O MITO DE PICASSO E A DESCONSTRUÇÃO NA ARTE

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                    Banhista sentada – 1930 – MOMA

O artista espanhol Pablo Picasso (1881-1973) destacou-se em diversas áreas das artes plásticas e foi o responsável por toda uma mudança do pensamento estético do século 20, incendiando a imaginação de várias gerações e tornou-se referência obrigatória para se compreender a arte contemporânea.

Revolucionário, torna-se um descobridor constante de estilos. Desde o momento em que deixa Málaga, sua terra natal, em 1900, para se instalar em Paris, decide que não será mais um artista a gravitar na capital francesa. E se aplicou para isso. De forma diferente dos adolescentes da época, se surpreendia com as obras de Van Gogh e Toulouse-Lautrec, dos quais tenta descobrir toda a trajetória que fizeram na cor e como esperado, deixa-se influir por eles.

Paris ainda era conhecida como a “cidade luz” e a maior população de artistas por metro quadrado do planeta, quando Picasso passa a pintar telas com referências espanholas, mas com tratamento cada vez mais francês, que se revela na técnica apurada, linha definida, enfim, tudo dentro do melhor estilo que fervilha em Montmartre.

Disciplinado, aos 23 anos começa a ser conhecido, não só pela qualidade de seus trabalhos, mas também pela enorme e variada produção.

Picasso produz por momentos de inspiração e de 1901 a 1904, inventa a chamada fase azul, em que as telas são invadidas pelo traço negro e severo, envolvendo as figuras num espaço dominado por todas as nuances de azul e com ênfase aos elementos marginalizados pela sociedade.

Em mutação permanente, a partir de 1905, suas telas ganham suavidade, quando nasce a fase rosa, na qual as cores agora são mais esmaecidas e arlequins e cenas circenses dominam seu campo visual. Fascinado pela escultura negra, inventa formas ousadas modificando radicalmente qualquer leitura que se possa ter da arte até então.

Motivado pelo novo, inventa uma das telas emblemáticas da arte contemporânea: “Les Demoiseles d‘ Avignon” (1907), onde predomina a decomposição da realidade humana. As cores rosa e vermelho em suas obras ganham uma conotação lírica.

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Les Demoiseles d‘ Avignon

No vaivém das turbulências de sua criação, passa a estudar febrilmente os objetos e ao mesmo tempo desconstruí-los, quando lidera o cubismo, movimento que nasce na França de 1908.

Nada mais será como antes, e Picasso propõe na pintura o que o cinema colocara nas telas.

Com uma produção cada vez mais acelerada, disseca a figura humana para revelá-la em sua intimidade. Esse desdobramento sugere movimento e agora cabe ao expectador de forma interativa, juntá-lo como bem entender. A multiplicidade de fases de um mesmo objeto aparece simultaneamente no mesmo campo visual de suas telas.

Avesso a teorizar sua arte, Picasso raramente se propunha a definir sua produção. Costumava ficar furioso quando diziam que o cubismo seria passageiro. Para ele, se esse movimento fosse mesmo de transição, como queriam alguns críticos, ele dizia: “a única coisa que sobraria dele seria outra forma de cubismo”. Querendo os críticos ou não, o cubismo sobreviveu pelo menos no período de 1907 a 1913.

Como todos os pintores de sua geração, Picasso foi fortemente influenciado por Cézanne, o mestre da pintura francesa do século passado, e quem dá nome à primeira fase chamada cézanniana. A segunda é conhecida como analítica e acontece a partir de 1909, quando inicia análise profunda e meticulosa dos objetos, fragmentando as formas.

A partir daí, o mundo contemporâneo passa a conviver com a mulher de um olho só, que nem sempre tem a boca no centro da face e os perfis que mostram, ao mesmo tempo, os dois lados do rosto.

Picasso não se contenta em multiplicar os pontos de vista, vai mais longe e mostra a essência das coisas. Isso quer dizer que o que lhe interessa numa garrafa, por exemplo, é o cilindro contido em sua forma. A fase analítica dura só dois anos, de 1910 a 1912 e recebe o nome de sintética.

Cobiçado pelas mulheres que frequentam o circuito cultural do bairro de Montmartre, Picasso incendeia também a imaginação de um grupo de pintores reunidos em torno dele, no número 13 da rua Ravignon, conhecido como Bateau-Lavoir. O nome faz alusão ao conjunto de velhas casas de seu quarteirão e as encardidas embarcações do lavadouro do Sena. A vontade de chegar ao mercado fez com esses jovens se aproximassem da Galeria Kahnwleier, cujo dono era não só incentivador do movimento como também uma espécie de mecenas.

Depois da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), casou-se com a bailarina russa Olga Khoklova e com o muito dinheiro que ganhou com seu trabalho comprou o Castelo de Boisgeloup, onde dispunha de várias e vastas oficinas o que permitiu dedicar-se também à escultura.

A fase romântica, que denota um esmaecimento no arrojo anterior, emerge em 1923 e revela um Picasso sem o mesmo fôlego revolucionário, que só voltaria em cena com a força de 1928 a 1932, quando revela, publicamente, seus sonhos.

Sua obra-prima “Guernica” (1937), três anos depois, é em repúdio ao bombardeio da cidade basca durante a Guerra Civil Espanhola.

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Guernica

Picasso chegará a confessar, em 1944: “Eu não pinto a guerra porque não sou o tipo de pintor que, como um fotógrafo, vai à cata de um tema. Mas não há dúvida de que a guerra existe em meus quadros”.

De atitudes independentes, Picasso era dotado de vitalidade incrível e se permitia todo o tipo de liberdades. Militante do Partido Comunista Francês, combateu durante toda a sua vida pela liberdade e paz.

Homem extremamente sensual e sexualmente exigente até o ponto de se tornar um sádico, segundo o depoimento de Françoise Gilot, Picasso utilizou o rosto e o corpo de suas mulheres para traduzir, em sua obra, suas perplexidades como artista e as rupturas de linguagem.

Com 92 anos de idade, morreu em abril de 1973 e produziu freneticamente em várias técnicas: escultura, pintura, cerâmica, gravura, cenografia, tornando-se o ícone das artes plásticas deste século.

A força do mito de Picasso é o resultado da confluência de situações excepcionais, a extraordinária precocidade como artista, a longevidade criativa, o caráter multifacetado de suas obras, a vida afetiva tumultuada, repercutindo no desenvolvimento de suas obras, as opções políticas e das inúmeras obras-primas que deixou para a posteridade.

Todos estes aspectos estimulam o imaginário coletivo e fazem do mito de Picasso a expressão da arte moderna.

Referência bibliográfica:

SCHAMA, Simon. O poder da arte. São Paulo: Companhia das Letras, 2010

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