CINEMA E PSICANÁLISE: BRINQUEDO PROIBIDO

CINEMA E PSICANÁLISE:

PANDEMIA E A SAÚDE MENTAL INFANTIL E O FILME BRINQUEDO PROIBIDO - A MORTE E O MORRER


Brigitte Fossey (Paulette) em Brinquedo proibido (René Clément, 1952)


Como falar do assunto a uma criança de 5 anos? Em tempos de pandemia como explicar para uma criança sobre a morte e o morrer?  Primeiramente é necessário entendermos a situação de dependência de uma criança pequena em relação ao seu cuidador/pais, a partir da Teoria do Apego de John Bowilby e posteriormente, cito como exemplo o filme Brinquedo Proibido (René Clément, 1952), que narra a história de uma menina de 5 anos que perde os seus pais e seu cãozinho durante um bombardeiro em Paris, quando ocorre a 2ª. Guerra Mundial.


A TEORIA DO APEGO

O fundador da teoria foi o psicanalista britânico John Bowlby (1907-1990). O estudioso da relação mãe-bebê foi influenciado por dois autores: Konrad Lorenz e Harry Harlow, cuja teoria menciona que os mamíferos dependem da proteção de outro ao nascer para poder sobreviver. As mães que são insensíveis aos sinais de seus bebês talvez porque estejam preocupadas com outras coisas, ignoram seus bebês ou interferem em suas atividades de uma maneira arbitrária ou, simplesmente, os rejeitam e tendem a fazer com que as crianças sejam ansiosas, infelizes e difíceis. A teria postula também sobre a necessidade de segurança, considerada um desejo humano universal. Os signos de comunicação inatos do bebê são logo acolhidos pela mãe. 

Os seres humanos nascem com uma incapacidade de regular suas emoções. O que quer dizer isso? Que mais que o ser humano não consegue regular ao nascer?  Para conseguir regular suas emoções ele depende de outros seres humanos, na presença contínua e recíproca que se inscreverá na relação de apego. É na relação de apego que se registrará as primeiras emoções reguladas. Durante o primeiro ano de vida o bebê solicita a função reguladora do sistema de apego recíproco e constrói as representações mentais, que tomam forma nas respostas específicas da figura de apego.

As representações mentais são tanto de si mesmo quanto da relação com os outros e servirá para interpretar as figuras protetoras e possibilita a percepção das ações e intenções dos outros. Essa percepção tem componentes cognitivos e afetivos. Os MIO (modelo interno operante) podem ser construídos de maneira positiva ou negativa, é o que resta psiquicamente das relações de apego.

O retraimento relacional e a depressão precoce na criança surge como um comportamento de defesa, que aparece no repertório do medo, por oposição ao Flight or Fight, do combate a fuga.


Os três tipos de apego principais:

1. Apego seguro: o indivíduo está confiante que seus pais estarão disponíveis.

2. Apego resistente ou ansioso: o indivíduo se mostra incerto quanto à disponibilidade, à possibilidade de receber resposta, mesmo de seus pais, caso necessite. Por causa disto, ele tende a ficar “grudado” e a ficar ansioso quanto à exploração do mundo. Aqui há ameaças de abandono.

3. Modelo ansioso com evitação: não espera obter nenhuma ajuda, espera ser rejeitado.  Cada modelo tende a persistir com o passar dos anos.


Segundo o criador da teoria o transtorno pós-traumático, diante de uma catástrofe, os indivíduos irão reagir de forma diferenciada. A capacidade de mobilizar recursos internos e externos lhe permitirão lidar com as sequelas psíquicas decorrentes do trauma. A segurança do apego será um dos elementos protetores do desenvolvimento dos problemas decorrentes do stress pós-traumático (vivências da cena, sintomas e evitamento, isolamento social, sintomas vegetativos, etc.). Certos fatos são incontestáveis: perda das figuras parentais na infância são fatores de risco para uma série de problemas mentais (depressão, ansiedade e personalidade antissocial).


Segundo Bowlby:

Cuidados maternos e saúde mental (...). Dentre os mais significativos avanços da psiquiatria, neste último quarto de século, acha-se a crescente comprovação de que a qualidade dos cuidados parentais que uma criança recebe em seus primeiros anos de vida é de importância vital para a sua saúde mental futura (Bowlby, 2019, p. 11).


Segundo Bowlby, há três tipos de circunstâncias que podem colocar em um maior risco de sofrer depressão posteriormente como a morte de um dos pais durante a infância:

1. A impossibilidade da criança não se desenvolver uma relação de segurança com as figuras parentais;

2. A perda da mãe antes da idade de onze anos;

3. É levado em conta, também, a qualidade dos laços que a criança tem após a perda dos pais.


Selma Fraiberg estudou um mecanismo análogo de “congelamento” (usual em bebês que sofreram maus tratos). Retraimento precoce: em que problemas psicológicos relacionados: retardos do crescimento, depressões precoces, problemas de apego; stresse pós-traumático; depressão precoce (tal como vimos a depressão anaclítica do Spitz ou nas formas mais tardias e problemas de carência afetiva ou separações.

As epidemias dizimam muitas vidas e a morte dos pais de uma criança pequena pode causar sérios danos psíquicos como mostra o filme BRINQUEDO PROIBIDO (René Clément, 1952). O filme é um dos grandes sucessos do cinema francês dos anos de 1950, que conta a história de uma criança de 5 anos interpretada por Brigitte Fossey (Paulette), que fica órfã de pai e mãe mortos num ataque aéreo nazista, quando fogem da cidade de Paris.


O cachorrinho de Paulette também morre e ela fica perambulando pelas ruas da cidade com o animal morto nos braços tentando encontrar um lugar para enterra-lo, ao qual o diretor dá uma dimensão poética a uma situação indescritível. A narrativa também revela como a criança vai lidar com a morte dos pais e de seu cão através de sucessivas tentativas de enterro do animal como se ela dissesse: “Vou enterrar meu cachorrinho agora e ele vai se levantar de novo na primavera, junto com as flores”.

Assim, o desejo onipotente infantil desaparece o medo da morte e da perda de um ente querido e some a culpa; o medo subjacente, mas só enquanto não for fortemente despertado, conforme as doenças que podem surgir na vida adulta. 

O filme me trouxe muita angústia ao lembrar das mortes de adultos e crianças durante a pandemia no Brasil no ano de 2020. O episódio ainda não acabou e sabemos que teremos forças através de nosso poder de resiliência. Porém, as crianças que os pais levam para participarem de enterros (após os 6 anos de idade) de entes queridos irão entendendo como a morte e o morrer fazem parte da vida e elas precisam ir lidando com isso, aos poucos, como mostra Paulette tentando encontrar um significado na morte, em tempos difíceis na França.



Referências:

BOWLBY, John. Trilogia Apego e perda. São Paulo: Martins Fontes, 2019.

Kübler-Ross, Elisabeth. Sobre a morte e o morrer: o que os doentes terminais têm para ensinar a médicos, enfermeiras, religiosos e aos seus próprios parentes. 9ª. edição – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2008.



Ficha técnica do filme:

Título: Brinquedo Proibido

Diretor: René Clément

Ano: 1952

País: França

Elenco:

Amédée Francis (Gouard)

Brigitte Fossey (Paulette)

Denise Péronne Jeanne Gouard

Georges Poujouly (Michel Dolle)

Jacques Marin (pai) Georges Dolle



Postado em: 25/09/2020

Rosângela Canassa



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