A CAIXA DE PANDORA: AS DEUSAS E O FEMININO NO CINEMA - AS DÁDIVAS DAS DEUSAS GRECO-ROMANAS NO COMPORTAMENTO FEMININO ATUAL
A minha dissertação de Mestrado realizada junto a Universidade Estadual Paulista – Instituto de Artes - Programa de Pós-graduação em Artes Visuais intitula-se: A Caixa de Pandora: as deusas e o feminino no cinema (2006), trata-se da interpretação mítica e psicológica do enredo dos quatro filmes de cinema: Caixa de Pandora (D. W. Pabst, 928); Helena de Tróia (Robert Weise, 1955); e Kill Bill – Vol. 1 e 2 (Tarantino, 2003). Analiso o comportamento das personagens principais e estabeleço uma conexão com as seguintes deusas gregas: Pandora, Afrodite e Deméter, numa leitura da psicologia Analítica de Carl Gustav Jung.
O impacto
cultural do tema, já é revelado em 1929, quando o filme A Caixa de Pandora (Die Büchse der Pandora, no original) do diretor
alemão Georg Wilhelm Pabst, estrelado por Louise Brooks, serve-se do mito para
representar a história da sedutora personagem que, após matar o marido, é
chamada de Pandora durante seu julgamento (wikepedia – acesso 04/03/2021).
Na
Grécia antiga, as deusas eram figuras míticas dominantes no mundo agrário dos
povos primitivos. E quando você tem uma Deusa como criadora, o próprio corpo
dela é o universo. O feminino representa as formas da sensibilidade, ela é o
espaço e o tempo, e o mistério para o além. Como “deusa” pretendo exprimir a
descrição psicológica de um tipo complexo de personalidade feminina, que
reconhecemos intuitivamente em nós, nas mulheres a nossa volta, e também nas
imagens e caraterísticas que estão em toda parte em nossa cultura. Uma deusa é
um arquétipo feminino, que pode assumir no contexto de uma narrativa ou epopeia
mitológica. Quando sonhamos ou fantasiamos, nossa mente inconscientemente pode
recorrer às imagens arquetípicas comuns à nossa cultura, ao que Jung chamou de
“inconsciente coletivo”.
O autor
Joseph Campbell comenta que os mitos da Grande Deusa ensinam a ter compaixão
por todas as criaturas. Assim você chega a avaliar a verdadeira santidade da
própria terra, que é o corpo da Deusa. Segundo o mitólogo, a mulher dá à luz,
assim como da terra se originam as plantas. A mãe alimenta como o fazem as
plantas. A magia da mãe e da terra são a mesma coisa, porque relacionam-se. A
personificação da energia, que dá origem às formas e as alimenta é
essencialmente feminina (Campbell, 2008, p. 51).
E estas
imagens emanadas pelo inconsciente coletivo da grande mãe natureza pode surgir
no sonho e em vez de sonhar com uma rainha, como nos contos de fadas, podemos sonhar
com as seguintes deusas, sendo estas figuras mitológicas as mais expressivas
perante nossa cultura:
a) Atena,
filha de Zeus, o deus soberano, era a deusa invencível e guerreira. Dotada de incomparável
bravura, não deixava a prudência de lado. Dona de um bondoso coração tinha a
justiça como lema. É regida pela deusa da sabedoria e da civilização,
envolvendo-se com educação, cultura intelectual, justiça social e política. É
inspiradora das artes e protetora de todos os ofícios.
b) Afrodite
é a mais bela de todas as deusas e é considerada a deusa da luz, da beleza e do
amor. Representava a fecundidade da terra e da água. É regida pela deusa do
amor e está voltada principalmente para relacionamentos humanos, sexualidade,
intriga, romance, beleza e inspiração das artes.
c) Ártemis
é regida pela deusa das selvas; ela é prática, atlética, aventureira, aprecia a
cultura física, a solidão, a vida ao ar livre e os animais.
d) Deméter
é regida pela deusa das colheitas, ela é uma verdadeira mãe-terra que gosta de
estar grávida, de amamentar e de cuidar de crianças e está sempre envolvida com
todos os aspectos do nascimento e com os ciclos reprodutivos da mulher.
f) Perséfone,
filha de Deméter é regida pela deusa do mundo avernal (inferno), ou seja, ela
é mediúnica e atraída pelo mundo espiritual, pelo oculto, pelas experiências
místicas e visionárias e pelas questões ligadas à morte.
e) Hera
é esposa de Zeus. A mais bela das deusas depois de Afrodite. Dotada de uma
personalidade muito forte, era ciumenta. Modelo de mulher protetora da
santidade conjugal, a deusa é a imagem da esposa fiel, apoio das mães de
família. É regida pela deusa dos céus, ela se ocupa do casamento, da
convivência com o homem e sempre que as mulheres são líderes ou governantes de
questões ligadas ao poder.
As deusas selecionadas justificam a necessidade de comparação com o comportamento feminino atual, sob a ótica da Psicologia Analítica. Além disso, procuramos através das lendas, que relatam sobre as deusas, que percorrem o caminho que nos leva aos arquétipos, os mitos e as representações simbólicas presentes nas histórias.
O que
precisamos entender é que várias das deusas, em diversas combinações estão por
trás do comportamento e da configuração psicológica de toda mulher. Ao
contrário da astrologia dos signos solares em que cada indivíduo é definido
como sendo Áries ou Libra, aqui cada mulher é uma mistura complexa de todas as
deusas. O caminho é conhecer-se a si mesma mais plenamente como mulher e também
saber por qual das deusas se é primordialmente governada e estar ciente de como
cada uma delas influência as diversas fases e os diversos pontos de mutação de
nossa vida. Não podemos deixar de lembrar que os homens também são
influenciados pelas deusas, pois estas quase sempre certamente espelham as
energias femininas na psique masculina, embora, os homens vivenciem-nas como
exteriores a si próprios, ou seja, como mulheres pelas quais são atraídos ou
pelas quais se sentem fortemente provocados.
Em termos psicológicos, diríamos que os homens vivenciam as deusas projetando-as nas mulheres de sua vida e nas imagens específicas da mídia/atrizes de cinema, como por exemplo, que lhe causam prazer ou aversão. Todas as relações dos homens e das mulheres são determinadas por uma ou mais energias das deusas e pelos padrões arquetípicos específicos que pertencem a cada uma delas.
De
acordo com a teoria de Jung, as deusas são arquétipos, o que vale dizer que são
fontes verdadeiras daqueles padrões emocionais de nossos pensamentos,
sentimentos, instintos e comportamentos que poderíamos chamar de “femininos” no
sentido mais amplo da palavra. Portanto, é a dádiva da mulher, suas formas, que
dá vida e sabe de onde estas provêm, além do masculino e do feminino. Ela está
além de todas as categorias da mente e do pensamento.
A
autora, M. Esther Harding afirma que:
(...) se voltarmos para o
fundo da consciência, descobriremos que as ideias, como o mito dos primitivos,
formam a base dos sentimentos e estados de espírito do homem contemporâneo. Na
sua meditação, sonhos, poesia e fantasia, esses antigos pensamentos-sentimentos
possuem um poder indiscutível (...) (Harding, 1985, p. 08).
A autora
afirma que o espírito feminino é mais subjetivo, mais relacionado com
sentimentos e ressalta que o conflito entre o exterior e o interior é
usualmente mais devastador para as mulheres do que para os homens. É o animus
(uma porção masculina da natureza da mulher), que não foi trabalho, e que tem
sido uma característica tão marcante na mulher contemporânea. Essa mudança
afetou sua personalidade e causou transformações profundas na sua relação
consigo mesma e com os outros. Portanto, ela precisa recuperar sua identidade e
afirmar o seu direito de existir a seu próprio modo, vivendo e desenvolvendo a
sua personalidade, sem precisar espelhar-se no modelo masculino, sendo apenas
mulher.
Os
problemas de adaptação da mulher têm de ser necessariamente tratados e são os
princípios femininos e masculinos, que interiormente governam o seu ser,
respectivamente o anima e o animus e devem ser observados atentamente para o
encontro do equilíbrio entre estas duas energias psíquicas. O processo
terapêutico envolvendo a Psicologia Analítica pode auxiliar a mulher nestas
questões de sua individuação.
Perséfone
As
tentativas de realizar o processo de individualização, que consiste na
dialética entre o ego e imagens do inconsciente, obtém-se atravessando várias
etapas, integrando opostos e, através desse embate, chega-se à
individualização, o que significa cada um tornar-se o indivíduo que realmente
é, um ser rascunho original, conclui Nise da Silveira.
Segundo
a Dra. Nise da Silveira (1981, p. 12), vivenciar os símbolos é realizar um
diálogo, onde a experiência do processo é mais importante do que sua
interpretação. Esse diálogo com os símbolos por meio dos sonhos, artes, mitos,
etc. O que permite a integração de aspectos da razão intelectiva e da intuição
afetiva. A compreensão da significação do símbolo em um sonho, ou seja, uma
imagem onírica ou uma pintura, gera-se efeitos por toda a vida do indivíduo,
permitindo que este atualize a experiência quando a psique ansiar por isto e
não somente no momento em que alcançou sua significação.
Através
de toda a obra de Jung encontramos inúmeras leituras de imagens, sejam de
sonhos, visões, desenhos, pinturas, sempre estudadas em série, pois essas
imagens são auto representações de transformações energéticas, que obedecem a
leis específicas e seguem direção definida. As deusas podem ser um referencial
à mulher de hoje, pois é um instrumento revelador. E ao aprofundarmos nos seus estudos,
bem como, os conflitos da mulher contemporânea podemos reeditar as situações,
que não muito diferentes da mulher de hoje.
O
comportamento feminino atual se esconde e só se revela quando compreendido numa
dimensão mais sutil e simbólica e todo o ser humano tem dificuldade de enxergar
além do que vê, e pela sabedoria dos mitos e as deusas, percorremos o caminho
da mitologia greco-romana, trazendo-os a atualidade.
Considerações finais,
A
importância do tema abordado na pesquisa: "A Caixa de Pandora: as deusas e
o feminino no cinema..." decorre da percepção de que as invenções
tecnológicas como o cinema, a TV e mais recentemente, a Internet corroboram na
comunicação e pulverizam modelos de comportamento feminino.
Os
valores nas sociedades modernas são transmitidos por diferentes canais de
comunicação e com a evolução da sociedade, novas formas de comunicação e
transmissão de experiências comuns à vida de todos os homens foram
desenvolvidas. Durante muito tempo, o teatro e a literatura foram as formas de
perpetuar essas experiências, mas com o desenvolvimento científico e
tecnológico, a partir do século XIX, foi possível expandir as possibilidades de
comunicação.
No
cinema, os irmãos Lumière, em Paris de 1895, conseguiram fixar a imagem numa
matéria muito especial feita de celulose e desenvolver a máquina de projeção da
imagem em movimento numa tela e estava descoberto o cinema. E, com a famosa
cena do "trem que chega à estação", convidam os espectadores, estupefatos,
a pensarem que a cena era real e o trem poderia esmagá-los na cadeira do
cinema. Depois chegou a TV e a imagem veio para dentro de casa, com toda a revolução
que ela provocou nos conceitos e métodos de comportamento.
Nesse
sentido, a Internet também provocou mudanças na medida em que nos revela
costumes, crenças e cultura de vários países, formando um painel singular onde
o nosso olhar pode pairar e escolher a melhor forma de nos comunicarmos com o
mundo. Tomando a experiência do cinema e a psicologia como paradigma, a
proposta desta pesquisa de aproximação com os mitos gregos, a ficção pode nos
revelar um conjunto de valores espirituais e comportamentais, guardadas as suas
próprias características, que servem como modelos para o homem/mulher contemporânea.
BIBLIOGRAFIA
CANASSA. Rosângela D. A caixa de pandora: as deusas e o feminino no cinema. Dissertação (mestrado) UNESP – 2006. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes, 2006. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/87014>. Acesso em 02/03/2021.
Postado
em 02/03/2021
Autora:
Rosângela D. Canassa
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