OSCAR 2019 - Infiltrado na Klan



Infiltrado na Klan (2018), de Spike Lee, acompanha o policial negro Ron Stallworth (John David Washington), que liderou uma investigação contra a Ku Klux Klan na década de 1970. O protagonista do filme não é Ron mas a Klan, a hedionda organização que prega a supremacia branca, como veremos a seguir.
A obra é baseada em fatos reais (sempre devemos lembrar o que isso significa em Hollywood, muita fantasia sobre uma base factual), o que torna tudo mais poderoso, já que se fosse totalmente ficcional provavelmente seria visto como fantasioso demais: um negro infiltrado na KKK. A investigação do policial Stallworth, por si só, já resultaria em um filme interessante mas tudo é abrilhantado pela forma como Spike Lee dialoga com o cinema e mostra a relação da Klan com a sétima arte e consequentemente com a cultura pop.
O diálogo já começa pela estética: Infiltrado na Klan claramente evoca os chamados filmes blaxploitation - cinema norte-americano feito por atores e diretores negros e direcionados para a população negra nos anos 70. Reparem que até a ótima trilha sonora de Terence Blanchard nos remete à época e estilo citados.
A relação da Klan com o cinema é mostrada utilizando-se cenas dos filmes ...E o Vento Levou (1939) e principalmente O Nascimento de Uma Nação (1915). A famosa cena de ...E o Vento Levou que mostra Scarlett O'Hara (Vivien Leigh) em um campo de batalha durante a Guerra de Secessão dos Estados Unidos (1861-1865), repleta de soldados mortos e feridos, é utilizada para abrir Infiltrado na Klan. A cena remete à primeira Ku Klux Klan, fundada em 1865 após o fim da Guerra Civil Americana como reação aos direitos recém adquiridos da população negra com o fim da escravidão.
O Nascimento de Uma Nação, o controverso filme de D.W. Griffith - como linguagem cinematográfica foi revolucionário, à frente de seu tempo, mas sua história é asquerosamente racista - é mostrado como se fosse um guia para os membros da Klan e mais, acusado de incitar a criação da segunda Ku Klux Klan em 1915. Vale observar que a sequência de ordenação do policial infiltrado Flip Zimmerman (Adam Driver, totalmente recuperado do insuportável Kylo Ren de Star Wars: O Despertar da Força) na Klan e a posterior exibição de O Nascimento de Uma Nação para os novos membros utiliza fortemente a montagem paralela - várias acontecimentos simultâneos mostrados de forma intercalada - um claro diálogo com o filme de Griffith, o pai dessa técnica cinematográfica.


Cartaz de O Nascimento de Uma Nação (1915)


Mesmo lidando com violência e comportamentos injustificáveis - é notável como mesmo sem violência gráfica o filme choca apenas com o comportamento dos personagens e a descrição de acontecimentos - a conclusão de Infiltrado na Klan é relativamente satisfatória e apresenta um "final feliz", mas Spike Lee sabe que o mundo fora da tela não é bem assim e o filme termina com imagens atuais de novos movimentos supremacistas e discursos embaraçosos de Donald Trump. Essa sensação de que nada mudou nos leva a conclusão de que a Klan, já na sua terceira encarnação, é a grande protagonista em sua onipresença: não importam as boas intenções de alguns ou até mesmo aparentes avanços nas relações sociais, o ódio sempre será o grande protagonista da história humana. A realidade está aí para nos lembrar disso constantemente.


Nota: 5/5

OSCAR 2019

Comentários


Interessante Fabio, a sua visão cinematográfica global do filme e também o seu texto mostra ao leitor que o racismo e o ódio ainda continuam afastando as pessoas da possibilidade de aceitar o outro como diferente. Parabéns!

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