Análise do filme “Brilho de uma Paixão” e a história do cavaleiro sem armas

Abbie Cornish (Fanny) e Bem Wishaw (John Keats)



O filme Brilho de uma paixão, com direção de Jane Campion (O Piano), produzido em 2009 (Austrália, França e Reino Unido), apresenta os principais atores: Ben Wishaw (Keats) e Abbie Cornish (Fanny Brawne).
O poeta inglês John Keats (1795-1821), uma figura representativa durante o Romantismo fez sucesso somente após a sua morte, infelizmente. Ele era filho de família modesta e perdeu muito cedo os seus pais, sendo obrigado por seu tutor a aprender o ofício de assistente de cirurgião, o que levaria a trabalhar em dois hospitais. Mas, o jovem poeta desiste da medicina e tenta a literatura, escrevendo poemas, peças de teatro, etc.
O filme narra a história de John, em 1818, quando ele conhece Fanny Brawne, uma bela jovem estudante de moda e filha da senhoria da casa onde ele vai morar e os dois viveram uma grande paixão, castamente, no puritanismo inglês.
Fanny criava as próprias roupas que vestia, era culta, mas não gostava de poesias.


Fanny



Quando o irmão dele adoece, Fanny oferece seus cuidados e John se aproxima da moça e se oferece para ensiná-la poesia. No início, John achava Fanny fútil, mas com o tempo, à medida que eles iam se conhecendo ambos desejavam permanecer mais tempo juntos. A paixão era contida e os poemas eram a forma de comunicação entre os amantes. As poesias de John tinham como musa inspiradora a própria Fanny, que acabou interessando-se em aprender poesia.


Fanny e John



No momento em que a mãe de Fanny e o melhor amigo de John descobrem o caso, já é tarde demais para tentarem desaconselhá-los a continuar o com relacionamento sem futuro. O casal mergulha num romance no qual a paixão é tão forte que ambos têm dificuldade em ficar separados. Quando o poeta viajava o casal trocava cartas e juras de amor eterno.


Fanny lendo uma carta de John



Eles sempre se encontravam em jardins, um paraíso artificial, que ambos criaram em torno deles, com o intuito de nada abalar a relação.
John com seu olhar melancólico refletia a morte que chegava então, ele liberava a sua sensibilidade nos poemas embasados na paixão pela vizinha. A sua musa inspiradora era uma mistura de anjo e rebeldia, ao contrariar a própria família que desejava que ela desistisse do poeta.
Fanny com sua aparente fragilidade respirava fundo e insistia em manter a relação, mesmo que durasse algumas semanas, considerando o estado de saúde de John que ficava cada vez prejudicada pela tuberculose que contraiu do irmão.
Fanny usava os cabelos presos em coques altos, modelo da era vitoriana que pregava uma beleza reprimida, enganava quem não conhecia a sua personalidade que era tumultuosa e romântica. Ela acabou se apaixonando por um cavaleiro sem armas, como a poesia intitulada: “A Bela Dama sem Piedade”, de John Keats:


Oh! O que pode estar perturbando você, Cavaleiro em armas,
Sozinho, pálido e vagarosamente passando?
As sebes têm secado às margens do lago,
E nenhum pássaro canta.
Oh! O que pode estar perturbando você, Cavaleiro em armas?
Sua face mostra sofrimento e dor.
A toca do esquilo está farta,
E a colheita está feita.
Eu vejo uma flor em sua fronte,
Úmida de angústia e de febril orvalho,
E em sua face uma rosa sem brilho e frescor
Rapidamente desvanecendo também.
Eu encontrei uma dama nos campos,
Tão linda... uma jovem fada,
Seu cabelo era longo e seus passos tão leves,
E selvagens eram seus olhos.
Eu fiz uma guirlanda para sua cabeça,
E braceletes também, e perfumes em volta;
Ela olhou para mim como se amasse,
E suspirou docemente. Eu a coloquei sobre meu cavalo e segui,
E nada mais vi durante todo o dia,
Pelos caminhos ela me abraçou, e cantava
Uma canção de fadas.
Ela encontrou para mim raízes de doce alívio,
mel selvagem e orvalho da manhã,
E em uma estranha linguagem ela disse...
"Verdadeiramente eu te amo."
Ela me levou para sua caverna de fada,
E lá ela chorou e soluçou dolorosamente,
E lá eu fechei seus selvagens olhos
Com quatro beijos.
Ela cantou docemente para que eu dormisse
E lá eu sonhei...Ah! tão sofrida!
O último dos sonhos que eu sempre sonhei
Nesta fria borda da colina.
Eu vi pálidos reis e também príncipes,
Pálidos guerreiros, de uma mortal palidez todos eles eram;
Eles gritaram..."A Bela Dama sem Piedade
Tem você escravizado!"
Eu vi seus lábios famintos e sombrios,
Abertos em horríveis avisos,
E eu acordei e me encontrei aqui,
Nesta fria borda da colina.
E este é o motivo pelo qual permaneço aqui
Sozinho e vagarosamente passando,
Descuidadamente através das sebes às margens do lago,
E nenhum pássaro canta.


John Keats conhecia a obra de Homero e era apreciador do ideal de beleza dos gregos e representava os mitos em seus textos. Com base na mitologia grega, em 1818, ele publicou o poema Endymion, uma alegoria ao amor e a beleza ideal. Para o poeta uma coisa bela é uma alegria para sempre.
A base do poema se refere à lenda grega de Endymion, um jovem pastor que Zeus coloca para dormir eternamente, com o objetivo de poder contemplar a sua beleza e juventude. A deusa Selene, apaixona-se pelo jovem.


A deusa da Lua e Endymion



Endymion (trecho)



O que é belo há de ser eternamente
Uma alegria, e há de seguir presente.
Não morre; onde quer que a vida breve
Nos leve, há de nos dar um sono leve,
Cheio de sonhos e de calmo alento.
Assim, cabe tecer cada momento
Nessa grinalda que nos entretece.
À terra, apesar da pouca messe
De nobres naturezas, das agruras,
Das nossas tristes aflições escuras,
Das duras dores. Sim, ainda que rara,
Alguma forma de beleza aclara
As névoas da alma. O sol e a lua estão
Luzindo e há sempre uma árvore onde vão
Sombrear-se as ovelhas; cravos, cachos
De uvas num mundo verde; riachos
Que refrescam, e o bálsamo da aragem
Que ameniza o calor; musgo, folhagem,
Campos, aromas, flores, grãos, sementes,
E a grandeza do fim que aos imponentes
Mortos pensamos recobrir de glória,
E os contos encantados na memória:
Fonte sem fim dessa imortal bebida
Que vem do céus e alenta a nossa vida.


KEATS, John. "From Endymion" / "Do Endymion". In: CAMPOS, Augusto de. Byron e Keats: Entreversos. Traduções de Augusto de Campos. Campinas: Editora Unicamp, 2009.


O SONO ETERNO DE ENDYMION



Selene e Endymion



Segundo a mitologia grega Endymion era um jovem pastor, portador de uma beleza perfeita, sendo que o próprio Zeus, senhor do Olimpo, encantara-se com a sua juventude e beleza. Prometera-lhe realizar o seu maior desejo e o pastor pediu a Zeus que não lhe tirasse nunca o que tinha de mais perfeito e valioso, a beleza rara de um simples mortal.
O grande Zeus realizou o desejo do rapaz com o sortilégio sarcástico dos imortais diante da curta vida humana. Numa tarde de verão, Zeus promete ao pastor que naquele dia quando adormecesse, jamais envelheceria e perderia a sua beleza.
Feliz, o pastor banha o seu belo corpo na fonte e a água molha o seu corpo perfeito. Ele adormece sob uma árvore e jamais iria acordar. Zeus o envolvera em um sono eterno, poupando-o assim, da velhice e da perda da beleza.
À noite, a deusa da lua chamada Selene surge e o seu brilho prateado inunda a terra de claridade, amenizando a escuridão da noite. Então, a deusa vê aquela figura adormecida e fica encantada com sua beleza. Ela aproxima-se mansamente para que ele não acorde.


Endymion



Emocionada, Selene contempla aquele rosto e não resiste, aproxima-se do rapaz, sente o cheiro de ambrosia a exalar daquele corpo e beija-lhe os lábios. O corpo dele está quente e pulsa normalmente, mas não desperta. Por fim, ela adormece ao seu lado. Então, todas as noites a deusa da lua desce do céu e permanece ao lado de seu amado na esperança de que um dia ele acorde.
Mas, Endymion adormece eternamente, com sua beleza e juventude, sempre com um sorriso nos lábios.
Selene, Diana ou Artemis (para os gregos) era irmã mais velha de Apolo e eram filhos de Zeus.
Diana é a mais casta das deusas e também representa uma fonte de inspiração aos artistas e poetas, por sua beleza e com a lua crescente na fronte.
Endymion não envelheceu e permaneceu jovem, porque morreu cedo, que foi uma dádiva de Zeus. O que ocorre é que o tempo e a beleza são inimigos mortais, de quem deseja a juventude eterna.
Keats que apreciava a beleza dos gregos morreu jovem e também permaneceu num estado de sono profundo, embalado por seus poemas e nos doces braços de sua fada Fanny.



•Ficha Técnica:
•Título inglês: Bright Star
•Diretor: Jane Campion
•Elenco: Abbie Cornish, Ben Whishaw, Paul Schneider, Kerry Fox
•Ano de produção: 2009
•País: Reino Unido / Austrália
•Duração: 119 min.

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