OSCAR 2019 - Vice



“Como fazer um peixe parar de cheira mal? É só cortar o próprio nariz.” Essa frase do vice-presidente dos Estados Unidos Dick Cheney (Christian Bale, impressionante em sua transformação para o papel) no filme Vice (2018) ilustra bem a forma como vários políticos, incluindo Cheney e seu grupo, conseguem lidar com a sujeira envolvida no jogo de poder de Washington – ou qualquer organização que envolva dinheiro. Claro que não podemos esquecer que grande parte da sujeira foi criada, ou ao menos perpetuada, por esses mesmos personagens reais.
Vice conta a história de Cheney, desde sua juventude conturbada e medíocre passagem pela faculdade até o seu auge, como vice-presidente norte-americano. Político hábil nos bastidores, mas sem carisma para angariar votos em uma eleição majoritária, Cheney aceitou ser vice de George W. Bush (Sam Rockwell) impondo uma série de condições e consequentemente tendo um grande poder real na administração do Bush filho. Temos a impressão de que quem realmente detinha o poder era Cheney e o Secretário de Defesa Donald Rumsfeld (Steve Carell).
A obra é sarcástica e irônica, utilizando a montagem analógica – intercalando imagens efetivas para a história com outras de caráter simbólico ou metafórico – que não só impõe ritmo ao filme, mas também serve para ilustrar as opiniões dos realizadores: a pescaria em paralelo à negociação com Bush, como se Cheney tivesse jogado a isca e capturado o futuro presidente, ou ainda o plano detalhe mostrando o coração doente de Dick Cheney (ele precisou se submeter a um transplante de coração por conta de insuficiência cardíaca), já fora do peito e bastante danificado, como se o seu “coração” metaforicamente fosse feio e defeituoso. Esses são apenas alguns exemplos, Vice utiliza esse tipo de montagem como recurso durante toda a sua metragem.
É chocante observarmos como a administração Bush/Cheney (ou Cheney/Rumsfeld) manipulava a opinião pública com a ajuda da mídia, como no caso em que imposto sobre heranças dos mais ricos foi nomeado como imposto sobre a morte – o que seria melhor para que as pessoas fossem contra o imposto, chamá-lo de imposto para os ricos ou de imposto sobre a morte? Os frutos desse período também são bastante peculiares: empresas petrolíferas relacionadas a Cheney/Rumsfeld experimentaram aumento de 500% no valor de suas ações após a derrubada de Saddam Hussein; pode-se também atribuir a eles o quinhão na criação do ISIS (Estado Islâmico), já que o terrorista Abu Musab al-Zarqawi, um dos fundadores do ISIS, foi elevado ao estrelato no mundo terrorista depois que os americanos o colocaram como um dos líderes da Al-Qaeda no Iraque, o que depois mostrou-se falso.
A realidade mostrada por Vice não é documental, mas é plausível acreditar que grande parte dos eventos fictícios exibidos aconteceu de forma ao menos próxima do que foi mostrado. Alguns vão dizer que o filme é liberal de esquerda, outros que ele mostra apenas fatos comprovados – há uma cena adicional depois dos créditos que brinca com isso. Independente da orientação ideológica, Vice funciona bem ao mostrar como a mente dos detentores do poder funciona: seja de direita ou de esquerda, o foco principal nunca é o bem estar da sociedade ou a proteção de vidas humanas, mas a perpetuação no poder e aumento da supremacia econômica do seu grupo.


Familiar essa cena, mesmo mais ao sul da América



Nota: 5/5

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