Psicanálise e cinema: o delírio da autoridade paterna no filme O Farol
“Eu
subia, subia, sonhava, pensava – mas tudo me oprimia. Era como um doente
prostrado por seu atroz suplício e que um sonho ainda mais atroz desperta
novamente do sono”
(Assim falou Zaratustra – Nietzsche)
Rosângela Canassa
O
drama de Robert Eggero, O Farol
(2020) foi ambientado no final do século XIX e se passa em uma ilha na
Inglaterra. O marinheiro chamado Ephraim Winslow (Robert Pattinson) chega ao
local para ser auxiliar do veterano faroleiro Thomas Wake (Willem Dafoe), que é
responsável pelo farol da ilha. Os dois personagens estão isolados num espaço
tumultuado por aves e gaivotas famintas e quando chega uma forte tempestade,
eles acabam sendo impedidos de continuar o trabalho e ficam presos no
acampamento.
Os
atores contribuem com a sua mis en scène
com gestos exagerados tentando se equilibrar na ordem, mas eles ignoram a
moderação e o limite, rompendo assim com o mundo organizado de Thomas e suas
tarefas diárias.
A
sereia representa um elemento alucinatório de Ephraim, que pode simbolizar o
feminino maléfico, que seduz e atrai numa armadilha de destruição da paixão e
suas ilusões. A cena lembra o personagem Ulisses na Odisséia que tampa os ouvidos com cera para não ouvir o canto da
sereia quando está no seu navio.
Em suas fantasmagorias ele é o homem que grita a sua impotência diante da situação como na pintura de Munch e depois ele assume uma postura de revolta.
Em
Freud, a figura do pai é ao mesmo tempo o progenitor e o devorador de seus
filhos (como Cronos na mitologia grega). O impedimento do gozo dos filhos
(castração) representa o pai primevo na psicanálise, que simboliza “ordem das
ordens”. O pai primordial é o pai
anterior ao interdito do incesto, anterior ao surgimento da Lei, da ordem das
estruturas da aliança e do parentesco, em suma, anterior ao surgimento da
cultura. Eis por que Freud faz dele o chefe da horda, cuja satisfação, de
acordo com o mito animal, é irrefreável. Que Freud chame esse pai de totem
adquire todo sentido à luz dos progressos introduzidos pela crítica
estruturalista de Lévi-Strauss, sobre a qual vocês sabem que põe em relevo a
essência classificatória do totem.
Nesse
sentido, introduzimos a ideia da localização na fantasia de dois polos
distintos, que permitem retomar certas observações no filme que favorecem a
expansão de nossa compreensão na direção da cultura e do laço social. As culturas
podem ser consideradas como fundadas em laços fantasísticos e se poder postular
que, se diferem entre si de forma tão acentuada, isso se deve às estruturas
delirantes que lhes são próprias. Cada um percebe como por exemplo, a figura do
pai diferente como a visão do pai na percepção de meu irmão.
O
universo onírico de Ephaim se estabelece em cena somado a uma estética em que
prevalece a subjetividade, o psicológico, o inconsciente se juntando à luz, as
sombras e a escuridão como nos filmes expressionistas.
Os
pintores expressionistas se opuseram contra à rigidez e à repressão da
sociedade industrial e moderna e alguns deles em Dresden/Alemanha estavam
determinados a questionar as noções estabelecidas do papel mais amplo da arte e
se existia o mal no mundo, os expressionistas sentiam que ele deveria ser
retratado nas artes. Os efeitos de luz,
o cinza e o negro usados exageradamente no filme evocam a estética do movimento
expressionista alemão e a meu ver, o diretor de O farol bebeu desta fonte, com recortes de escadas, portas e
janelas focadas de forma não convencional e, que o distingue realmente da
linguagem expressionista. Os ângulos de câmera oblíquas: “que buscam um certo
mal-estar, na tentativa de traduzir o estado psicológico retratado em cena”
(Bergan, 2010, p.26).
No
pós-guerra na Alemanha o sentimento era de pessimismo que se refletiu nas
artes, na arquitetura, na música, no teatro e no cinema. E segundo Ismail
Xavier ele define como: “Ancorado na ideia de expressão como encarnação do
espírito na matéria, tal cinema não discursa, nem sequer fotografa o real, ele
tem visões” (Xavier, 2005, p. 85).
A
historiadora de arte Lotte Eisner defende que esta técnica no cinema que só deu
forma visível às fantasias do romantismo alemão do século XIX, cujas características
deste movimento são originárias do que ficou conhecido como o movimento Sturm und Drang (tempestade e ímpeto) e
que se contrapõe ao Iluminismo.
O
filme O farol apresenta em termos de
estética visual exagero das formas das imagens, com a acentuação dos efeitos
dramáticos do uso intenso do negro, das sombras e da luz como no cinema
expressionista.
O
roteiro do filme foi baseado nas histórias de marinheiros do escritor americano
Herman Melville (1819—1891), cujo sucesso foi o seu romance Moby Dick, publicado em 1851, com o
título de A baleia e não obteve
sucesso de crítica, tendo sido considerado o principal motivo para o declínio
da carreira do autor.
Referência
bibliográfica:
BERGAN, Ronald. Ismos: para entender o cinema. São Paulo: Globo, 2010.
XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico e a opacidade e a transparência. 3ª. edição.
São Paulo: Paz e Terra, 2005.
Ficha
técnica:
Título do filme: O Farol
Diretor: Robert Eggero
Ano: 2020
Principais atores: Robert Pattinson e
Willem Dafoe
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Fernanda Carvalho