Freud e Jung: a doença e as paixões, um método perigoso

 

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Freud, Sabina e Jung

O filme relata a história do especialista em psicologia analítica, Carl Gustav Jung (1875-1961) e sua relação com Sigmund Freud (1856-1939), bem como,  a sua paixão por Sabina Spielrein (1885-1942), sua paciente.

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Jung, Sabina e Freud

 

Jung manteve um triângulo amoroso: ele, a sua esposa Emma e sua amante, Sabina Spielrein, por vários anos.

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Sabina (Keira Knightley)

O filme relata também sobre o rompimento de Jung com Freud. As relações estabelecidas entre eles constituem um dos eixos cruciais da história da psicanálise, que ressoam até hoje. Jung sentia profunda empatia com as ideias de Freud, apesar de ter divergências teóricas, em relação ao recalque e à sexualidade como causa primária.

 

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Freud e Jung

Eles se conhecerem em 1907, quando Jung entrou em contato com Freud e ambos estabeleceram uma estreita amizade, que durou até 1912.

No total foram 359 cartas trocadas entre eles. Elas mostram a passagem da admiração mútua às discordâncias que levaram à ruptura definitiva, em 1913. (revista Memórias da Psicanálise, 2009, p. 25)

 

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Jung (Michael Fassbender)

 

O motivo da separação foi o questionamento por parte de Jung do caráter unicamente sexual da libido e a questão da religião, sendo que ambos tinham diferenças teóricas.

 

JUNG: O CORPO É O ESPELHO DA ALMA

Quando Jung percebeu que eles tinham estas diferenças ele resolveu caminhar com suas próprias pernas e conseguiu fundar a Psicologia Analítica.

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Carl Gustav Jung

Jung era médico, mas era também um psicanalista e, como sua obra subsequente mostrou ele era um homem fascinado pelos mitos e pela pré-história. Esses tópicos ocupavam também o espírito de Freud e embora a sua atitude e interesse pela religião fossem muito diferentes dos conhecimentos de Jung, ambos estudaram a religião de um ponto de vista psicológico, que os aproximou dos estudos da alma. (Bettelheim, 1982, p. 62)

Jung desenvolveu as suas próprias teorias sobre os processos do inconsciente e sobre a análise de símbolos oníricos.

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Jung e a sua mandala

A obra de Jung foi construída em torno do conceito de arquétipo, que percebe o indivíduo e a cultura em função do Inconsciente Coletivo. Quanto ao Inconsciente Coletivo é permeado por mitos e símbolos, que são plenamente compreendidos, pois fazem parte da psique de todos os homens, conforme a teoria junguiana.

O objetivo de Jung com seus pacientes era de auxiliar o indivíduo, no seu processo de individuação, para desenvolver todo o seu potencial humano e criativo.

Ele criou o método de associação de palavras e ao observar quais palavras indutoras despertavam reações emocionais no paciente o processo visava descobrir qual o conteúdo emocional e inconsciente que estava afetando o paciente. Com o resultado de suas pesquisas formulou a teoria dos complexos. (Mednicoff, 2008, p. 27)

Embora Jung não tenha se utilizado de técnicas corporais em seus atendimentos clínicos, obteve, da observação de alterações nas reações fisiológicas frente a determinados estímulos, a base para alguns de seus principais conceitos, entre eles o de complexo.

Jung acreditava que não era somente a psique que sofria, nem somente o corpo, mas o indivíduo como um todo e a própria formação do ego, centro da consciência, que é posterior à formação do que se denomina ego corporal.

Em 06 de junho de 1961, Jung faleceu, aos 86 anos de idade, em sua casa, em Küsnacht, devido a um enfarte. Seu corpo foi cremado e as cinzas depositadas no túmulo da família, que ele mesmo projetou, com o brasão familiar e inscrições em latim, no cemitério da cidade. (Mednicoff, 2008, p. 39)

A Psicologia Analítica auxilia o paciente a entender que aquilo que pensamos ser alheios a nós e precisa ser negado constitui, na realidade, uma parte muito significativa de nós mesmos. O importante é reconhecê-lo para integrá-lo à nossa personalidade, em concordância com as teorias de Freud.

O CASO SABINA SPIELREIN

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Sabina Spielrein

 

A jovem foi internada no hospital onde Jung trabalhava, com 18 anos. Sabina pertencia a uma família rica, de origem judia. No seu prontuário consta o diagnóstico de histeria psicótica. A paciente revelava um comprometimento na questão de sua sexualidade derivada de traumas infantis (surras tomadas pelo pai). Jung consultou Freud a respeito da doença de sua paciente e tratava a mesma, pelo método que criou de associação de palavras, como mostra o filme.

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O tratamento de Sabina

Nove meses depois da internação Sabina mostrou-se perfeitamente bem e obteve alta. Ela matriculou-se no curso de medicina, no mesmo hospital em que ficou em tratamento psiquiátrico e se formou em 1911. Jung foi seu orientador. Posteriormente, Sabina ingressou na Sociedade Psicanalítica de Viena.

O filme nos mostra que a constituição da subjetividade do ser humano é composta das relações sociais e afetivas. Tal subjetividade se encontra num corpo biológico. E esse corpo é atravessado por um plano afetivo. Assim, a subjetividade é também incorporal, mas é matéria expressiva. A esse extrato incorporal da subjetividade, chamamos de afeto.

 

Freud e suas primeiras experiências com a Psicanálise

No início do século XX, Sigmund Freud propôs uma nova abordagem para a histeria, tratada como uma disfunção orgânica, na época. Para Freud, os sintomas da neurose tinham motivações inconscientes, que podiam ser investigadas por meio da análise da história de vida e do discurso das pacientes.

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Charcot e o tratamento com as histéricas, em Salpetrière

 

O corpo fornece o local onde tudo se processa tanto a nível biológico quanto psíquico. Não se pode falar em mente e corpo separadamente, um não existe sem o outro, e o que acontece com um trará reflexos ao outro. Logo, pensar nos afetos implica na imprevisibilidade dos encontros afetivos, nos seus diferentes modos de afeição, fazendo com que o sujeito pense na sua sexualidade dentro de uma ética do corpo.

Os indivíduos trazem uma demanda, na medida em que carregam em seus corpos, memórias de situações vividas ou presenciadas com muita dor e sofrimento, como no caso de Sabina. A terapia pode auxiliar o paciente em seus conflitos de modo que aquele que sofre pode adquirir uma compreensão de si próprio, de modo a deixar de ser impelido por forças desconhecidas e de origem da própria mente. O oráculo de Delfos sentencia: “Conhece-te a ti mesmo” o que significa trazer para o consciente o conteúdo alojado no inconsciente.

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Templo de Delfos

 

A histeria desconhece a anatomia, o sintoma histérico expressa uma outra realidade do corpo, na qual o braço paralisado não remete a uma lesão funcional, sendo expressão de um valor afetivo que lhe é conferido. A crise histérica, mal-estar sexual ou a crise da identidade sexual. (...) O corpo erógeno da histérica aponta para uma economia subjetiva corpórea. (Neri, 2005, p. 96)

Ou seja, existe um corpo libidinal que as palavras não traduzem o que este corpo quer dizer, mas que aparece na mulher e lança a enfermidade. Mas, também é importante salientar que Freud deu “atenção” às histérica e a psicanálise se inaugura através do feminino. Como dizia Lacan, “o caminho do inconsciente propriamente freudiano foram as histéricas que o ensinaram à Freud”. (Neri, 2005, p. 92)

Quanto à mulher, Freud reconhecia a força influente do feminino nas esferas religiosa e social, tais como as poderosas deusas veneradas pelos gregos, mas as deusas maternas foram usurpadas pelos deuses homens e assim “o matriarcado foi sucedido pela ordem patriarcal.” (Burke, 2010, p. 284)

 

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Sigmund Freud

Na Viena da época de Freud, a psicologia não era uma ciência natural, mas um ramo da filosofia; ela era principalmente especulativa e descritiva, de conteúdo essencialmente humanista. Só depois da II Guerra Mundial a psicologia em Viena saiu desse quadro de referência e mesmo então o processo foi lento, quando os psicólogos começaram a imitar os cientistas naturais em seus métodos de fazer ciência. (Bettelheim, 1982, p. 51)

Tratamento psíquico é o tratamento da alma, de seus aspectos mórbidos. Portanto, a psicologia é uma disciplina cujo foco é o estudo da alma. Quanto à Psicanálise é uma divisão especial desta disciplina.

Freud apresenta a sua teoria no filme: “Freud além da alma”, com direção de John Huston, de 1962.

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Freud Além da Alma (1962)

 

No início de sua carreira Freud teve dificuldade de convencer o meio científico de que um bebê tinha “sexualidade”. Depois ele precisou convencer novamente os seus colegas de profissão, a relação da causa da histeria feminina que era causada por traumas que causavam os problemas que apareciam no corpo da paciente. A origem do distúrbio era psicológica em não fisiológico. Depois, ele descobriu a teoria do enigmático dos sonhos, do ato falho e dos sintomas foram revelados por meio das associações livres, que é o método terapêutico adotado por ele para tratar seus pacientes.

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Freud e a esposa Martha

 

Assim como nos filmes de detetives, a Psicanálise também propõe a “escavar” lembranças, sonhos, lapsos e associações livres, que levam ao passado do paciente. Ao reconstituir a sua história o psicanalista se aproxima dos meandros da sua mente e traz à tona, os seus conteúdos inconscientes para o seu consciente, visando o tratamento para os distúrbios nervosos e psíquicos.

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Divã do consultório de Freud

O filme mostra também o consultório de Freud que contém muitos objetos da arqueologia, que ele mal podia caminhar. Na verdade, “o psicanalista, tanto como o arqueólogo deve escavar camadas após camadas da psique do paciente, antes de ter acesso aos mais profundos e valiosos tesouros”, dizia Freud. Hoje, estes objetos arqueológicos encontram-se no acervo do Freud Museum, em Londres.

Freud dizia que tudo que é patológico fala em “voz alta” o que sentimos, por meio do corpo. Ele dizia que o melhor caminho é a ênfase no tratamento pela fala, pelo método da livre associação, que significa uma ideia que surge subitamente à mente de uma pessoa.

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Freud (Viggo Mortensen)

 

O processo ocorre de forma deliberada pelo paciente. Ele enfatizava que a fala de seu paciente não se esgotava em suas manifestações intencionais e que a linguagem vai muito além da função comunicativa.

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Sigmund Freud

 

Segundo a teoria freudiana o símbolo é o que dissimula o desejo, mas é também o que revela aquilo que esconde. O símbolo é um sinal ou representação de algo ausente ou impossível de representar e está relacionado ao campo sexual do indivíduo e habita em seu inconsciente.

O simbolismo em sentido geral é o modo de representação indireta e figurada de uma ideia, conflito ou de um desejo inconsciente. Em sentido mais restrito é um modo de representação que se distingue principalmente pela constância da relação entre símbolo e o simbolizado inconsciente. Essa constância encontra-se não apenas no mesmo indivíduo, mas também de um indivíduo para outro e nos domínios mais diversos como: mitos, religião, folclore, linguagem, etc. (Valente, 2007, p. 213)

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Freud e o simbolismo

 

A CONTRIBUIÇÃO DE FREUD E JUNG PARA A CONTEMPORÂNEIDADE

Na atualidade, a neurociência está utilizando dos métodos da Psicanálise de Freud visando o estudo das áreas cerebrais que estão ativas durante os sonhos, bem como, as funções biológicas por eles desempenhadas. Contudo, os processos neuroquímicos não revelam nada sobre a essência dos sonhos, seu sentido e significado.

Neste requisito foram os estudos de Jung que contribuíram para a humanidade, com a revelação do significado das imagens oníricas, o seu valor simbólico e o conceito de arquétipo.

Segundo os psicólogos e neurocientistas, uma das várias funções do sonho é de apaziguar os fantasmas do passado, servindo para sublimar o trauma, que surge nos pesadelos ocasionais.

A contribuição que ambos deram à humanidade foi a descoberta do conceito de inconsciente e a grande influência na área da psicanálise e da cultura, do século XX.

A teoria freudiana explica que os impulsos irracionais determinam nossos pensamentos, ações e sonhos e são capazes de trazer à luz instintos e necessidades, que estão profundamente enraizados dentro de nós e estas necessidades podem vir disfarçadas e não somos capazes de reconhecê-las.

“Conhece-te a ti mesmo”

(Oráculo de Delfos)

Ficha técnica do filme:

Título: Um método perigoso

Diretor: David Cronemberg

País/ano: Estados Unidos/2011

Elenco: Michael Fassbender (Jung), Viggo Mortensen (Freud), Keira Knightley (Sabina), Vincent Cassel (Otto) e Sarah Gadon (Emma Jung)

Referência bibliográfica:

1- BETTELHEIM, Bruno. Freud e a alma humana. São Paulo: Editora Cultrix, 1982.

2- BURKE, Janine. Deuses de Freud: a coleção de arte do pai da psicanálise. São Paulo: Record, 2010.

3- FREUD, S. Obras Completas Psicologia. Rio de Janeiro: Ed. Imago, 1969, vol. VII.

4- MEDNICOFF, Elizabeth. Dossiê Jung. São Paulo: Universo dos Livros, 2008.

5- NERI, Regina. A psicanálise e o feminino: um horizonte da modernidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

6- Revista Memória da Psicanálise, 2ª. Edição, 2009.

7- VALENTE, Nelson. Mito, sonho e loucura. S.Paulo: Intermedial, 2007.

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