Análise fílmica Kika: o discurso midiático na narrativa fílmica de Pedro Almodóvar

 

A proposta deste trabalho  é para a disciplina “Educação e Mídia”, ministrada no curso de Doutorado, na Universidade Presbiteriana Mackenzie e trata-se da análise fílmica de Kika (1993) e o uso do discurso midiático presente no filme de Pedro Almodóvar.

 

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Pedro Almodóvar

 

Em 1993, o cineasta espanhol Pedro Almodóvar já discutia sobre os polêmicos programas de televisão que invadem a privacidade das pessoas.

O cinema de Almodóvar é altamente narrativo, o diretor disse em entrevista que faz questão do envolvimento identificatório em seus filmes. Mesmo quando a ironia faz desmanchar a cena séria como no caso de Kika. (Gimenes, 2009, p. 61)

O filme ganhou os seguintes prêmios: GOYA (Melhor atriz para Veronica Forqué), indicação da melhor atriz coadjuvante (Rossy de Palma) e indicação de melhor figurino e outros prêmios.

Kika é o segundo longa de Pedro Almodóvar e relata a história de Kika, uma jovem que trabalha como maquiadora e que tenta resolver todos os seus problemas com muito otimismo.

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Kika (Veronica Forqué)

O figurino da protagonista foi realizado pelo estilista Gianni Versace, que são vestidos coloridos, decotados, com estampas, saídos da coleção do estilista, de 1992. As saias rodadas e as blusas coloridas retrata um visual retrô, com cores fortes, bem como a sua roupa inspirado nos anos 50.

Segundo Almodóvar a personagem Kika foi inspirada num cristal, uma metáfora direta da fragilidade da personagem e também pode evocar o material das objetivas das câmeras. O vidro representa o trabalho do fotógrafo e a transparência é o voyeurismo. (Almodóvar, 2008, p. 112)

A maquiadora tem uma empregada lésbica, que é secretamente apaixonada por ela.

 

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Juana (Rossy de Palma) e Kika

 

Kika e sua amiga Amparo ao assistem o programa de entrevistas na TV “Hay que ler más”, apresentado por Dona Paquita (Francisca Caballero), uma idosa simpática, ela tem como convidado o escritor americano Nicholas Pierce (Peter Coyote).

Ela conta a sua amiga o romance que teve com o escritor quando o conheceu na TV e ao fazer a sua maquiagem para o programa de Dona Paquita.

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Nicholas (Peter Coyote)

Durante a entrevista, o escritor apresenta o seu novo livro, mas na verdade ele quer fazer uma propaganda para vender a sua casa, que é o cenário de suas histórias.

A sua esposa morreu e deixou como herança uma grande mansão para o seu único filho.

Nicholas diz no programa de TV que escreveu esse livro inspirado nas acusações feitas a ele depois da morte de sua mulher, que se suicidou. No decorrer do filme, a desconfiança do espectador irá se confirmar: o escritor realmente matou a sua mulher.

Ele é um típico psicopata perigoso e que confunde a realidade com a fantasia fazendo dos seus crimes inspiração para o seu best-seller. Na casa ele enterra as suas vítimas.

O filho do escritor é Rámon (Santiago Lajusticia) um fotógrafo de moda, que sofre de catalepsia e acaba morrendo. Porém, ele desperta quando Kika foi chamada para maquiá-lo antes de seu enterro. A moça fica encantada com a beleza do rapaz e quando ele desperta os dois se apaixonam imediatamente e ficam noivos.

 

O “Pior do dia” com Andrea Cara cortada

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Andrea Cara Cortada (Victoria Abril)

 

A outra personagem central do filme é Andrea Cara Cortada (Victoria April), que trabalha como apresentadora de um programa de TV sensacionalista intitulado de “Lo peor del dia” e apresenta as desgraças humanas, no cotidiano de Madri. Ela é ex-psicóloga e investiga as perversidades humanas ao relata-las ao seu espectador em seu programa de uma maneira fria sem emoção, pois em seu rosto não há marcas de expressão, mas existe uma cicatriz desenhada por ela mesma, quando Ramón a abandonou.

Cara Cortada simplesmente transforma o conteúdo de suas notícias em banalidade para um auditório vazio. A câmera mostra o público ausente quando se ouve as palmas gravadas para o programa. Quem assiste o seu programa pala TV é Juana (Rossy de Palma), a empregada de Kika, enquanto realiza os seus serviços domésticos.

 

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Andrea Cara Cortada

 

Andrea Cara Cortada, depois de ler o livro de Nicholas Pierce, deduz que seus personagens retratam ele mesmo, ou seja, ele é um serial killer muito perigoso. Então ela começa a espionar a sua vida, em busca de um furo jornalístico.

As relações entre estes personagens se cruzam e ocorrem várias situações inesperadas, que acaba incentivando a audiência de Cara Cortada com o seu sensacionalismo cotidiano. O programa “Lo peor del dia” apresenta o personagem Paul Bazzo que foge da cadeia. Ele é irmão de Juana e vai se esconder na casa onde ela trabalha e ao ver Kika na cama ele a violenta. O rapaz é ninfomaníaco e ator pornô. A cena de estupro de Kika é a mais longa do cinema.

Cara Cortada recebe um telefonema anônimo e sai desesperada em busca da mulher estuprada. Quando ela chega ao edifício de Kika, o ator pornô foge e leva a sua motocicleta.

As imagens da violência contra Kika vão parar no programa de Cara Cortada e o voyeur que filmou as cenas na casa de Kika é o próprio noivo, que um voyeur.

Na TV, Kika assiste a tudo e promete processar Cara Cortada, mas Rámon diz que isso só daria mais publicidade para a apresentadora. Mas ela quer se vingar de qualquer forma.

A sociedade do espetáculo, segundo o pensador francês Guy Debord, nada mais é do que o exagero da mídia, cuja natureza, indiscutivelmente boa, visto que serve para comunicar, pode às vezes chegar a excessos. (Debord, 1997, p. 171)

 

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Ramón é um homem misterioso, que pouco fala, com o seu olhar perdido. Ele sofre pelo suicídio da mãe, para quem ele reservou um espaço na sua casa onde guarda todas as suas lembranças. Ramón desconfia que foi o seu pai quem a matou, mas não sabe o motivo.

O filme de Almodóvar mostra cenas duras da realidade que o programa sensacionalista nos revela de forma banal, o filme é um retrato da violência banalizada em Madri.

A história de Kika que no final é abandonada por todos é contada pela via do excesso, pelo reality show, que se transformou a sua vida.

Neste filme o real e imaginário se misturam como um sintoma da própria sociedade do espetáculo. Almodóvar além de tratar do tema do trata do voyeurismo, que está o tempo inteiro brincando com o espectador, que por vezes pensa estar vendo uma determinada cena pelas lentes do diretor, quando na verdade é pelo olhar de um voyeur.

 

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Nicholas e Andrea

 

Kika é uma mulher ingênua e sem a menor consciência de perigo e com otimismo ela deseja resolver todas as catástrofes de sua vida. Mas no final é abandonada por todos.

O programa de TV sensacionalista de Cara cortada vai mexer com a vida de todos os personagens deste filme e faz a propaganda do leite, seu patrocinador.

Almodóvar disse em entrevista que os meios de comunicação de hoje criaram um mercado de dor onde as pessoas vendem as suas tragédias.

Segundo o crítico Cabrera, o cinema escolhe objetos privilegiados como o inverossímil, o fantástico, o calamitoso, o demoníaco, a natureza descontrolada, a incerteza, o heroísmo sem glória, etc. (Cabrera, 2006,p. 34)

A realidade ficcional do cinema é metafórica e representa as situações possíveis e pessoas possíveis, algo que poderia acontecer a qualquer um no plano da realidade.

 

O Figurino em Kika

 

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Almodóvar, Victoria e Gualtier

 

O figurino no cinema é composto por todas as roupas e acessórios dos personagens, projetados e/ou escolhidos pelo figurinista, de acordo com as necessidades do roteiro, personagem, da direção do filme e as possibilidades de orçamento.

O figurino que Andrea Cara Cortada usa é para chamar a atenção do seu público e Almodóvar escolheu o estilo “pós-moderno” com suas roupas provocantes, sensuais, de forma agressiva.

Os figurinos, inclusive, a roupa-câmera utilizada por Victória April e o vestido ensanguentado com os seios postiços pulados para fora, são assinados pelo estilista francês Jean Paul Gaultier, autor da roupa polêmica de Madonna que também usava os seios da cantora para provocar.” (Gimenes, 2009, p. 37)

 

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Andrea Cara cortada (Victoria April)

 

 

O vestido da apresentadora é o longo preto e justo de Andrea Cara Cortada, com dois seios de plástico explodindo através do tecido rasgado, um dos figurinos mais marcantes do cinema. (Fashion, 2003, p. 63)

O figurino da personagem é uma mistura da moda vamp, com o figurino de Mulher Aranha, com o glamour de Jean Paul Gaultier. O figurinista trabalhou diretamente com Pedro Almodóvar durante a preparação do filme.

As roupas “de fantasia” que a Cara Cortada usa em seus programas, revela uma personagem que se veste de forma As mulheres podem vestir roupas masculinas, por razões práticas, políticas ou de moda, não porque obtenham satisfação erótica direta das roupas. Uma mulher com um vestido decotado pode ser exibicionista, mas não é um exibicionista da mesma forma que um tarado exibicionista, porque seus sentimentos e motivações são diferentes. A imagem de uma mulher que é tanto forte quanto sensual obviamente agrada a muitas mulheres, segundo Valerie Steele. (Steele, 1997, p. 31)

 

 

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Cara cortada

 

A apresentadora é uma “soldada da informação” e para as cenas externas, o estilista Gaultier criou um modelo utilitário, verde militar, cheio de zíperes e bolsos. Na altura dos seios, duas lâmpadas que se acendem quando a câmera de Andrea, presa em seu capacete, é ligada. (Fashion, 2003, p. 63)

A roupa de Cara cortada remete ao robô do filme Metrópolis (Fritz Lang, 1927), um dos filmes preferidos de Almodóvar e Gaultier. O diretor além de evocar em seus filmes, outros de filmes de grandes diretores, ele também usa a técnica do filme, dentro do filme.

 

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A robô de Metrópolis

 

O filme Metrópolis que o diretor evoca pela roupa da personagem, simboliza a decadência urbana e o colapso da sociedade pós-moderna. Almodóvar sempre coloca dentro de seus filmes outros filmes.  A análise fímica de Metrópolis encontra-se neste blog já foi publicado.

O estilista Galtier, tanto ele quanto Almodóvar são catalisadores de nosso tempo.

Em Kika o cineasta nos trouxe a cidade de Madri cinematográfica, os diversos personagens e seus tipos de desvios comportamentais como psicopatas e outros tipos bizarros. Mas, todos se relacionam com a apresentadora Andrea Cara cortada.

A narrativa fílmica é simples e o que chama a atenção do espectador são os personagens que Almodóvar cria e olha como se estivesse atrás de um buraco de uma fechadura, como um voyeur.

Ficha técnica:

Título: Kika

Direção/roteiro: Pedro Almodóvar

Países: Espanha/França

Ano: 1993

Elenco: Verónica Forqué (Kika), Peter Coyote (Nicholas), Victoria April (Andrea Caracortada), Álex Casanovas (Ramón), Francisca Caballero (Dona Paquita), Rossy de Palma (Juana), Anabel Alonso, Bibí Andersen, Jesús Bonilla.

Duração: 100 min.

Ano: 1993

País: Espanha / França

Figurinos: Figurinos: Gianni Versace e Jean Paul Gaultier

 

 

Referência bibliográfica:

1) ALMODÓVAR, Pedro. Conversas com Almodóvar. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

2) CABRERA, Julio. O cinema pensa: uma introdução à filosofia através dos filmes. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.

3) DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

4) GIMENES, Roseli. Psicanálise e cinema: o cinema de Almodóvar sob um olhar lacanianamente perverso. São Paulo: Scortecci, 2009.

5) STEELE, Valerie. Fetiche, Moda, Sexo & Poder. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

 

DVD –KIKA – Almodóvar, 1993.

Sites e blogs consultados:

www.wikipedia.org/Figurino

www.google.com.br

www.faroartesepsicologia.blogspot.com.br

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