Análise fílmica: “ABRAÇOS PARTIDOS” E O FEMININO NO CINEMA DE ALMODÓVAR

 

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Cartaz do filme

 

 

“A arte cinematográfica... pretende ser um objeto digno das nossas meditações: ela reclama um capítulo nesses grandes sistemas em que se fala de tudo... exceto do cinema.”

(Bela Balazs)

 

 

O filme Abraços Partidos (2009), com a produção de Pedro Almodóvar conta a história do cineasta Marco Blanco e sua amante Lena que sofreram um trágico acidente de carro. Ele sobrevive e perde a visão e desta forma, ele sente que não pode mais exercer a profissão de cineasta e começa a desenvolver a fantasia de que Marco Blanco morreu e troca seu nome para Harry Caine. Provavelmente uma homenagem de Almodóvar ao ator americano.

 

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Lena (Penélope Cruz) e Harry Caine (Lluis Homar)

 

 

O filme é fragmentado e construído por flashbacks, o recurso de ir e voltar no tempo.

Depois de 14 anos quando ocorreu o acidente, Caine vive o seu destino trágico com a ajuda de sua antiga e fiel diretora de produção chamada Judit.

 

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Judit (Blanca Portilho) e Harry Caine (Lluis Homar)

 

 

Além de flashbacks, Almodóvar costuma utilizar em seus filmes o tema do “corpo fragilizado ou sem força”. Mas, Caine mostra que o tempo é o melhor remédio para curar as feridas relacionadas a grandes perdas.

O personagem, aos poucos vai se acostumando com a cegueira e com a perda de Lena, sua grande paixão.

 

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Lena (Penélope Cruz)

 

 

Ao filmar, Harry faz um remake de “Chicas y Malas” e evoca o filme de Almodóvar, produzido em 1988, “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos”. É o filme dentro de outro filme.

 

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A equipe de filmagem “Chicas y Malas”

 

 

A personagem Lena quando filma “Chicas y Malas” baseia o seu figurino no estilo da atriz Audrey Hepburn, que sonhava em ser bailarina e como a personagem do filme, sonhava em ser atriz.

 

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Audrey Hepburn

 

 

Outra homenagem ao cinema, com seu corpo exuberante Penélope Cruz e suas perucas lembra Marilyn Monroe.

 

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Penélope Cruz

 

 

O diretor diz que: “Todas as minhas referências a filmes nos meus próprios filmes são espontâneos. Eu não faço tributos ou homenagens. Sou um espectador muito inocente. Eu não consigo aprender nada a partir dos filmes que gosto. Mas se tivesse que escolher um mestre ou modelo, seria Billy Wilder (1906-2002). Ele representa exatamente o que quero fazer.” (Almodóvar, Coleção Cine Europeu, Folha, p. 36)

 

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Harry Caine (Lluis Homar) e Lena (Penélope Cruz)

 

 

O personagem Harry Caine tem um papel importante e o filme circula sobre a sua vida do presente e do passado. Ele se apaixonou pela atriz Lena (Penélope Cruz), que é esposa do produtor do seu filme, produzido antes do acidente.

A personagem Lena sofre com o ciúme do marido, que tem uma verdadeira obsessão por ela. Ambos não se entendem. Lena só ganha o papel no filme por ser a mulher do empresário que financia o filme e após muitas agressões e chantagens por parte do marido.

 

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Lena (Penélope Cruz) e o marido

 

 

O filme Abraços Partidos é um verdadeiro melodrama carregado de amor intenso, sentimentos envenenados por ciúmes, traições, vinganças, súplicas de amor eterno, ou seja, tudo aquilo que não vemos mais nos filmes contemporâneos e só existe nas telenovelas mexicanas. As telenovelas mexicanas tem este perfil que evoca o amor irrefletido, onde o choro nunca é interditado. O amor intenso parece ser o “sal da vida” nessa “vida em sal”. Segundo a pesquisadora Maia: “Essa marca in cult dos filmes de Almodóvar é elemento essencial de sua matriz estética e estabelece conexões com as constantes referências ao pueblo que o diretor faz em suas obras”. (Maia, 2008, p. 15)

 

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O drama mexicano e Penélope Cruz

O CINEMA DE GÊNERO DE ALMODÓVAR

Pedro Almodóvar Caballero (24/09/1949), nascido em La Mancha/Espanha vem de uma família humilde, com viúvas de luto fechado e com forte influência religiosa, apesar de ser agnóstico. Em Madri, recém-chegado do interior ele se aproxima da elite underground da cidade.

 

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Pedro Almodóvar e Penélope Cruz

 

 

No final dos anos 60, Almodóvar aproveita o período de redemocratização da Espanha para criar no submundo da contracultura espanhola.

O diretor iniciou a sua carreira sem ter como investir em seus estudos. Saiu da pequena Calzada de Calatrava, localizada na província da Cidade Real e mudou-se para Madri aos 16 anos de idade, em busca de oportunidades no mercado cinematográfico. Desde sua mudança para a capital espanhola, o cineasta sempre viveu rodeado de lindas e importantes mulheres, embora tenha assumido sua homossexualidade ainda jovem.

 

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Pedro Almodóvar

 

 

Sem recursos para cursar a escola de cinema, Almodóvar começa a rodar em Super-8 pequenos filmes libertários que adiantam o que virá a ser o futuro como cineasta consagrado.

Os seus temas preferidos são: temas sexuais, cinema de gênero, provocações sociais. Ao mesmo tempo em que trabalha na companhia telefônica local, ele escreve roteiros de histórias em quadrinhos, fotonovelas, letras de músicas, romances e canta em inferninhos, travestido de mulher. O travestismo tornou-se elemento recorrente em suas obras. (Coleção Clube Folha, 2011, p. 17)

 

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Almodóvar e sua câmera

 

 

Com o amadurecimento, o diretor tornou-se menos exagerado, mas não menos fascinante. Como um escritor, Almodóvar tem um repertório de personagens e situações aos quais volta sempre. (Revista Bravo, 2011, p. 52)

 

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Pedro Almodóvar

A CONSTRUÇÃO DA MULHER PELAS IMAGENS DO CINEMA E DAS ARTES

 

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Pin-up

 

O universo feminino de Almodóvar começa desde criança e é povoado de mulheres, mãe, tias, irmãs e atrizes de Hollywood. Na sua filmografia as mulheres tem grande destaque. O universo feminino sempre o instigou em suas produções como donas-de-casa, relações conjugais turbulentas, moças supermodernas, somado aos movimentos de câmara extravagantes, a paisagem urbana (Madri), ambientes kitsch, amizade entre mulheres, homossexualidade e transexualidade.

Dentre os tipos femininos deste diretor também tem aquela personagem sofisticada e de uma beleza mais clássica, como a atriz Penélope Cruz, em Abraços Partidos.

 

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Lena (Penélope Cruz)

 

 

A imagem tem papel central na construção da ideia de feminino. Ao longo do tempo esse imaginário ganhou contornos diversos como na forma da grande mãe, da deusa Vênus/Afrodite, das estrelas de cinema, das pin-ups, modelos de revista de moda, etc

A relação da mulher com a beleza só aconteceu no Renascimento, cujo momento legitima o corpo feminino como objeto de contemplação. (revista Mente Cérebro, out/2009, p. 54)

 

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Toalete de Venus

 

 

A partir do Século XIX surge a mulher e suas singularidades que aparecem na literatura e na pintura.

 

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Obra de Renoir

 

 

A beleza da mulher quando valorizada estava sempre ligada a contradições dependendo do seu tempo histórico. No imaginário social e no tempo dos centros urbanos e de grande consumo, a imagem da mulher foi multiplicada em cartazes, fotografias e nas revistas de moda.

 

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Moda dos anos 50

 

 

As atrizes de cinema também alimentaram sonhos, modos de viver, de se comportar e de se vestir. As divas estavam envolvidas numa nuvem de cores, magia, sexualidade e muita fantasia. Elas paralisam o olhar do espectador.

 

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Rita Hayworth

 

 

Outro tipo de mulher que surgiu das artes gráficas são as garotas do calendário ou pin-ups. Só que estas personagens não nasceram com identidade, suas figuras foram feitas para o consumo do olhar masculino.

 

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Pin-up

 

 

As pin-ups não são tão inacessíveis como as atrizes de cinema porque elas fazem supermercado, trocam a roda do carro e são belas e femininas.

Outra variação são as “bonecas do lar”, maquiadas e de salto alto, que cuidam da casa, do homem, do lar e das crianças. Elas simbolizam a dona-de-casa dos anos 50, a mulher perfeita para casar. O avental junto com o vestido é um símbolo do seu destino de ser uma serviçal sexy.

 

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A rainha do lar, a serviçal sexy

 

 

Estas pin-ups tem uma imagem importante porque são responsáveis pela primeira aproximação entre a imagem pública da mulher e da vida doméstica. (revista Mente & Cérebro, 2009, p. 55)

Mas foi só nos anos 60 que se dará a ruptura do período patriarcal com o feminino, a mulher conquistou o seu corpo, como um símbolo de sua emancipação, com o surgimento da pílula, em 1961.

 

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A mulher dos anos 60

 

 

A moda dos anos 60 traz vestidos curtos, privilegiando as pernas ou aqueles vestidos rodados. O período também marca a mulher nas universidades e no mercado de trabalho.

Nos anos que se seguem a sociedade constrói um perfil da mulher “livre”, mas ela está comprometida com a magreza e com a lógica efêmera da moda.

 

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O culto à beleza e juventude

 

 

Segundo os estudiosos, a crescente importância da imagem na contemporaneidade é devido à exploração da imagem na cena pública, o que antes estava reservado à intimidade.

No final do século XX nasce a “mulher real” nas imagens veiculadas pela mídia talvez como um resultado do amadurecimento social que a deixa a mulher em paz consigo mesma, sem tantos exageros e sacrifícios com a magreza, apesar de ainda persistir o culto à beleza e juventude.

 

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Beleza e juventude é o foco na contemporaneidade

 

 

Algumas imagens da mulher na mídia também causaram polêmica como a foto de Oliviero Toscani realizada para a grife Benetton, em 1992. A campanha provocativa da marca causou muita polêmica e foi proibida na Itália e na França. Somente na Inglaterra a imagem foi liberada. (Folha de São Paulo, de 09/3/2009)

 

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Foto de Oliviero Toscani (1992)

 

 

Buscando articular o universo feminino nos filmes de Almodóvar e suas personagens com as quais temos afinidade e também pela banalidade do cotidiano, o inverossímil transforma-se perfeitamente em algo possível de acontecer na realidade. Através de suas personagens ele constrói o universo feminino como um retrato da sociedade.

 

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Rossy de Palma (Julieta) e Penélope Cruz (Lena)

 

 

Almodóvar gosta de escolher corpos e rostos de atrizes que fogem um pouco do comum, como a atriz Rossy de Palma.

No filme Abraços Partidos ela interpreta a personagem Julieta. Além de Penélope Cruz, o espanhol foi responsável também por apresentar através de seu cinema, as importantes atrizes do cinema estrangeiro, tais como: Carmen Maura, Blanca Portillo, Victoria Abril e Rossy de Palma, que atingiram o circuito europeu, graças às personagens que viveram em produções de Almodóvar.

 

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Personagens de Almodóvar

 

 

A obra de Almodóvar se caracteriza, em geral, por não reproduzir clichês, mas por tomar os próprios clichês como objeto crítico e temático de seus trabalhos. Isto é mais evidente no que se refere ao papel da mulher e nas relações entre os sexos. O diretor, várias vezes, adota uma atitude burlesca com relação à militância feminista. (Rodrigues, 2008, p. 57)

 

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Almodóvar e o feminino no cinema

 

 

Pedro Almodóvar exclui os estereótipos femininos que sempre causaram desconforto na mulher. Na história elas surgem como mulheres que os homens temem, depois elas são objetos de contemplação, mas dependentes dos homens e da sua racionalidade. E agora elas surgem na mídia “quase reais.”

Através da paródia, o diretor retrata a sociedade contemporânea através dos temas em seus filmes e também contribui para “o nascer da mulher” na atualidade, sem reduzi-la à sua beleza e aparência, considerando que a imagem da mulher no cinema foi sempre estereotipada.

O filme Abraços Partidos trata do mundo real, mas Almodóvar brinca e nos confunde com o real que transcende o irreal que é o seu cinema.

 

 

Referência bibliográfica:

1) Almodóvar, Pedro. Coleção Folha Cine Europeu, 2011.

2) Revista Repertório – 2008 – ano 11 – no. 11 – Universidade Federal da Bahia.

3) Revista Mente & Cérebro, 2009.

4) Revista Bravo, 2011.

5) RODRIGUES, Ana Lucilia. Pedro Almodóvar e a feminilidade. São Paulo: Escuta, 2008.

 

 

Ficha técnica:

Título: Abraços Partidos

Direção: Pedro Almodóvar

Ano: 2009

País: Espanha

Elenco: Penélope Cruz (Lena), Lluis Homar (Mateo Blanco/Harry Caine), Blanca Portilho (Judit), Lola Dueñas (secretária), Angela Molina (mãe de Lena), Carmen Madi (amiga de Lena), Rossy de Palma (Julieta)

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