Análise do filme: “LAVOURA ARCAICA” Identidade, Juventude e Crise

 

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Cartaz do filme

 

 

O roteiro é baseado no romance de Raduan Nassar, que foi publicado em 1975 e o diretor Luiz Fernando Carvalho fez questão de utilizar este livro como fonte primária de todas as falas do filme, apoiado no uso de fidelidade ao texto original.

O escritor Raduan Nassar metaforicamente evoca o momento político deste País, que é a ditadura militar, representados pelos conflitos entre pai e filho.

 

 

IDENTIDADE

 

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André (criança)

 

 

O filme narra a história do personagem André, que relembra a sua infância e adolescência, em flash-back e fala em primeira pessoa, na voz do diretor Luiz Fernando de Carvalho.

A luz e a sombra que surgem no filme sugerem uma estética quase abstrata, fora de foco, como uma metáfora da vida do personagem.

André simboliza o adolescente em crescimento, com seus questionamentos de valores morais e éticos, o que faz com que ele se rebele contra a autoridade do pai.

As cenas do filme se desenrolam de forma não linear, misturando os acontecimentos em tempos distintos, como se as lembranças do protagonista trouxessem à tona  momentos carregados de muita emoção. Pedro tenta trazê-lo de volta para casa e com este retorno, André se revolta novamente contra o pai, mas encontra o aconchego nos braços maternos.

André tem pressa e como todo adolescente ele deseja “abocanhar a vida, numa só mordida”, enquanto o seu pai aconselha a família, durante o jantar, que o tempo e a paciência são nossos tesouros mais valiosos.

André opõe-se às ordens do pai e reivindica a sua liberdade, sem deveres, sem obrigações e atormentado por seus impulsos sexuais pela irmã mais nova e o sonho de liberdade, ele buscar uma solução para obter a alforria da figura paterna fugindo para a cidade.

Quando criança ele deitava-se no chão coberto de terra batida, cobria-se de folhas secas com se fosse um cobertor que o protegesse dos conflitos familiares.  Ao esconder-se entre as raízes grossas das árvores,  André imaginava um berço e se aninhava dentro dele.  

Mas, quando ele cresceu desejava ser o “profeta” de sua própria  história.

 

 

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André criança

 

 

O protagonista vive uma paixão incestuosa pela irmã e a rejeição da moça também é um dos motivos que o faz fugir de casa.

Ana não tem nenhuma fala durante o filme, mas o seu corpo e suas expressões faciais revelam uma mulher com muita paixão pela vida, numa alegria que incomoda as pessoas ao seu redor.  Ana não presesenta uma paixão para André, a meu ver, ela apenas representa uma alegria genuína de viver e que André inveja, porque não a possui. Mas, ele confunde com paixão.

Muitas cenas deste filme ocorrem sem nenhum diálogo e ouve-se apenas a música composta de cantos lamuriosos, como um eco daqueles corações trancados dentro si mesmos, onde o silêncio da fala reina absoluto, nos cômodos da casa da fazenda.

 

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Ana

 

 

Sabemos que cada sociedade propõe ao indivíduo uma maneira de se ver e de se apropriar do corpo enquanto sujeito. Esta "maneira correta" se associa ao campo da moral sexual. Apesar de haver a falta de informação a respeito das verdades sobre os tabus sexuais, grande parte das dificuldades relativas à sexualidade reside no fato de que não existem muitos espaços onde se possa falar sobre este tema, sem medo dos preconceitos ou repressões das próprias pessoas que cercam os adolescentes, como no caso de André.

 

 

JUVENTUDE

 

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André

 

Atualmente, uma das principais preocupações do jovem  tem sido com a sua imagem.  Ele quer ser o máximo, nem que para isso, nas suas rodas de amigos, ele tenha que mentir. André ao descobrir a casa das prostitutas na cidade, também  se vangloriava de suas conquistas e relatava ao irmão Pedro, suas aventuras com estas moças.

A partir do pós-guerra, os homens  voltaram transtornados e houve toda uma geração de pais que passaram  a ter um  cuidado especial com os filhos, este momento foi o chamado de “baby boom”. A intenção destes pais era de acumular bens materiais e doá-los aos filhos, em excesso.

No Brasil, o movimento do “baby boom” se deu no mandato do presidente JK (1956/60), eram chamados de filhos da guerra. O que acabou prejuducando na educação dos filhos, pela falta de limites.

Os pais tem uma participação muito importante na educação dos filhos, principalmente, do adolescente que é alguém passando por um período de muitas mudanças físicas e psicológicas e precisam do apoio do pais.

No caso do protagonista do filme, seus medos estavam relacionados a sua dificuldade de se entender com a figura paterna. E isso provocava  no protagonista-narrador uma sensação de inadequação, de não pertencimento à própria família, o que gerava o sentimento de solidão.

 

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Pai (Raul Cortes)

 

 

Os pais de André tentavam entender os filhos e não conseguiam,  o que os separavam eram anos de geração.

A adolescência é o período ideal para o crescimento e afloramento dos valores morais, como a tolerância pelo diferente, sentimento de solidariedade e compaixão, tudo isso devido ao contato com diferentes mundos, onde a abstração de valores, pensamentos, ideais se tornam cada dia mais válidos e presentes na vida de um adolescente. (Revista Viver, L.R. Arantagy, 2000. p.23).

Segundo o psicólogo Erik Erikson, à medida que os progressos tecnológicos ampliam cada vez mais o intervalo de tempo entre o começo da vida escolar e o acesso final do jovem ao trabalho, a fase de adolescência torna-se um período ainda mais acentuado e consciente; e, como sempre aconteceu em algumas culturas, em certos períodos, passou a ser quase um modo de vida entre a infância e a idade adulta. Assim, nos últimos anos de escolaridade, os jovens, assediados pela revolução fisiológica de sua maturação genital e a incerteza dos papéis adultos à sua frente, parecem muito preocupados com as tentativas mais ou menos excêntricas de estabelecimento de uma subcultura  e  que parece ser mais uma final do que uma transitória de fato, inicial formação de identidade. Os jovens se mostram morbidamente preocupados com o que possam parecer aos olhos dos outros, em comparação com o que eles próprios julgam ser, e com a questão de como associar os papéis e aptidões cultivadas anteriormente aos protótipos ideais isso faz com que eles entram em crise. Na selva social da existência humana, não existe sentimento vivencial sem um sentimento de identidade. (Erikson, 1976, p. 129)

 

 

CRISE

 

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André e sua mãe

 

 

Em sua busca de um novo sentido de continuidade e uniformidade, que deve incluir agora a maturidade sexual, alguns adolescentes tiveram de enfrentar de novo as crises de anos anteriores, antes de poderem instalar ídolos e ideais duradouros como guardiões de uma identidade final.

A sociedade é substituída pelo "meio social". Entender e discutir os questionamentos e reflexões dos adolescentes é fundamental para o amadurecimento e desenvolvimento de atitudes responsáveis.

A problemática de André baseia-se na crise de identidade derivada de uma importante necessidade de confiança em si e nos outros. Para ele, Deus também o abandonou e ele sente-se ainda mais perdido.

A disposição de André  de  dar voluntariamente sua confiança àqueles pares e pessoas mais velhas (como os pais) parece ilusório e por demais distante.  Se um jovem pressentir que o meio tenta privá-lo radicalmente de todas as formas de expressão e liberdade que lhe permitem desenvolver e integrar o passo seguinte ele poderá resistir com vigor e fugir de casa, como aconteceu com o protagonista no filme.

O jovem sente-se angustiado frente à necessidade dessa transformação por ter de entrar num plano de igualdade com os adultos, os quais julga crítica e severamente. Ele anseia reformar o mundo para adaptá-lo às suas necessidades. O adolescente só consegue sair desse “mergulho” quando ocorrer a sua maturidade biológica e ele for capaz de reconciliar-se com seus pais e traduzir suas ideias em ações positivas.

Marco Antonio Guimarães, líder do grupo instrumental mineiro UAKTI adaptou para este filme,  uma versão do movimento Erbarme dich da Paixão segundo São Mateus de Bach, chamada O Perdão (The Forgiveness) e é usada no final de Lavoura Arcaica. A trilha sonora deste filme é excelente, tanto quanto o filme.

 

 

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

1) ARATANGY, Lidia R., Quando começa adolescência”, São Paulo, Revista Viver Psicologia Ed. Psicologia e Saúde Ltda, ano VIII, 2000.

2) ERIKSON, Erik. H – “Identidade Juventude e Crise”., Rio de Janeiro. Ed. Zahar editores, 2 ed. 1976

 

 

Imagens:

www.lavouraarcaica.com.br

www.google.com.br

 

 

 

Ficha técnica:

Título: Lavoura Arcaica

País: Brasil

Ano: 2001

Direção: Luiz Fernando de Carvalho

Atores: Selton Mello (André), Raul Cortez (pai), Juliana Carneiro da Cunha (mãe), Simone Spoladore (Ana, a irmã mais nova), Leonardo Medeiros (Pedro), Caio Blat (Lula, o caçula), Pablo César Câncio (André criança).

DVD – 171 min. – drama

 

 

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