Matrix: paraísos artificiais e o mundo das ideias de Platão

 

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“Os filmes são diálogos do mundo de hoje.”

Elia Kazan

 

No século XXI a perda da identidade e o narcisismo desencadeiam em escolhas frágeis e efêmeras e leva o indivíduo ao imediatismo e ao hedonismo. O que importará será o belo e o estético, conforme as regras do mundo das aparências. Ele estabelecerá uma relação entre o eu e a vida, transitando pelo mundo cibernético.

Cibernética é uma palavra que se origina do grego (Kibernetiké), sendo aquele que governa o timão da embarcação, o homem do leme, em sentido figurado ou aquele que dirige ou regula qualquer coisa: guia, chefe. A palavra refere-se ao piloto, que traz a ideia de comando, condução, segundo o pai da cibernética que é o americano Norbert Wiener (1894-1963). (viver – agosto/2000)

Partindo deste raciocínio, a minha proposta é uma análise do filme Matrix (1999) com os Diálogos de Platão, que permite estabelecer paralelos entre a sociedade e o homem contemporâneo.

A narrativa do filme gira em torno da problemática do que é real e o que não é real e o mundo virtual. Mas o que é ilusão e o que é real em Matrix (o primeiro da série) ?

Os irmãos Wachowski se basearam no livro Simulacros e Simulação do pensador francês Jean Baudrillard (1929/2007) para desenvolverem a trilogia de Matrix, onde a Terra foi totalmente dominada pelas máquinas, que são dotadas de inteligência artificial e que dominaram os humanos, num futuro distante.

O mundo físico transformou-se em virtual e em termos de computação, a palavra virtual está relacionada à simulação em computador, ou seja, algo fisicamente inexistente, mas simulado por um software. O mundo virtual de Matrix seria uma cópia do mundo real.

Os personagens de Matrix tem a opção de tomar a pílula azul e continuar vivendo no mundo que conhecemos, mas sem saber a existência de um outro lugar que está localizado num futuro bem distante. Se ele optar pela pílula vermelha vai para o mundo das máquinas, que é Matrix. A pílula vermelha é escolhida por aquele que vive em estado de inconformismo diante da realidade em que vive, então, ele passa a acreditar que exista um mundo em que ele possa modificar. O problema é que ele acaba sendo prisioneiro, não do cotidiano, mas sim de uma máquina, que também é um sistema.

A história do filme é sobre um jovem programador de computadores que trabalha numa empresa que fabrica softwares. O Sr. Anderson  mora num cubículo e é atormentado por pesadelos, nos quais se encontra conectado por cabos eletrônicos. O seu nickname é Neo, que vem de “novo” e em grego é o escolhido e substituto de Cristo.

O Sr. Anderson odeia o seu emprego e um dia recebe uma ligação misteriosa e que pede que ele siga o “coelho branco”. O coelho de Alice no País das Maravilhas está tatuado no braço de uma moça, que ele acompanha até um bar. Lá ele encontra Trinity e depois Morfeu, que o convencem de que ele é o aguardado, o messias para enfrentar a Matrix (sistema inteligente e artificial), que manipula a mente das pessoas.

O contato entre o grupo de Morfeu é sempre realizado por telefone que remete ao início da era dos computadores, que exigia uma linha telefônica para que fosse possível se conectar a uma máquina.

A Matrix é um mundo gerado por computadores e tem como objetivo o controle e a transformação do ser humano numa fonte de energia, numa bateria, segundo as palavras de Morfeu/personagem. Depois de ele liberar a energia, o seu corpo é jogado no esgoto.

Na mitologia grega, Morpheus era encarregado de induzir os sonhos a quem dormia. E o Morfeu de Matrix tenta convencer Neo a ter o mesmo sonho que o seu, ou seja,  salvar o mundo das máquinas.

Neo visita o Oráculo, que tem o poder de prever o futuro no mundo simulado. Na entrada da cozinha leia-se: “Conhece-te a ti mesmo”, cuja frase tem origem no Oráculo de Delfos na mitologia grega. A frase também era conhecida por Sócrates que a utilizava em seus discursos. Neste filme, o oráculo é representado por uma mulher que cozinha os seus biscoitos para os netos.

A partir da  visita de Neo ao oráculo ele percebeu que, num futuro próximo, ele teria que escolher entre a sua própria vida ou salvar a vida de Morfeu, seu mestre.

O conceito de “Conhece-se te a si mesmo” é a premissa básica da Psicologia Analítica, que utiliza os arquétipos e associa as histórias mitológicas. Os arquétipos junguianos são prefigurações de toda experiência humana que se manifesta em imagens, contrapondo-se às configurações modeladas pela cultura de massa (os esteriótipos).

Outro mito importante é o mito do Herói, cuja ação heroica traduz-se em ajudar aos que se encontram em dificuldades; muitas vezes implica o risco físico e não prevê uma recompensa. Neo enfrenta os agentes (programas em forma humanoide) para salvar o mundo dos automatismos, da inércia e da inação. Na mitologia grega, o herói é um guerreiro e sedutor.

A personagem Trinity (trindade em inglês) também deseja ocupar o lugar da “escolhida” e compete com Neo, antes de se apaixonar por ele.

O que considero interessante destacar  é que o mito do Herói, na concepção da teoria junguiana é aquele homem corajoso e tem como fim primordial vencer-se a si próprio e este pensamento evoca a problemática do homem contemporâneo.

Neo que foi escolhido para salvar a humanidade segue o seu objetivo sob o comando de Morfeu, mas teve que desenvolver uma razão autônoma como seus computadores.  Matrix será o ser lar, enquanto o seu futuro é temido na realidade simulada.

Platão e o mundo das ideias

Platão (427-347 a.C) interessava-se pela relação daquilo que flui (tudo que podemos tocar e sentir na natureza), que é uma descrição do mundo físico, que é uma cópia imperfeita do arquétipo, como a alma.

Ele sugere que tudo que está ao nosso redor na natureza, refere-se ao mundo dos sentidos e nada é duradouro, tudo é passageiro, perecível. Ele conclui que, não era possível conhecer as coisas do mundo dos sentidos, pois eram muito incertas.

Em resumo, os dados dos sentidos teriam validade instantânea, o que tornava inútil qualquer afirmativa sobre a realidade, quando se tentava exprimir algo o objeto já não era mais o mesmo.

Platão ao escrever a sua obra Diálogos, ele vai descobrindo o seu método em relação aos objetos físicos que ele chama de ideias ou formas e começa a assumir a fisionomia própria quando se distancia do socratismo, na medida em que, a formulação da noção de ideia como essência existente em si é independente das coisas e do intelecto humano e vai se transformar num método de pesquisa com base na matemática incluindo a hipótese explicativa.

Os exemplos das ideias apresentados pelo filósofo em Fédon são extraídos ou da esfera dos valores estéticos e morais (o Belo, o Bom), ou das relações matemáticas (o Grande). (Platão, 1999, p. 20)

O imutável e eterno (modelos espirituais ou abstratos), ele cita como exemplo, a nossa alma, que ele considerava imortal e que faz parte do mundo das ideias. Mas, só podemos chegar a ter um conhecimento seguro daquilo que reconhecemos com a razão, no que consiste o mundo das ideias. Desta forma, a alma é imortal, perene e é a morada da razão.

A alegoria da caverna segundo Platão:

“descreve um prisioneiro que contempla, no fundo da caverna, os reflexos de simulacros que, sem que ele possa ver são transportados à frente de um fogo artificial. Como sempre se viu essas projeções de artefatos, toma-os por realidade e permanece iludido. A situação demonstra-se e inverte-se desde que o prisioneiro se liberta: reconhece o engano em que permanecera, descobre a “encenação” que até então o enganara e, depois de galgar a rampa que conduz à saída da caverna, pode lá fora começar a contemplar a verdadeira realidade. (...) Aquele que se libertar das ilusões e se eleva à visão da realidade é o que pode e deve governar para libertar os outros prisioneiros das sombras...” (Platão, 1999, p. 26)

Platão nos mostra com esta alegoria o caminho percorrido pelo filósofo e o descobrimento do mundo dos sentidos, que é fugaz e causa incertezas. O mundo das ideias está relacionado aos fenômenos imutáveis como a razão e a alma.

A alegoria simboliza a coragem e a busca da verdade e a relação entre as trevas da caverna e a natureza fora dela corresponde à relação entre as formas da natureza e o mundo das ideias. (Platão, 1999, p. 106)

Segundo o filósofo, a construção do conhecimento é feita de paradoxos como intelecto e emoção e da razão e vontade. Mas o homem é dual e tem um corpo que se desintegra e está ligado ao mundo dos sentidos e justamente porque a alma não é material, ela pode ter acesso ao mundo das ideias. Sendo assim, todos os fenômenos da natureza são meros reflexos das formas eternas.  Só que a maioria das pessoas está satisfeita apenas com os reflexos, com o mundo dos sentidos. (Gaarder, 1995, p. 93)

O filme mostra também que o corpo não vive sem a mente, portanto, tudo que é vivido no mundo cibernético, o corpo sente de verdade, tudo está interligado. As máquinas engolem os homens, num mundo irreal e ilusório.

O avanço do processo tecnológico e à revolução industrial permitiu a manipulação das massas, que impôs a sociedade de Matrix, uma experiência entre o dominador (a máquina) e o dominado (o homem).

A exploração da mão-de-obra humana adquire uma condição de escravo. Na Matrix o regime é cruel e o homem que deseja libertar-se deverá buscar a sua atualização como um programa que exige a sua evolução.

Na caverna de Platão ou na Matrix onde os personagens pensam que vêem como as coisas realmente são, eles estão iludidos e o intelecto é mais importante que os sentidos.

O gato que surge no filme é um dejá vù, conforme a teoria platônica, que é apenas uma recordação das formas.

O filme pode ser interpretado como um espelho da problemática do homem atual, que está à deriva, à mercê do mundo simulado, sem compromisso consigo e com qualquer moral. A opção pelo mundo virtual é a sua escolha, a sua viagem, a sua fuga junto aos paraísos artificiais.

O processo crescente da racionalização é um desencantamento do mundo, segundo o sociólogo Marx Weber. Já para Adorno, o desencantamento do mundo não é a lei da razão, mas o resultado do seu parcelamento, que é o homem inconciliável com a sua própria natureza e com os outros. A consequência será uma sociedade em que ninguém consegue ser reconhecido pelo outro, o indivíduo torna-se incapaz de reconhecer sua própria realidade. (Debord, 1994, p. 36)

O fenômeno da sociedade contemporânea está no jogo das aparências. Atualmente prefere-se a imagem, a cópia ao original, imagens que se tornaram objetos de contemplação; o sujeito contemporâneo quanto mais se contempla menos vive, quando mais tenta se reconhecer nas imagens dominantes, menos compreende a própria existência e o próprio desejo. (Gaarder, 1995, p. 138)

A instabilidade e a dinâmica complexa pela qual o sujeito é marcado atualmente é causada pela falta, pelo desamparo e pelo desencantamento com o mundo, que o leva a alienação. Ele torna-se espectro de si mesmo, como uma cópia do seu “eu” verdadeiro, que deverá ter uma nova disposição para se liberar da tirania das máquinas, para conferir uma realidade própria.

Ficha técnica:

Título: The Matrix

Título em português: Matrix

Direção: Andy e Larry Wachowski

Ano: 1999

Paises: EUA e Austrália

Gênero: ficção científica

Elenco: Laurence Fishburne (Morpheus), Carnie-Anne Moss (Trinity), Hugo Weaving (Agente Smith), Joe Pantoliano (Cypher), Keanu Reeves (Thomas)

Prêmios Oscar/Hollywood em 2000:

Melhor Edição

Melhor Som e efeitos sonoros

Melhor efeitos visuais

Referência bibliográfica:

1- DEBORD, Guy. A sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

2- GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da filosofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

3- Revista Mente & Cérebro – agosto/2000.

4- Platão. Coleção os Pensadores: Platão Vida e Obra. São Paulo: Nova Cultural Ltda, 1999.

DVD – Trilogia Matrix - 1999

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