontecimento. De modo análogo, caso se deseje que ocorra um acontecimento ou experiência específica, a atitude lógica a tomar consiste em procurar e acumular as causas e condições que dêem ensejo a ele.
Na visão da Filosofia, as influências sociais e culturais nos ensinam como lidar com nossas emoções e devemos operá-las a nosso favor, porque não são imutáveis, seja lá qual for o caminho a percorrer em direção a eliminação de nossas emoções negativas. Isto não significa comedimento, mas sim, saber escolher as melhores ações para os momentos certos. E antes de escolhermos os sentimentos mais apropriados para obter sucesso com as nossas atitudes, precisamos conhecer nossas emoções para identificá-las, antes que surjam como num assalto e nos surpreenda a nós mesmos. Como dizia Maquiavel:



“O homem prudente dominará as estrelas”. (Maquiavel)





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. COSTA, Márcia Regina da. Identidade: teoria e pesquisa/diversos autores. São Paulo: EDUC, 1985.
2. LAMA, Dalai. A Arte da Felicidade: um manual para a vida/ de sua santidade o Dalai Lama e Howard C. Cutler. São Paulo: Martins Fontes, 2000.


Ficha técnica:
Título: Crash
Países: Alemanha e EUA – 114 min.
Direção: Paul Haggis
Elenco: Sandra Bulock, Don Cheadle, Tony Danza, Keith David, Loretta Devine, Matt Dilon, JenniferEsposito, Eddie J. Fernandez, Brendan Fraser

Fotos extraída do site: www.crashfilm.com

Comentários

Postagens mais visitadas