Cinema no Sofá - Cargo
Cargo (2017)
Disponível no Netflix (Maio/2018)
A popularidade dos filmes que tratam da mitologia zumbi é
proporcional ao desgaste da fórmula comumente encontrada nas estórias dos
mortos-vivos. Cargo tenta inovar ao mesclar alguns elementos: retratando o
calvário de um personagem principal infectado prestes a se tornar zumbi e as
implicações desse fato nos seus familiares sobreviventes, como visto no bom Contágio,Epidemia Mortal de 2015; mostrando os humanos saudáveis como sendo mais
perigosos do que os zumbis, arco básico recorrente da série de TV The WalkingDead; e trazendo elementos culturais locais (o filme se passa na Austrália),
dando um papel importante – ainda mais se visto simbolicamente – aos aborígenes,
os habitantes originais do continente australiano. Infelizmente esse mix é mais
prejudicial do que benéfico, transformando Cargo em uma obra sem foco e sem
ritmo que falha em emocionar ou causar tensão.
Em meio a uma Austrália pós-apocalíptica (não, não é MadMax) por conta de uma doença epidêmica que transforma os doentes em
mortos-vivos, Andy (Martin Freeman) tenta sobreviver com sua esposa Kay (SusiePorter) e sua filha Rosie (interpretada pelas irmãs gêmeas Finlay e Nova Sjoberg).
O primeiro problema de Cargo é sua incapacidade de transmitir passagem de tempo
coerentemente: o casal tem fraldas novas para a bebê Rosie, sugerindo que a epidemia é recente,
mas por outro lado o estado de destruição do ambiente leva a crer que semanas
ou mesmo meses se passaram desde o primeiro infectado. A falta de habilidade
dos realizadores em manipular o tempo aparece em outros momentos, como quando
uma personagem que acabamos de ver livre aparece presa, aparentemente já há algum
tempo. A estética geral da obra também não ajuda, com um desenho de produção genérico e algumas cenas com um certo grau de cafonice – destaque negativo
para as sequências em câmera lenta (na maioria dos casos câmera lenta significa filme ruim) e a cena final mostrando uma mensagem piegas escrita na barriga de Rosie. Finalmente,
Cargo não emociona: não conseguimos nos preocupar genuinamente com o destino dos personagens, talvez pela falta de desenvolvimento destes somado ao fato de
que o final é muito previsível.
Um aspecto interessante de Cargo, ainda que marginal, é a
participação dos aborígenes. Os nativos australianos agem como se esperassem
pelo fracasso e fim da civilização. Além disso, o uso da tinta branca típica desse
povo como afugentador de zumbis sugere que não é a primeira vez que os
aborígenes sobrevivem ao apocalipse zumbi, reforçando ainda mais a ideia da
inevitabilidade do fracasso civilizatório.
Nota: 2/5
Fabio Consiglio
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