Medusa símbolo contra a violência sexual feminina
MEDUSA NUA VIRA SÍMBOLO DO MOVIMENTO #MEETOO CONTRA A
VIOLÊNCIA SEXUAL
O site https://dasartes.com.br/ noticiou, em 06/10/2020,
sobre a Medusa da mitologia grega que virou símbolo de um movimento sobre
violência sexual. A escultura encontrou fama em 2018, após o ressurgimento do
movimento #MeToo e rapidamente se tornou um símbolo de resistência. Na
inauguração da estátua de Luciano Garbati (1973), o artista argentino mencionou
sobre as milhares de mulheres que escreveram para ele sobre a escultura,
explicando que muitos a consideraram catártica.
No dia 13 de
outubro de 2020, esta escultura apropriadamente intitulada Medusa com a cabeça de Perseu foi instalada em Nova York como um
símbolo de justiça para sobreviventes de abuso. Em exibição até 30 de abril de
2021, a estátua está localizada do lado de fora do tribunal onde Harvey
Weinstein estava sendo julgado por sua série de crimes sexuais contra mulheres.
Porém, quem
estuprou Medusa foi Poseidon e não Perseu, conforme demonstra a lenda. Acrísio,
rei de Argos, tinha ido a Delfos para consultar o famoso oráculo de Apolo, que
lhe predisse a profecia segundo a qual seria possível a vinda de um menino ao
mundo e que teria como consequência o assassinato do seu pai ou do avô. Como o
rei de Argos tinha somente uma filha, para fugir a tal profecia ele então aprisiona
a sua filha Dânae num aposento subterrâneo de bronze, construído sob o pátio do
seu palácio, a fim de evitar que ela pudesse engravidar e ter um filho, o qual
iria matá-lo mais tarde.
Mas isso não
bastou para impedir que Zeus, arrebatado pela beleza da jovem, penetrasse na
câmara, na forma de uma chuva de ouro e a fecundasse. E com a cumplicidade de
sua ama, Dânae dá à luz a um menino, que é chamado de Perseu e o mantém
escondido do avô.
Acrísio, contudo,
descobre o ocorrido e, não querendo acreditar na versão da filha, que afirmava
ter sido seduzida por Zeus, encerra-a com o menino numa arca e abandona-os no
mar, para livrar-se do neto e do risco de ser morto por ele. A arca vai dar na
ilha de Sérifo, onde os dois náufragos são recolhidos pelo pescador Díctis,
irmão de Polidectes, o tirano local.
Díctis hospeda
Dânae em sua casa e cria o menino. Enquanto isso, ele havia comentado o seu
desejo de que não via a hora de possuí-la.
Mas Perseu se
tornara um jovem muito belo e forte e mantinha a guarda cerrada em torno da
mãe. Polidectes inventa um estratagema para distrair Perseu e convida-o, junto
com outros amigos, para um jantar e pergunta a eles o que pretendem lhe oferecer
como presente de seu casamento com Hipodâmia. Todos respondem que o presente
adequado a um rei era um cavalo.
Perseu, criado por
um pescador, não podia fazer a mesma oferta e diz que, se Polidectes assim o
desejasse, iria trazer-lhe a cabeça da Medusa, uma das górgonas, que transforma
em pedra quem as contempla. O tirano aceita a oferta de Perseu, que parte
imediatamente, em busca do monstro. Mas ele era filho de Zeus, que nunca iria
deixar que seu filho morresse. Assim, ordenou aos deuses Atena e Hermes para
auxiliá-lo na sua missão.
Hermes presenteou
Perseu com a única espada que poderia cortar de uma só vez a cabeça da terrível
Medusa. Enquanto Atena deu a ele um escudo tão reluzente que podia servir de
espelho. Depois, o herói recebe também as sandálias aladas das ninfas, com as
quais ele poderia voar e o capacete de Hades (deus dos mortos), que o tornaria
invisível; também ganhou o saco mágico para colocar dentro a cabeça do monstro.
A cabeça decepada
da górgona, mesmo depois de decepada, ainda tem o poder de transformar em pedra
quem olhar para ela.
Perseu logo que
apanhou os apetrechos, partiu. Quando ele chegou à ilha das górgonas ele se
lança sobre Medusa, decapitando-a, enquanto a mesma dormia. Do pescoço da
Medusa saem os dois seres gerados pela união dela com Poseidon, o cavalo alado
Pégaso e Crisaor, o homem da espada de ouro.
Ao retornar para
casa, Perseu passou pela Etiópia, onde reinava Cefeu e descobriu que Andrômeda,
a sua filha, havia sido exposta como presa de um monstro marinho. De fato,
Cassiopéia, a esposa de Cefeu, ousara desafiar as Nereidas (deusas do mar) em
uma competição de beleza, vangloriando-se de ser a mais bela de todas.
As Nereidas
sentiram-se ofendidas e foram reclamar a Poseidon, que se enfureceu e mandou
uma inundação para devastar todo o território e enviou também o monstro marinho
que nadava ao redor da moça, a fim de devorá-la.
Perseu logo que
avistou Andrômeda acorrentada numa rocha, se aproxima da moça e ouve a sua
triste história:
“Meu nome é
Andrômeda e sou filha de Cefeu, rei deste país. Fui amarrada à rocha, pobre de
mim, porque preciso pagar por um delito que não cometi! Minha mãe, a rainha
Cassiopéia, cometeu um erro terrível, quis medir em beleza com as belíssimas
Nereidas, filhas de Nereu, o adivinho do mar. E não foi só isso, pois no final
ela brigou com elas, insistindo que era a mais bela de todas”.
Perseu ficou
imediatamente comovido e já estava apaixonado pela linda moça e queria muito
salvá-la para fazer dela sua mulher. Então, ele matou o terrível monstro do
mar. O herói, após assegurar-se de que a fera estava mesmo morta, soltou as
correntes que prendiam Andrômeda às rochas, tomou-a cuidadosamente nos braços e
foi deixá-la sobre terra firme, junto a seus pais, que a abraçaram e choraram
de emoção.
No dia seguinte,
preparam-se as núpcias no grande salão do palácio e todos se reuniram para
comemorar o casamento de Perseu e Andrômeda. Mas, a moça estava prometida ao
seu tio Fineu, que surgiu de repente para destruir a festa.
Perseu usou a
cabeça da Medusa contra os homens de Fineu que iam caindo mortos pelo chão, mas
ele trazia consigo um exército inteiro e a luta era ainda muito desigual, pois
caíram também os companheiros de Perseu.
Por último restou
o próprio Fineu, que, ao ver o mal que se abatera sobre seus companheiros, caiu
apavorado aos pés de Perseu e implorou que tivesse compaixão. O herói, no
entanto, mostrou-lhe na hora a cabeça da górgona e o transformou em pedra.
Assim, Fineu ficou petrificado na posição mais humilhante, a do guerreiro que suplica
que lhe poupem a vida.
Perseu desposou
Andrômeda, mas não quis prolongar sua permanência no palácio de Cefeu, pois
precisava voltar para casa e partiu com a esposa. Quando chegaram a Séfiros,
Perseu foi primeiro à procura de sua mãe e soube que Polidectes a mantinha
prisioneira.
Viu-o em um
terraço ao lado do palácio, a beber, comer e farrear com os amigos. Mal surgiu
Perseu, todos ficaram embasbacados. E para se vingar do tirano, o herói usou a
cabeça da Medusa transformando todos em pedra.
Depois de libertar
a sua mãe, fez de Díctis rei da ilha e em seguida, juntamente com Dânae e
Andrômeda, voltou para Argos. Assim que chegou, agradeceu a deusa Atena, que
tanto o havia ajudado e ofereceu a ela a cabeça da Medusa. A deusa aceitou e
pôs a oferenda em sua égide (couraça-escudo feita por Zeus com a pele da cabra
Aix).
Depois, o herói
tomou o rumo das ninfas e devolveu as sandálias aladas, o capacete de Hades e a
sacola mágica. Perseu queria rever o avô, Acrísio, o qual tendo sabido de sua
iminente chegada, refugiou-se em outro país. Lá ocorre um evento do qual Perseu
participa e arremessa o disco, golpeando involuntariamente um dos pés do avô,
que está camuflado em meio ao público, provocando a morte dele. E assim se
realiza o oráculo de Delfos.
Desconsolado pelo
acontecido, Perseu não ousa reclamar o reino, que era seu de direito e troca-o
pelo de Tirinto, do qual era rei seu primo Megapentes. O herói construiu uma
bela cidade chamada Micenas, onde viveu uma longa vida com sua família.
O herói começou tentando
salvar a sua mãe, mas acaba recebendo muito mais. Ele corresponde ao amor
materno, arriscando sua própria vida, auxiliado pelos deuses para poder
enfrentar a Medusa. E utiliza com sensatez e modéstia a sua força. Depois de
executar a Medusa ele oferece a cabeça desta como presente a Atena, que tanto o
auxiliou. A deusa deu a Asclépio dois frascos do sangue de Medusa. Venerado
como o fundador da medicina, Asclépio era habilidoso na cirurgia e no uso de
remédios. Ele usou o sangue do lado esquerdo de Medusa para levantar os mortos;
o sangue do lado direito que provocava a morte instantânea.
O fato de o sangue
de Medusa poder tanto curar como de matar demonstra que a figura da Medusa não
era estritamente negativa e destruidora, tendo em si as forças curativas
positivas, o que lhe dava equilíbrio. Desde a sua origem a Medusa simboliza o
inimigo que deve ser vencido.
Reinterpretadas ao
longo do tempo as górgonas evocam as deformações da consciência consideradas,
em Psicanálise, pulsões pervertidas. E para Adam McLean, podemos vê-las como
figuras guardiãs, protetoras das fronteiras dos antigos mistérios primais,
guardiãs do limiar. O autor cita Robert Graves, entre outros e sugere que as
sacerdotisas usavam na celebração dos Mistérios, máscaras de górgonas para
afastarem os não iniciados. Cabeças de górgonas, na forma de grotescos entalhes
eram colocadas com frequência nos muros das cidades gregas para aterrorizarem
os inimigos.
Medusa é um dos
monstros da mitologia clássica mais figurada na história da arte. E na arte
moderna ela só conserva a cabeleira de serpentes, numa demonstração de que o
uso da mitologia na arte não tem um fim exclusivamente ilustrativo. O olhar da
Medusa que petrifica e gera o medo traduz a difícil elaboração de conflitos
internos e Freud no seu intento de descobrir o mundo das mulheres recorreu a
figura híbrida da Medusa e publicou o seu texto intitulado A Cabeça de Medusa em 1922, para explicar o complexo da castração
feminina.
Na visão freudiana
o mito está relacionado à origem da sexualidade infantil da mulher e ele
interpreta como o genital feminino castrado, diferente do menino. As mulheres
com as cabeças de serpentes como Medusa, que para alguns autores a crença é de
que:
(...) os pelos
arrancados de uma mulher sob a influência lunar, transformam-se em serpente
(...). A figura da Medusa sugere a associação da vida, do desejo e da morte e
no aspecto do feminino inferior, a figura da Medusa é instintiva, tentadora e
mascarada. (Cirlot, 2009, p. 522)
Segundo a lenda,
Medusa quando era uma jovem bela, ela ousou afirmar que os seus cabelos eram
mais bonitos do que da deusa Atena e sofreu a punição da deusa, que a
transformou na mulher com os cabelos de serpentes e com o seu olhar
petrificador.
Os gregos
encontraram no mito de Medusa um ser que assusta e repele por ser castrada,
enquanto o observador do monstro fica rígido de tanto horror e transforma-se em
pedra.
Julgo que esta
figura mítica possui a bipolaridade do bem e o mal e são dois lados de uma
mesma moeda, simbolizando a duplicidade deste mito e do comportamento humano. Assim
sendo, o artista ao montar a sua estátua de Medusa, ela deveria carregar a
cabeça de Poseidon, seu estuprador, mas a górgona carrega a sua cabeça como um
troféu. Ele se rendeu a sua beleza.
Postado em 22/10/2020
Rosângela Canassa
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