Análise do filme: “Eu sou a Lenda” e a sociedade pós-moderna construindo os seus próprios monstros (Cinema e Literatura)

 

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Paisagem da deserta Manhattan

 

O filme “Eu sou a Lenda”, produzido nos EUA, em 2007, com direção de Francis Lawrence (o mesmo diretor do filme Constantine), é estrelado por Will Smith (Robert Neville) e Alice Braga (Anna), que é sobrinha da atriz Sonia Braga.

O filme é baseado na terceira versão do livro de Richard Matheson, um dos maiores clássicos da ficção científica americana e conta a história de um cientista que é imune a um vírus criado pelo próprio homem e que destruiu toda a humanidade.

Segundo o diretor, ele sempre quis saber como sobreviver durante uma tragédia e como isso afeta alguém psicologicamente. Comentou também em entrevista que o ator Will Smith fez uma “apresentação solo”, mas que ficou muito contente com o resultado do filme (Set/Cinema, jan.2008).

Em passagem pelo Rio de Janeiro para fazer a divulgação do filme, Smith comentou que “passou por dois terços do filme sozinho diante da câmera”, sendo um trabalho de um ator só.” (Set/Cinema, jan.2008)

O filme faturou US$ 76 milhões de dólares em sua estréia nos Estados Unidos, com a interpretação solitária deste ator e boa parte das filmagens ocorreu em Manhattan, no Washington Square Park; em Nova York, com cenas na ponte do Brooklyn, que levaram seis noites para serem filmadas. (Set/Cinema, jan.2008).

A paisagem deserta de Manhattan, com seus carros abandonados, prédios cobertos de plástico, com cervos e leões andando pelas ruas da cidade foi criada digitalmente.

O filme inicia-se por uma reportagem na televisão, com uma cientista, interpretada pela atriz Emma Thompson, noticiando que descobriu a cura do câncer. Mas, ao invés de descobrirem a cura, a raça humana foi infectada por um vírus mortal e vive o apocalipse da era pós-moderna. E é em Robert Neville (Will Smith) que são apostadas todas as fichas para o retorno da vida no Planeta. O ano é de 2012 e após a disseminação do vírus.

O cientista de 36 anos se torna o último humano sobrevivente de Nova York. Ele é um virologista militar que perdeu a esposa e a filha, mortas na evacuação de Manhattan e que foi abandonada às pressas por causa da epidemia. Seu objetivo é produzir um antídoto (a partir de seu próprio sangue), antes que os infectados desapareçam da Terra e ele não tenha tempo suficiente para descobrir a origem do germe e a cura para a doença. Neville é um sujeito ciente de seu papel para com o futuro da humanidade, bem como de sua responsabilidade diante da tragédia.

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Robert Neville (Will Smith)

Além de suas pesquisas e testes com ratos de laboratório, o cientista precisa manter sua sanidade mental e a esperança de continuar vivo. Os seus passatempos preferidos são ouvir as músicas de Bob Marley, assistir ao desenho Shrek na TV e caçar leões e veados em Times Square. Ele também gosta de conversar com os manequins das lojas que frequenta para conseguir suprimentos.

Neville e sua fiel cadela chamada Samantha perambulam pelas ruas da cidade de dia, à procura de comida e de outros sobreviventes.

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Neville (Will Smith) e Samantha

À noite se escondem dos infectados, uma vez que a raça humana sofreu mutações e se transformou em uma espécie de vampiros canibais, que cercam sua casa em busca de seu sangue e sua carne.

Os mutantes deste filme são feitos totalmente em computação gráfica e não apresentam as mesmas características dos vampiros do livro de Richard Matheson.

Os mutantes foram gerados a partir de uma tentativa mal-sucedida da cura contra o câncer e que se dividem em dois grupos: os que estão inteiramente vivos, mas infectados e os outros que estão mortos e retornam totalmente dominados pelos germes.

Em alguns, Neville atira sem sucesso, enquanto outros são destruídos. O cientista presume que os mortos poderiam de alguma forma resistir às balas, mas a luz do sol os mata. Eles não se transformam em morcegos ou lobos, mas certos animais adquirem o germe e se tornam vampiros. Eles apresentam a inteligência, sentido de organização e, também, existe um líder entre eles.

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O mutante e Neville (Will Smith)

A rotina diária do cientista é monótona e após às 18 horas, ele retorna para casa e se protege como pode, afinal, os inimigos saem pelas ruas da cidade, todas as noites, à procura de comida. A sua casa transformou-se em uma fortaleza e lá ele instalou um freezer, um gerador, um forno elétrico, um tanque de água, uma estufa e uma bancada de trabalho.

Para sua defesa pessoal, ele possui um armamento pesado para enfrentar os mutantes. Também é cauteloso à luz do sol, porque o inimigo pode estar bem perto, apesar de os vampiros não aparecerem durante o dia.

A obsessão de Neville é encontrar uma resposta para aquilo tudo e encontrar alguém como ele, um homem, uma mulher, uma criança, não importa o sexo ou a idade. Ele precisa ver novamente um ser humano para curar a sua imensa solidão. A procura do cientista por sobreviventes é desenvolvida por meio de mensagens de rádio, que são transmitidas todos os dias, ao meio-dia. Ele está sozinho há três anos, depois de ter perdido a mulher e a filha com a praga.

Num dado momento, Neville acaba encontrando Anna e seu filho, que são os sobreviventes que restaram da epidemia e, aparentemente, não estão infectados. Eles objetivam sair da cidade com vida e levar o cientista com eles.

 

O ROMANCE DE RICHARD MATHESON E O CINEMA

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Neville e a busca por sobreviventes

O filme “Eu sou a Lenda” é a terceira refilmagem de uma mesma história, baseada no romance de Richard Matheson, que publicou sua obra, em 1954.

Na versão deste livro de 2007, o narrador comenta:

Num mundo de horror monótono não poderia haver nenhuma salvação em sonhos selvagens. Com o horror ele tinha se acostumado. Mas a monotonia era o maior obstáculo, e ele percebera isso agora e compreendera finalmente. E compreender pareceu-lhe um tipo de paz silenciosa, um sentido de ter colocado todas as cartas em sua mesa mental, examinando-as e chegado a uma conclusão. (Matheson, 2007)

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Capa do livro de 2007

MORTOS QUE MATAM

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Cartaz do filme “The Last Man on Earth”, com o ator Vincent Price (1964)

O clássico romance homônimo de Richard Matheson “Eu sou a lenda” já inspirou outros filmes como: Mortos que Matam (1964), com Vincent Price que interpretou o cientista Robert Neville. Mesmo sendo uma fita em preto e branco, este filme não perde sua importância para a história do terror e para o legado de Vincent Price, um dos maiores de seu tempo e figura marcante em Hollywood. (Sci-Fi News, jan.2008)

Nesta versão do filme, Vincent Price era o cientista que tinha esposa e filha, mas que foram mortas pela epidemia. Ele morava em algum lugar da Europa e seus passatempos eram as transmissões via rádio e passeios pela cidade. Suas defesas eram alho, estacas, armas de fogo e claridade. Seu inimigo era Ben Cortman (antes da epidemia era seu melhor amigo), infectado pelo germe. Seu destino foi ser morto por sobreviventes numa igreja. Em uma época ainda pouco desenvolvida em tecnologia, o filme baseia-se no trabalho de Price, único sobrevivente de uma epidemia que transformou as pessoas em mortos-vivos e que são sensíveis ao cheiro de alho. Por ter sido mordido por um morcego na América do Sul, Neville, de Price é o último homem na terra em Mortos que Matam (The Last Man on Earth), de 1964 (Sci-Fi News, jan.2008).

A ÚLTIMA ESPERENÇA DA TERRA

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Cena do filme “A Última Esperança da Terra” (1971), com Rosalind Cash e Charlton Heston

No filme A Última Esperança da Terra (1971), com Charlton Heston no papel de Robert Neville, o cientista militar mora em Los Angeles, e a sua família é desconhecida. Os seus passatempos preferidos são ir ao cinema e assistir a um documentário sobre o Festival de Woodstock, e por ser o único filme montado e disponível para Neville, ele acaba decorando as falas e as repete toda vez que o assiste.

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Cartaz do filme “The Omega Man”, com Charlton Heston (1971)

Nesta versão, o passeio por lojas e a caça aos infectados também acontece. Suas defesas se baseiam em metralhadoras, holofotes e luz do sol. Seu inimigo é Mathias, o principal âncora dos telejornais dos Estados Unidos, antes do vírus. Seu destino foi a morte provocada por um inimigo com uma lança (Sci-Fi News, jan.2008).

Neste filme, a seqüência de abertura, que culmina com Neville disparando contra um vulto num dos prédios abandonados da cidade, já dá o tom de paranóia para o personagem. Ele ainda goza de sanidade e precisa fazer algo pelo mundo, antes que ele seja tomado por mutantes albinos liberados pelo messiânico Mathias, um âncora de TV, que assumiu o papel de salvador do mundo e inimigo da tecnologia (Sci-Fi News, jan.2008).

Nascido em 1924, Heston iniciou sua carreira na Broadway como ator e modelo de nu artístico. Vencedor do Oscar de melhor ator pelo papel-título do filme “Ben Hur” (1959), o ator faleceu aos 84 anos, no dia 05 de abril de 2008. (Jornal A Folha, de 07/4/2008)

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Heston em Omega Men

MATANDO UM ZUMBI POR DIA!

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Neville e Samantha, dormindo na banheira

Robert Neville é o único sobrevivente em Nova York, do vírus que contaminou toda a humanidade. Trancafiado dentro de casa, angustiado depois da perda da família, ele se apega a sua rotina, porque não há muito que fazer. Ele vive sua vida entre uma rotina monótona e o lazer, ouvindo música e jogando golfe, enquanto sua cadela passeia os olhos pela cidade vazia.

De dia, ele vagueia pelas ruas vazias que escondem animais ferozes e os zumbis canibais, ou seja, vive numa selva de pedra. De noite, esconde-se com sua cachorra, dormindo dentro de uma banheira, com a terrível sensação de que algo pode acontecer a qualquer momento, e ele precisa se defender dos mutantes canibais que rodeiam sua casa, a noite inteira.

Neville tenta suprimir todas as dificuldades que enfrenta (como todos os espectadores esperam que ele faça), como a morte da família e eliminar os famintos canibais.

Embora ele seja um cientista militar que escolheu ficar na cidade para encontrar a cura, ele é um sujeito normal, obstinado por uma missão e assombrado pela morte da família.

Depois de encontrar Anna, uma mãe irlandesa, a sua mente fica mais tranqüila, mas ainda demonstra muito cansaço e estresse por causa de toda a situação angustiante em que vive.

Mas, por que ele ainda resiste e tenta viver? Instinto? Ou não tem coragem de se autodestruir? Estas perguntas são formuladas pelo autor Richard Matheson em seu livro, na versão de 2007.

Robert Neville vive sem nenhum futuro, mas paradoxalmente resiste com o intuito de poder fabricar o antídoto que precisa para salvar a humanidade. Os percalços são muitos, de dia ele é o caçador e de noite, o caçado. Ele vive apenas o aqui e o agora.

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Neville em sua casa, sua fortaleza

Neville é um homem calado, neurótico, austero, um militar orgulhosamente auto-suficiente, apesar de seu indubitável valor humano e destreza física. Ele não chega a ser um herói, é apenas um sobrevivente. O que ocorre é que a peste produziu um adormecimento pessoal generalizado e, no mundo imaginado neste filme, o ser humano, por força das circunstâncias, diminuiu sua força interior e luta apenas para ficar vivo.

A vida precisa ter um sentido, porém há uma epidemia que acabou com tudo, até o surgimento de Anna simbolizando o sinal manifesto de uma nova vida, mas que, ainda assim, depende da destruição da vida anterior, com seus “monstros”, para poder recomeçar tudo de novo. Nesse labirinto cheio de perigos em que a Terra se transformou, a saída ficou difícil de ser encontrada.

Anna representa o novo e a urgente necessidade de readaptação às novas circunstâncias. Como uma mutante (no bom sentido da palavra), ela nunca se esqueceu de suas características humanas, mesmo tendo que se misturar com os vampiros canibais, mesmo com toda a epidemia engolindo vidas.

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Anna (Alice Braga)

 

O HOMEM NA ERA DAS CATÁSTROFES

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Neville e o terror

Este filme mostra o personagem Neville e sua fragilidade diante do caos causado pela epidemia e, em conseqüência, o perigo dos vampiros que podem devorá-lo em minutos. Os vampiros não perguntam nada, simplesmente surgem para devorar e desaparecem até a noite seguinte. O zumbi ignora os valores humanos, já que era um deles, e tampouco dá importância aos sentimentos e ao valor da vida.

E apesar de toda a parafernália do cientista, os zumbis podem atacá-lo sem o conhecer, de forma anônima, impessoal e de uma forma terrível e canibalesca.

O filme em vez de mostrar o homem como sujeito (de conhecimento e de controle) mostra o personagem como um homem necessitado, acossado, submetido a uma epidemia, que o supera e deixa-o sem saída. Assim, ele acaba sendo nivelado pelos zumbis, apesar de séculos de civilização e todo o aparente progresso científico e tecnológico, ele é apenas um sobrevivente, que tenta manter-se vivo. Suas características são típicas do homem contemporâneo, tal como descreve o filósofo Cabrera: “Em uma situação absolutamente primária, de sobrevivência pura, na qual de nada valem as artimanhas tecnológicas, nem as sutilezas intelectuais, o que vale mais é a astúcia mais primitiva, a velocidade das pernas humanas para correr do perigo e a argúcia da sua inteligência para fugir”. (Cabrera, 2006)

Podemos inferir que o conflito de Neville com os vampiros é uma representação simbólica do homem diante das catástrofes, ou seja, o homem diante daquilo que não conhece e, portanto, não controla, sinalizando a sua fragilidade diante dos fenômenos que podem ser imprevisíveis e fatais na era da pós-modernidade.

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Neville se protege como pode

A cientista do filme que provocou a epidemia, utilizando os seus próprios conhecimentos desmedidamente e de forma imprudente foi levada pela soberba, que é o seu ponto frágil. A conseqüência de seu ato é a doença, que representa o “tributo”, o valor que o homem tem de pagar.

A ciência praticada neste filme é a pior possível, a que transformou os humanos em cobaias e depois em monstros, que são máquinas de matar. As metodologias científicas, quando utilizam procedimentos racionais e plausíveis são benéficas e importantes para a humanidade. Mas, existem os dois lados de uma mesma moeda, a ciência pode ser utilizada tanto para o bem, quanto para o mal, depende de quem a maneja.

Na associação dos monstros com a ciência, o autor do livro comenta: “As pessoas que possuem a qualidade de monstros são apenas pessoas vivendo com essa infecção crônica, pessoas que têm sintomas que lhes dão essas qualidades de monstro.” (Matheson, 2007).

O zumbi é a metáfora do que é rejeitado pela sociedade e o que não funciona bem nas relações entre a ciência e o homem contemporâneo.

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Os zumbis canibais

O filme parece nos dizer: “Nada contra a ciência, mas ela ainda deve aprender a conviver com o ‘extraordinário’, como o raio que desativa bruscamente nossos computadores” (Cabrera, 2006).

A LENDA DE TESEU E O MINOTAURO

EM BUSCA DO HERÓI PERDIDO

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Minotauro

A odisséia do personagem Neville neste filme “Eu sou a Lenda” (na terceira versão) trata do homem que se tornou o único habitante do planeta, após uma guerra biológica, que transformou humanos em zumbiros (mistura de zumbis com vampiros de força extraordinária) e evoca a lenda de ‘Teseu e o Minotauro’.

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Mosaico de Teseu e o Minotauro

Teseu era filho de Egeu, rei de Atenas e de Etra, filha do rei de Trézen, por quem foi criado. Egeu, separando-se de Etra e antes do nascimento do filho, colocou a espada e as sandálias sob uma grande pedra e determinou à esposa que lhe mandasse o filho quando este fosse bastante forte para levantar a pedra. Estes objetos eram relíquias de família.

Chegada a ocasião, a mãe de Teseu executou a incumbência, e o jovem, com 16 anos, removeu a pedra com facilidade e se apoderou da espada e das sandálias.

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Teseu encontrando a espada de seu pai - pintura de Laurent de La Hyre (1606-1656)

Como as estradas estavam infestadas de bandidos, o avô de Teseu aconselhou-o a seguir o caminho mais seguro e mais curto por mar para o país de seu pai. O jovem, contudo, sentindo em si o espírito e a alma de um herói, e desejoso de se destacar tal qual Hércules, cuja fama corria por toda a Grécia, pelo fato de destruir os malfeitores e os monstros que flagelavam o país, resolveu fazer a viagem mais perigosa e aventurosa por terra e a pé.

Teseu enfrentou vários bandidos nas estradas, mas se saiu vitorioso em todas elas e tendo vencido todos os perigoso da viagem, o herói submeteu-se à purificação, banhando-se no rio Cefiso.

O herói chegou às margens do rio Cefiso, onde encontrou homens da raça das Fitálias, que o aconselharam amigavelmente e assim o aceitaram, purificando-o das mortes que cometera.

Apesar de haver exterminado terríveis malfeitores, Teseu incorreu em culpa por ter manchado suas mãos com o sangue das vítimas. Para os gregos antigos, mesmo o que chamamos de legítima defesa não eximia o assassino da culpa e tampouco se levava em consideração se o crime fora intencional ou não. (Stephanides, 2000)

Depois deste ritual, Teseu finalmente chegou a Atenas, onde novas ameaças o aguardavam.

Medéia, a feiticeira que fugira de Corinto, depois de separar-se de Jasão, torna-se esposa de Egeu. E sabendo quem era Teseu, graças às suas artes e receando perder a influência sobre o marido, caso ele reconhecesse seu filho, incutiu mil suspeitas no espírito de Egeu. Aconselhou o rei a fazer o jovem estrangeiro beber uma taça de veneno.

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Medéia, a feiticeira

No entanto, quando Teseu avançava para receber a taça, seu pai, reconhecendo a espada que ele trazia, percebeu quem ele era e não deixou que tomasse o veneno.

A feiticeira, desmascarada, fugiu mais uma vez ao merecido castigo indo para a Ásia e Teseu foi reconhecido pelo pai que o declarou seu sucessor.

Os atenienses encontravam-se, naquela época, em estado de grande aflição devido ao tributo de sangue que eram obrigados a pagar a Minos.

Minos era rei de Creta e filho de Europa e Zeus. O grande deus se transformou em um touro branco e seduziu Europa e tiveram 3 filhos.

O rei de Creta, na ocasião em que seus irmãos contestaram a herança, afirmou ser enviado por Zeus e, para provar, mostrou que qualquer pedido seu feito aos deuses era atendido.

Para vingar-se da morte de seu filho (Androgeu, que morreu em Atenas), causada pelo rei Egeu, Minos impôs o tributo que consistia em sete jovens e sete donzelas, que eram entregues todos os anos, a fim de serem devorados pelo Minotauro, monstro com corpo de homem e cabeça de touro, forte, feroz e antropófago.

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Minotauro

O monstro era mantido num labirinto construído por Dédalo (arquiteto famoso da época) e foi tão habilmente projetado que, quem se visse ali encerrado, não conseguiria sair sem ajuda.

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O labirinto

Teseu resolveu livrar seus patrícios dessa calamidade, ou morrer nesta tentativa. Assim, quando chegou a ocasião de enviar o tributo, e os jovens sorteados de acordo com o costume, ele se ofereceu para ser uma das vítimas, a despeito dos rogos de seu pai. O navio de Teseu partiu com velas negras e o herói prometeu ao pai mudar para brancas, no caso de regressar vitorioso.

Chegando a Creta, os jovens e donzelas foram todos exibidos diante de Minos e Ariadne, filha do rei, que logo se apaixonou por Teseu. Este amor foi correspondido imediatamente.

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Ariadne

A jovem deu-lhe uma espada, para matar o Minotauro e um novelo de linha, graças ao qual poderia encontrar a saída, e Teseu foi bem-sucedido.

Teseu e Ariadne regressaram a Atenas, juntamente com os companheiros salvos do monstro. Durante a viagem, pararam na Ilha de Naxos, onde Teseu abandonou Ariadne, deixando-a adormecida. A desculpa oferecida para tratar com tanta ingratidão sua benfeitora foi que Minerva lhe apareceu num sonho ordenando-lhe que assim o fizesse. Em outra versão desta lenda, o deus Dionísio é que surge para Teseu em sonhos e pede que ele deixe Ariadne a mando de Zeus. A justificativa era que ela se tornaria esposa de Dionísio (Stephanides, 2000).

Ao se aproximar do litoral da Àtica, Teseu esqueceu-se da combinação que fizera com o pai e não mandou alçar as velas para a cor branca e o velho rei, julgando que o filho tivesse morrido, suicidou-se, jogando-se do alto dos rochedos que ficavam na praia. Teseu tornou-se, então, rei de Atenas.

Uma das mais célebres aventuras deste herói foi a expedição contra as amazonas. Atacou-as antes que elas se tivessem refeito da derrota infligida por Hércules e aprisionou sua rainha, Antíope.

As amazonas, por sua vez, invadiram o reino de Atenas, penetrando na própria cidade, onde se travou a batalha final, em que Teseu as derrotou. As amazonas eram mulheres guerreiras habitantes do Cáucaso. Apenas uma vez por ano permitiam homens em seu reino, com a finalidade única de preservar a espécie.

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Teseu e as Amazonas

A amizade entre Teseu e Pírito originou-se em combate. Pírito invadiu a planície de Maratona e roubou os rebanhos do rei de Atenas. Teseu foi repelir os invasores e no momento em que viu Pírito, tomado de admiração, estendeu a mão, como sinal de paz.

Os dois juraram inviolável fidelidade e suas façanhas correspondiam a seus votos e eles se mantiveram sempre como verdadeiros irmãos de armas.

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Teseu e Pírito

Ambos aspiravam desposar uma filha de Zeus e Teseu escolheu Helena, ainda criança e mais tarde tão célebre por causa da Guerra de Tróia e, com a ajuda do amigo, raptou-a. Pírito aspirava conquistar a esposa do monarca de Érebo, que era Perséfone.

Teseu, embora consciente do perigo, acompanhou o ambicioso amante na descida ao mundo subterrâneo. Plutão, porém, aprisionou-os e prendeu-os numa rocha encantada na porta de seu palácio, onde ficaram até que Hércules chegou e libertou Teseu, deixando Pírito entregue ao destino.

Depois da morte de Antíope, Teseu desposou Fedra, a outra filha de Minos, que já tinha falecido. Fedra viu Hipólito (filho de Teseu e Antíope), um jovem dotado de todas as qualidades e virtudes do pai, e de idade correspondendo à sua própria. Amou-o desesperadamente, mas ele a repeliu e o amor transformou-se em ódio.

Fedra lançou mão do apaixonado marido, para torná-lo ciumento do filho e Teseu invocou contra ele a vingança de Netuno.

Quando Hipólito, certo dia, dirigia seu carro junto à praia, um monstro marinho surgiu das águas e espantou os cavalos, que dispararam, despedaçando o seu carro.

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A morte de Hipólito

Hipólito morreu, mas, com a ajuda de Esculápio, Diana ressuscitou-o e afastou-o do iludido pai e da traiçoeira madrasta, deixando-o na Itália, sob a proteção da ninfa Egéria.

Finalmente, Teseu privado da simpatia de seu povo (considerando o rapto de Helena e suas consequencias) foi exilado para a corte de Licômedes, rei dos Ciros, que mais tarde o matou traiçoeiramente.

Demofonte (filho de Teseu e Fedra) tornou-se rei de Atenas e os atenienses logo relembraram dos feitos do grande herói e suas proezas foram resgatadas. Sobre seu túmulo foi construído um grande monumento, denominado de Tesêion.

Teseu é um personagem semi-histórico, que unificou as diversas tribos que habitavam o território da Ática, do qual Atenas se tornou a capital e se, contudo, cometeu erros no fim da sua vida, isso não quer dizer que tudo de bom que realizou foi esquecido, segundo o escritor americano Thomas Bulfinch (1796-1867).

O que mais conta na vida de um homem é o auto-sacrifício, um ato de heroísmo, uma grandiosidade que o tenha feito subir no conceito de todos, como Teseu e a lenda do Minotauro.

Existem aspectos no mito de Teseu que são semelhantes à história de Neville. Ele é um cientista que possui destreza física e valores humanos (como Teseu), pois conseguiu encontrar o antídoto, por meio de seu próprio sangue, numa tentativa de salvar a humanidade ou morrer nesta tentativa.

Mas, pela força das circunstâncias, acabou cometendo o auto-sacrífício, ou seja, suicidou-se ao combater os vampiros, depois de entregar o antídoto para a sua amiga, que deveria continuar o seu trabalho.

Neville é um herói perdido na Terra, a qual se transformou num labirinto cheio de epidemias e canibais (Minotauros de nossa época), que sugiram por meio do vírus e que acabou liquidando com toda a humanidade. Esse é o tributo que o homem teve de pagar.

A sua salvação é sua saída ao sol, o triunfo da luz sobre as trevas, os mortos-vivos que simbolizam o monstro.

Para Carl Gustav Jung (1875-1961), criador da psicologia analítica, o Minotauro é símbolo da doentia decadência de uma Creta matriarcal. O Minotauro também pode simbolizar as forças instintivas que o homem não consegue controlar. (Jung, 1977)

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Minotauro de Picasso

A vitória de Teseu sobre o Minotauro representa, na psicologia analítica, um triunfo do homem sobre sua sombra caótica (Jung, Revista Viver Mente & Cérebro, edição especial).

Teseu representava o jovem espírito patriarcal de Atenas, precisando eliminar os horrores do labirinto e o seu monstro habitante. Assim, Teseu mata o Minotauro assistido por Ariadne, segundo Jung.

Para encerrar o monstro fabuloso, meio homem (na parte inferior) e meio touro (parte superior), construiu-se o labirinto de Creta. Sendo ele carnívoro e como os atenienses haviam sido vencidos, eram obrigados a enviar, a cada sete anos, sete rapazes e sete donzelas, para lhe servirem de alimento. Por três vezes foi pago este tributo; na Quarta, Teseu matou-o, auxiliado por Ariadne e seu fio mágico (Cirlot, 2005).

Ariadne fornece-lhe o fio condutor para um retorno seguro para fora do labirinto.

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Ariadne e Teseu

Ela é ao mesmo tempo a musa que inspira a luta heróica e a luz que aponta a saída da escuridão do inconsciente. (Jung, Revista Viver Mente & Cérebro, edição especial)

Ariadne presenteou o seu amado com seu fio mágico e a espada, para livrar-se do Minotauro e encontrar a saída do labirinto, assim também a personagem Anna, uma mutante, auxilia Neville a sair da cidade.

O labirinto é confuso e interminável, portanto Teseu não pode ver a luz do sol, porque quem lá se encontra não consegue encontrar a saída sozinho. O labirinto simboliza o inconsciente, o erro e o distanciamento da fonte da vida. (Jung, 1977)

O pensador romeno Mircea Eliade (1907-1986) assinala que a missão essencial do labirinto era defender o centro, isto é, o acesso iniciático à sacralidade, à imortalidade e à realidade absoluta, sendo o equivalente de outras provas, como a luta contra o dragão. (Cirlot, 2005).

Todos os mitos e lendas que aludem aos tributos, monstros e heróis vitoriosos expõem ao mesmo tempo uma situação cósmica (a ideia do mau demiurgo e da redenção), social (o estado dominado por um tirano, uma praga, um contingente inimigo) e psicológico coletivo ou individual (predomínio da parte monstruosa do homem, tributo e sacrifício do melhor: ideias, sentimentos, emoções).

O Minotauro expressa quase o escalão final na gama de relações entre a parte espiritual e animal do homem. O domínio nítido da primeira sobre a segunda está simbolizado pelo cavaleiro; o prevalecimento da segunda, pelo centauro com corpo de cavalo ou de touro. (Cirlot, 2005).

Os mitos, das mais variadas culturas e em épocas distintas, têm seu papel estruturante da consciência individual e coletiva, dentro de um enfoque simbólico e na obra de Jung, eles são reconhecidos mundialmente. E aqueles que estudam a interpretação dos significados dos mitos e das obras de arte, já os relacionam com o processo de individuação, conforme a teoria junguiana. (Jung, Revista Viver Mente & Cérebro, edição especial)

Para Antonio Medina Rodrigues:

O mito é uma forma de representação do mundo.

E nada que houver nele pode ser estranho ao homem.

Não é o homem que acalenta um retornar eterno?

Não acredita ele que certos olhares podem matar?

Não vive continuamente a enfrentar gigantes?

Antonio Medina Rodrigues (Sthephanides, 2000)

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Neville e a sua cachorra

O mundo contemporâneo sobrevaloriza os interesses individuais em detrimento dos coletivos. E o personagem Neville, valoriza os interesses coletivos em detrimento dos interesses individuais. Ele não acompanha a família em fuga de Manhattan, pois pretendia ficar na cidade e encontrar o antídoto, com o objetivo de salvar o restante da humanidade. Ele é um sobrevivente, não um herói, pois na era da pós-modernidade, o herói só vai existir nas lendas.

Na “nova era das catástrofes”, a incerteza do cotidiano nos leva a desconfiar do já construído, porque tudo é efêmero, tudo é fugaz. E a lógica operante, nesses novos tempos é a das fragmentações, inclusive a da personalidade do sujeito da pós-modernidade, que não é fixa e vai se alterando conforme experiências vividas e a cultura em que habita. É tempo de rupturas, das descontinuidades e diferenças.

Portanto, ele não pode mais determinar antecipadamente os acontecimentos. O que o aguarda é um futuro desconhecido. Enquanto o presente pode ser visto como o tempo de oportunidades e aberto para novos caminhos, mesmo que ele tenha que enfrentar um leão por dia.

Referências:

BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia – (a idade da fábula): história de deuses e heróis. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.

CABRERA, Julio. O cinema pensa: uma introdução à filosofia através dos filmes. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.

CIRLOT, Juan-Eduardo. Dicionário de símbolos. São Paulo: Editora Centauro, 2005.

JORNAL A Folha, de 07/4/2008.

JUNG, Carl Gustav. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1977.

MATHESON, Richard. Eu sou a lenda. São Paulo: Novo Século Editora, 2007.

Revista Mente & Cérebro, Edição Especial: Jung, n. 2.

Revista SCI-FI NEWS, janeiro de 2008.

Revista SET/CINEMA, janeiro de 2008.

STEPHANIDES, Menelaos. Teseu, Perseu e outros mitos. São Paulo: Odysseus, 2000.

Fotos extraídas dos sites:

www.br.warnerbros.com/iamlegend

www.google.com.br

www.adorocinema.com.br

homepage.mac.com/cparada/GML/index.html

Ficha técnica:

Título: Eu sou a Lenda

Diretor: Francis Lawrence

Ano: 2007

País: EUA

Elenco: Will Smith e Alice Braga

DVD - 101 min – Ficção científica

Comentários

Unknown disse…
Obrigado pelo analise e muito bom. Este ator nos deixa outro projeto de qualidade, de todas as suas filmografias essa é a que eu mais gostei, acho que deve ser a grande variedade de talentos, Beleza Oculta é um novo filme de Will Smith maravilhoso, ele sempre tem muito sucesso, ásegurado, ancho que a história é muito boa, e a trilha sonora é maravilhosa, enfim, um dos meus preferidos.
Unknown disse…
To sem palavras..
vou ler e reler.
Essa tua análise, foi sensacional.
houve alguns trechos em que eu fiquei meio perdido, mas acho que consegui captar o vulto da essência do texto.
Olá MS ViDz,

O filme é realmente surpreendente do ponto de vista do poder da ciência quando é colocada acima de tudo como um tributo do conhecimento humano. Mas, vai depender muito de quem a maneja. Infelizmente, o conhecimento científico principalmente no Brasil, que é fraco em pesquisas científicas não é valorizado pelo Planalto e muito menos pelos empresários que não mostram nenhum interesse em investir nessa área. Portanto, continuamos construindo nossos próprios monstros e tentando sobreviver de qualquer forma. Continue lendo nosso blog.
Abraços,
Rosângela

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