ADORÁVEIS MULHERES - FILME DE 2019

 


A ADAPTAÇÃO DA OBRA LITERÁRIA “MULHERZINHAS” PARA O CINEMA EM ADORÁVEIS MULHERES


 Rosângela Canassa


 

A escritora Louisa May Alcott escreveu o seu livro Mulherzinhas em 1868 e o sucesso foi tanto que a adaptação para o cinema e a TV não demorou para acontecer. As primeiras versões para o cinema são interpretadas pelas grandes divas de Hollywood como Katherine Hepburn (1933), Elizabeth Taylor (1949) e Winona Ryder (1999) no papel da protagonista.

A última adaptação é da diretora Greta Gerwing, que ganhou o prêmio da Academia por de Melhor Roteiro Adaptado. O romance ganhou cara nova em Adoráveis Mulheres (2019), que narra a história de uma família formada por quatro irmãs e a mãe, que sobrevivem com dificuldades e lutam para superar as tragédias e descobrirem um lugar no mundo. As irmãs Meg, Jo, Beth e Amy tentam levar uma vida normal mesmo sentido a ausência do pai que serve junto ao exército confederado.

A Guerra Civil Americana ou A Guerra da Secessão (como também ficou conhecida) teve seu início no governo de Abraham Lincoln, o 16º presidente da história dos Estados Unidos. Em 1860, quando Lincoln assumiu a presidência os republicanos liderados pelo presidente, se opuseram à expansão da escravidão em territórios sob a jurisdição do país, mas alguns estados escravagistas com suas contenções baseadas na produção de algodão formaram a Confederação (Alabama, Arkansas, Carolina do Norte, Carolina do Sul, Flórida, Geórgia, Louisiana, Mississippi, Tennessee, Texas e Virgínia) com o objetivo de manter a escravatura naquelas regiões.

A Confederação perdeu o conflito para a União formada pelo restante dos Estados Americanos. Os sulistas escravagistas nunca se conformaram com essa derrota. O número de americanos mortos na Guerra Civil Americana é maior do que a soma de americanos mortos durante todos os outros eventos da história das guerras dos Estados Unidos. Alguns anos depois do fim da Guerra Civil, surgiu o que conheceríamos como a Ku Klux Klan (originalmente a KKK foi fundada em 1865 no Tennessee pelo general Nathan Bedford Forrest com o objetivo de impedir a integração social dos escravos recém-liberados.

Em 1872 o grupo foi banido dos Estados Unidos e o segundo grupo com esse nome reapareceria em 1915 e alcançou um número de mais de quatro milhões de participantes em 1920, que tinham como principal objetivo lutar pelo domínio dos brancos sobre os negros, católicos, judeus e asiáticos, assim como outros imigrantes, cujo movimento é chamado de supremacia branca. O grupo decaiu após a grande depressão (crise, queda da bolsa em 1929) e com o posicionamento dos Estados Unidos sendo contrário às ideias totalitaristas de Hitler. Na Segunda Guerra Mundial, que eram bem parecidas com as ideias do KKK o objetivo seria de exterminar negros, judeus, deficientes e estrangeiros visando alcançar a supremacia branca, que é uma guerra sem fim e perdura até os nossos dias.

As mulheres representadas no filme viviam numa época em que durante o casamento, a esposa distinta de um marido próspero estivesse à frente da casa e administrasse os auxiliares e gerasse filhos. A valorização da domesticidade e da família refletiram-se no vestuário feminino, que se tornou decoroso e modesto para se adequar ao papel passiva da “mulherzinha” do lar” (Stevenson, 2012, p. 30).

Nesse sentido, o filme de Greta pode assegurar ao espectador a articulação entre figurino e criação da personagem. O figurino no cinema é uma linguagem que narra algo a respeito da personagem ali representada na tela e cada elemento da roupa, da maquiagem, do penteado e adereços utilizados no espaço corpóreo tem um sentido determinado, que interliga a personagem com uma classe social, com um tempo fixado no presente, no passado ou no futuro.

E se no cotidiano, diz o ditado, o hábito faz o monge, no cinema ele é capaz de criar condes, duques, mulheres do povo, ninfas e deusas, tudo o que a imaginação de um figurinista desejar. Os figurinos são a ponte de ligação entre o ator e o olho do espectador. São linhas, formas, cores e significados que têm a função de ligar ator e público, dando pistas sobre aquele que o veste, manifestando até mesmo, externamente, formas internas de um personagem, segundo Fausto Viana.

O autor revela a importância dos trajes no desenvolvimento da arte de atuar e de como eles foram um componente importante na busca por um teatro moderno, que procura a arte total, feita de aparente simplicidade, mas com imensa sutileza e força expressiva. O figurino mostra o núcleo mais importante do espetáculo: o ator e seu corpo, destaca o pesquisador.

No cinema a vestimenta também pode decodificar o personagem e ser interpretada como uma manifestação simbólica da subjetividade da personagem e que foi criada pelo diretor ou pelo próprio ator. 

A adaptação fílmica de Greta pode ser vista como um processo criativo da diretora como tema ou como transcrição parcial ou total da obra e nunca haverá transposição plena entre a palavra e a imagem. Segundo o crítico Antônio Cândido, no cinema nos defrontamos, não com pessoas, mas com o registro de suas imagens e vozes (Cândido, 2011, p. 113).

No teatro, ao contrário, as personagens constituem praticamente a totalidade da obra: nada existe a não ser através delas (Cândido, 2011, p. 84).

No romance, a personagem é um elemento entre vários outros, ainda que seja o principal. Romances há que têm nomes de cidades (Roma, de Zola) ou que pretendem apanhar um segmento da vida social de um país (E.U.A., de John Dos Passos) ou mesmo de uma zona geograficamente delimitada (São Jorge de Ilhéus, de Jorge Amando) isso não querendo ao menos em princípio centralizar ou restringir o interesse sobre os indivíduos.

Em suma, tanto o romance como o cinema falam do homem, mas o teatro o faz através do próprio homem, da presença viva e carnal do ator. Não é raro, aliás, ver adaptação do romance ao cinema; e se a recíproca não é verdadeira, deve-se isso, provavelmente, antes de mais nada, a motivos de ordem prática.

O filme também estabelece uma reflexão sobre o papel feminino no século XIX numa América em que a mulher não poderia expressar seus sentimentos abertamente e muito menos escrever, assim sendo, Jo (Saiorse Ron), a protagonista na contramão deste tempo publica o seu primeiro livro contendo as suas histórias com envolvimentos amorosos, desencontros, tristezas e alegrias como uma alter ego de Alcott.

Em tempos de grandes dificuldades para as mulheres escritoras americanas, assinar a sua obra com um pseudônimo era a forma encontrada para a mulher se tornar invisível como a sociedade demandava.  



Referência bibliográfica:

CÂNDIDO, Antônio. A personagem de ficção. 12ª. edição. São Paulo: Perspectiva, 2011.
STEVENSON, NJ. Cronologia da moda: de Maria Antonieta a Alexandre McQueen. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.



______________________________



Rosângela Canassa – psicóloga e doutora em Educação, Arte e História da Cultura - Mackenzie – blog: www.faroartesepsicologia.blogspot.com.br
Email: rocanassa@uol.com.br

Comentários

Postagens mais visitadas