NO TEMPO DAS DILIGÊNCIAS E A MONTAGEM: O FAROESTE DE JOHN FORD


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O cineasta John Ford (1894-1973) diretor norte-americano pode ser considerado o pai do western. Ele soube retratar o oeste selvagem e ao mesmo tempo criar personagens com um perfil heroico e desbravador e que encarnavam os valores americanos.
Neste período os filmes de faroeste americano eram voltados para o público masculino e com características do consumo e do descartável, até o filme de Ford chegar até as telas e fazer grande sucesso. O filme No tempo das diligências trata-se de uma viagem de uma diligência, que é uma carruagem puxada a cavalos e que servia para transportar passageiros.
No filme as pessoas de várias classes sociais dividem o pequeno espaço da carruagem. Eles têm que enfrentar os ataques dos apaches e vê suas vidas em perigo mas Ringo, interpretado John Wayne, é o herói que chega para salvá-los dos índios, numa paisagem do Monument Valley, que é chamada também de “As quatro esquinas”.

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Além das paisagens com a natureza despontando entre rochedos, as personagens de Ford pertencem a uma mitologia, onde os personagens e sua grandeza ganham destaque neste filme. Os atores: Louise Platt, Thomas Mitchell, John Carradine, Andy Devine e Donald Meek brilham em suas interpretações. A atriz Claire Trevor interpretou magnificamente a prostituta Dallas.
O ator John Wayne tornou-se uma estrela de Hollywood após este filme, que fez sucesso, tanto quanto a parceria formada pelo ator e o diretor.


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John Ford e John Wayne

O filme cinematográfico é sempre dividido num grande número de partes separadas. O roteiro de filmagem também é dividido em sequências, que por sua vez, também é dividido em cenas e finalmente estas cenas são construídas a partir de planos filmados de diversos ângulos.
O objetivo é mostrar o desenvolvimento de cada cena e solicitar a atenção do espectador para trabalhar com as suas emoções. O efeito é realizado por meio da montagem das cenas quando a atenção do espectador for transferida corretamente de cena para cena.
Segundo o crítico Ismail Xavier existe uma lei da psicologia que afirma que uma determinada ação pode-se provocar uma emoção correspondente. (Xavier, 1983, p. 62)
O filme No tempo das diligências pertence ao período clássico do cinema de Hollywood onde o tempo é útil, ou seja, tudo é relevante e a câmera narra, através do olhar do diretor.

 CAPA No tempo das diligencias
Claire Trevor e John Wayne


A estrutura do filme é formal e é divida ordenadamente em oito episódios, sendo que, quatro cenas de ação se alternam com as quatro cenas de interação das personagens. A finalidade deste tipo de organização das cenas tem a finalidade de provocar o efeito hipnótico, ou seja, nada pode atrapalhar a experiência fílmica do espectador. Segundo o crítico André Bazin ele explica quanto a montagem:

Quanto à montagem, proveniente, como se sabe, principalmente das obras-primas de Griffith, André Malraux dizia, em Esquisse d´une pshychologie du cinéma [Esboço de uma psicologia do cinema], que ela constituía o nascimento do filme como arte: o que o distingue realmente da simples fotografia animada, faz dele, enfim, uma linguagem. A utilização da montagem pode ser “invisível”; é o caso frequente no filme americano clássico anterior à guerra. O único objetivo da divisão em planos é analisar o acontecimento segundo a lógica matemática ou dramática da cena. É sua lógica que faz com que essa análise passe despercebida; a mente do espectador adota naturalmente os pontos de vista que o diretor lhe propõe, pois são justificados pela geografia da ação ou pelo deslocamento do interesse dramático. (Bazin, 2014, pág. 96)

Desta forma, este tipo de montagem com a divisão das cenas com base no interesse dramático é que dava o tom e sugeria a ocorrência da identificação e projeção no espectador em relação ao filme de Ford. Bazin explica que:

No tempo do cinema mudo, a montagem evocava o que o realizador queria dizer; em 1938, a decupagem descrevia; hoje, enfim, podemos dizer que o diretor escreve diretamente em cinema. A imagem e a sua estrutura plástica, sua organização no tempo, apoiando-se em um maior realismo, dispõe assim de muito mais meios para redirecionar e modificar de dentro a realidade (...) Se o essencial da arte cinematográfica consiste em tudo o que a plástica e a montagem podem acrescentar a uma realidade dada, a arte muda é uma arte completa.

A decupagem "invisível”, segundo Bazin, não dá conta de todas as possibilidades da montagem e ele diz que, em contrapartida, elas podem ser perfeitamente apreendidas em três procedimentos conhecidos geralmente pelo nome de "montagem paralela", "montagem acelerada" e "montagem de atrações".

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                                           Claire Trevor, John Carradine e John Wayne



A montagem é um dos instrumentos de efeito mais significativos ao alcance do técnico e por extensão, também do roteirista. (Xavier, p. 58)


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O diretor John Ford


Segundo Bazin: “O sentido não está na imagem, ele é sua sombra projetada pela montagem, no plano de consciência do espectador”. (Bazin, 2014, pág. 96)


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 Lucy (Louise Platt)


Analisando a realidade, a montagem supunha, por sua própria natureza, a unidade de sentido do acontecimento dramático. Sem dúvida, outro encaminhamento analítico seria possível, mas então teria sido outro filme.
Em suma, a montagem se opõe essencialmente e por natureza à expressão da ambiguidade, segundo Bazin. O cineasta é somente o concorrente do pintor e do dramaturgo, mas se iguala enfim ao romancista. (Bazin, 2014, Pág. 112)
John Ford foi o diretor que seguiu a linha clássica no cinema de Hollywood e deixou a sua marca em outros cineastas. Ele teve êxito em seus filmes como No tempo das diligências, ao montar o filme com a própria câmera. A intenção do diretor era evitar que os estúdios fizessem a montagem e destruísse a forma de continuidade que ele gostaria de mostrar e provocar o espectador.
Outros elementos que compõem a sua estrutura cinematográfica, além da montagem seria o aspecto plástico da imagem, que Bazin explica:

No cinema de 1920 a 1940 duas grandes tendências opostas: os diretores que acreditam na imagem e os que acreditam na realidade. (...) Por “imagem", entendo de modo bem amplo, tudo aquilo que a representação na tela pode acrescentar à coisa representada. Essa contribuição é complexa, mas podemos reduzi-la essencialmente a dois grupos de fatos: a plástica da imagem e os recursos da montagem (que não é outra coisa senão a organização das imagens no tempo). No tópico “plástica” da imagem devemos incluir o estilo do cenário e da maquiagem, que de certo modo até mesmo o da interpretação, aos quais se acrescentam, naturalmente, a iluminação e, por fim o enquadramento que fecha a composição. (Bazin, 2014, pág. 96)

Portanto, tanto pelo conteúdo plástico da imagem quanto pelos recursos da montagem, a maquiagem e o cenário eram tão importantes, cito como exemplo, o cenário escolhido por Ford: o deserto. Ele escolheu o deserto do Monument Valley nos EUA como o cenário oficial de seus filmes de faroeste. O espaço do deserto divide as regiões de Utah, Colorado, Novo México e Arizona, cujo cenário natural acompanhará Ford em seus filmes posteriores.


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O Monument Valley 
o espaço cênico de John Ford


Quanto ao som, o primeiro western de Ford sonorizado No tempo das diligências, segundo Bazin:

O som só poderia, no máximo, desempenhar um papel subordinado e complementar: como contraponto à imagem visual. Mas esse possível enriquecimento, que no melhor dos casos só poderia ser menor, corre o risco de não ter muito peso no preço do lastro de realidade suplementar introduzido ao mesmo tempo pelo som como ocorre no western (No tempo das diligências [Stagecoach de John Ford, 1939]) (Bazin, 2014, pág. 99/100)

O cinema clássico de Hollywood dispunha de todo um arsenal de procedimentos para impor aos espectadores sua interpretação do acontecimento representado.



O FIGURINO DO CAUBÓI: O JEANS A PEÇA FAVORITA


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John Wayne e o seu figurino


No tempo das diligências, o personagem Ringo veste jeans com a boca da calça enrolada por fora das botas. Ele também usa suspensórios do tipo militar e um lenço em torno de seu pescoço, que completa o look do caubói. O ator faria deste “uniforme” a sua marca registrada.



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Em 1938 havia dois estilos distintos de vestuários empregados nos filmes de faroeste, sendo que, um era originalmente derivado das exuberantes roupagens usadas por figuras na vida real e no oeste americano. (Buscombe, 1996, p. 09)
As jaquetas com pele de veado com franjas, botas de cano alto e cabelos pela altura dos ombros retratavam os caubóis. O estilo alcançou o auge na década de 20 com Tom Mix, cujos trajes eram cheios de floreios, que passaria a ser o figurino adotado pelos cantores-caubóis do final dos anos 30.


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O ator Tom Mix


O cinema foi importante na disseminação do jeans e até os anos 30, o tecido feito de denim era peça exclusiva do guarda-roupa masculino. A primeira cena de mulheres chiques usando denim surge no filme A mulher (George Cukor,1939).
As roupas e penteados das mulheres eram semelhantes à moda da época que o filme retrata, conforme Thelma Courtermarsh do departamento de guarda-roupas do estúdio Walter Wanger onde o filme No tempo das diligências foi concluído.


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Claire Trevor


Na diligência de Ford formam-se alianças, mas também se desenvolveram algumas rivalidades.
As vidas dos personagens que entraram naquela carruagem com certeza não foram mais as mesmas quando chegaram ao seu destino, a cidade de Lordsburg, no Novo México.
O filme de Ford mostra a beleza do deserto do Monument Valley que ficou famoso por causa de seus filmes, mas fica a pergunta: “Era o oeste como realmente era?”
O cineasta criou o filme do velho oeste em homenagem ao ator Tom Mix que faleceu de um acidente de automóvel em 1940.
Podemos observar que o trabalho de Ford neste filme preocupou-se não tanto com os acontecimentos em si, mas os efeitos sobre as emoções dos personagens para que o espectador pudesse “entrar” naquela diligência. Segundo Bazin o filme é o equilíbrio perfeito do social e do psicológico.
O filme baseado no conto A diligência para Lordsburg de Ernest Haycox é o exemplo clássico de Hollywood e a sua estética amadurecida.
Na comemoração dos 50 anos do filme em 1989, o Serviço Postal Americano imprimiu Nos tempos das diligências num selo junto com O mágico de Oz e E vento levou.



Ficha técnica:
Título original: Stagecoach
Título no Brasil: No tempo das Diligências
Direção: John Ford
Ano: 1939
País: EUA
Gênero: western
Fotografia: Bert Glennon
Atores principais: John Wayne, Claire Trevor, Thomas Mitchell, John Carradine e Luise Platt.





Referência bibliográfica:

1-BAZIN, André. O que é cinema? São Paulo: Cosac Naify, 2014.
2-BUSCOMBE, Edward. No tempo das diligências. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.
3-XAVIER. Ismail. A experiência do cinema: antologia. Rio de Janeiro: Edições Graal:Embrafilmes, 1983.

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