MADRES PARALELAS: MÃES DE PRIMEIRA VIAGEM
O novo longa de
Pedro Almodóvar ‘Madres Paralelas’ volta ao universo feminino, à maternidade, à
família e: “como contador de histórias de mães imperfeitas que me inspiram mais
neste momento. Penélope Cruz, Aitana Sánchez Gijón e a jovem Milena Smit farão
as três mães do filme, acompanhadas por Israel Elejalde como protagonista
masculino. E também uma nova colaboração com as minhas queridas Julieta Serrano
e Rossy de Palma. Falo da importância dos ancestrais e descendentes. A
inevitável presença de memória. Há muitas mães na minha filmografia, as que
fazem parte dessa história são muito diferentes”.
Em Madres
Paralelas (2022) quem comanda é o feminino protagonizado por Penélope Cruz, a
maternidade e as mulheres imperfeitas buscam estratégias de resistência na vida
ou se reinventam. A performance feminina de suas personagens serve para
combater as injúrias e a violência contra elas mesmas.
As mães de
primeira viagem, com seus comportamentos insólitos ilustrados pela linguagem
cinematográfica do diretor que demonstra como nem as todas as mulheres nascem
com o instinto materno, que isso é um mito. A visibilidade das identificações
do materno são construídas ou não com a vivência da própria maternidade e são
desvinculadas de uma noção do social.
As personagens
fora da norma guardam um quê do próprio Almodóvar e suas performances mimetizam
não só num tipo de mulher. Madres Paralelas apresenta a maioria dos elementos
do melodrama como o ciúme, os sentimentos de posse, medo, culpa envolvendo a
troca de bebês na maternidade.
Nos seus
roteiros, Almodóvar continuamente acercar-se de suas memórias, projetando nos
filmes suas reminiscências como um testemunho da sua vida infantil. E assim ele
consegue realizar múltiplas construções de si mesmo, onde se encontra a sua
maior característica fílmica, que é a dimensão do que é ser autêntico ao trazer
de volta a figura de Franco.
O franquismo
havia reprimido as identidades individuais dos cidadãos da Espanha fazendo com
que cada um fosse um fantoche, um títere, que testemunhava a profunda violência
cometida contra a população e o silêncio da expressão da arte, do cidadão onde
a censura era praticamente cotidiana.
Almodóvar em
entrevista no lançamento do filme: “Quando começamos a trabalhar neste filme,
este tema ainda não era muito falado pela imprensa. Houve uma lei – da Memória
Histórica – criada em 2007 pelo Zapatero, mas era muito incompleta. E todas as
abordagens ao tema vieram da esfera privada e não estatal. Queria dar
visibilidade a este assunto, depois de 85 anos. Até que se pague essa dívida
com os desaparecidos e não podemos encerrar definitivamente este tema da nossa
história recente e tudo o que aconteceu na guerra civil. (…) Agora é a geração
dos netos e netas que pedem a exumação dos avós e bisavós. Isto surpreendeu
muito as pessoas da ONU que vieram a Espanha para investigar sobre este
problema, em 2014”.
Segundo o
cineasta, eles não entendiam como foi que uma geração já nascida durante a
democracia perguntou pelos seus antepassados. A explicação é sensível: durante
toda a ditadura as pessoas afetadas tinham muito medo e esse medo tornou-se em
algo patológico que as impediu de falar. Nas casas espanholas, nunca se falou
da guerra. Era algo que tinha traumatizado a sociedade. E mesmo quando chegou a
democracia em 1978 não foi fácil, com a lei da anistia. Esta lei ajudou os
espanhóis a darem os primeiros passos para a democracia, mas condenou os mortos
e desaparecidos à não existência, como Franco já o tinha feito.
A história
ancestral da Espanha conta com a Inquisição, a violência, assassinatos,
estupros e torturas na ditadura de Francisco Franco, que atuou como chefe do
Estado e presidente, no período de 1936 a 1975. Segundo o historiador francês
Marc Ferro, o cinema pode ser analisado como um instrumento de pesquisa para a
reconstrução do passado e comenta que a percepção social do filme no contexto
no qual se apresenta pode recuperar a memória coletiva do período estudado, não
só reflete a realidade, mas revela a realidade, inclusive de maneira indireta e
além da vontade de seus criadores. Assim, um filme, particularmente de ficção,
é importante tanto pelo que diz como pelo que oculta e tem um valor de
documento histórico. (Mascarello, 2009, pág. 409/426).
O Golpe de Estado
na Espanha em julho de 1936 contra o governo democrático da Segunda República
que desembocou na Guerra Civil Espanhola. A consequência foi a sua nomeação
como chefe supremo da Espanha até o seu falecimento em 1975, após passar por
uma longa doença num hospital de Madrid.
Ao contrário de
Hitler e Mussolini, o governo do ditador resistiu à Segunda Guerra Mundial. Ele
mantinha relações com ambos os ditadores. O país estava industrialmente
atrasado e com a crise econômica ele criou um estado católico, autoritário e
corporativo que recebe o nome de franquismo.
Franco não se
constituiu em personagem mítico de ficção até o final da Transição e a chegada
ao poder do Partido Socialista Operário Espanhol, em 1982. A figura do Caudilho
foi reinventada dentro de um tom sarcástico, que não excluiu o drama. Neles, o
protagonista da trama já não é Franco, mas esse “outro”, que se vê imerso na
tragédia por culpa do General e que pode chamar-se Paulino ou Longinos. Os atores
que dão vida ao ditador agora (José Soriano ou Juan Echanove) ultrapassam em
importância.
Após o final da
era socialista e da chegada ao poder da direita com o triunfo eleitoral do
Partido Popular nas eleições de março de 1996, o personagem de Francisco Franco
se a linha da comédia, que intensificou o humor até cair na paródia e chega a
ser um indivíduo de piada e assim se mostra em Operación Gónada (Daniel
F.Amselem, 2000) ou Buen viaje, Excelencia (Albert
Boadella, 2003), mesmo que neste último caso se impõe o olhar crítico.
A filmografia de
Pedro Almodóvar costuma estar secretamente conectada. Em Abraços Partidos
(2009) já aparecia um cartaz de Madres Paralelas, cujo embrião rondava a cabeça
do cineasta espanhol.
Segundo o
diretor:
“Era a história
de duas parturientes que se conheciam no hospital e que depois, por uma série
de circunstâncias, buscavam uma à outra. O desenvolvimento de uma parte da
história não deu certo, eu não gostava, e a deixei de lado; mas a semente
ficou.” Quando começou a pandemia, Lola García, seu braço direito, sugeriu-lhe
que terminasse aquele roteiro. “Ela conhece a fundo tudo o que tenho armazenado
no meu computador, além de ser a única que entende minha letra e minhas
correções. Seu vínculo com meus roteiros é muito estreito. Ela me incentivou a
escrever Julieta e agora Madres Paralelas.”
https://brasil.elpais.com/eps/2021-09-02/almodovar-e-as-feridas-de-guerra.html?prm
Ficha técnica:
Título: Madres
paralelas
Diretor/roteirista:
Pedro Almodóvar
Ano: 2022 (no
Brasil)
Música composta
por: Alberto Iglesias
País: Espanha
Principais
atores: Penélope Cruz, Aitana Sánchez Gijón e a jovem Milena Smit
Prêmios: Volpi
Cup de Melhor Atriz, National Society of Film Critics Award de Melhor Atriz.
Indicações: Oscar de Melhor Atriz, Leão de Ouro.
Fonte: baseado na
minha tese de doutorado: As mulheres no cinema de Pedro Almodóvar Caballero e a
reinvenção do melodrama hollywoodiano (Mackenzie, 2018).
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