Um filme por dia 2017 - 17/06 - Adaptação (2002)



Título original: Adaptation.
Pode-se até não gostar dos roteiros de Charlie Kaufman, dizer que eles sempre tratam dos mesmos temas, mas é impossível negar a criatividade de sua escrita e como ele evita a todo o custo os clichês e a previsibilidade.
Em Adaptação há ecos de de Fellini, mas só na ideia básica: o roteirista - em 8½ era um diretor - Charlie Kaufman (Nicolas Cage) com bloqueio criativo não consegue adaptar o livro The Orchid Thief e passa então a escrever sobre si mesmo e sua dificuldade. O real e o imaginário se confundem, já que o livro e sua escritora Susan Orlean (no filme interpretada por Meryl Streep) são reais, assim como o roteirista Charlie Kaufman. Já seu irmão Donald Kaufman (Nicolas Cage) é um personagem totalmente ficcional, ao menos fisicamente, pois ele representa tanto características que Charlie gostaria de ter como outras que ele reprime. Adaptação critica abertamente a indústria do cinema e em especial os manuais de roteiro, largamente utilizados em Hollywood para garantir que os filmes sejam um sucesso de público em detrimento da criatividade - Donald escreve um roteiro medíocre e o vende por uma fortuna, já que os executivos do cinema enxergam naquele texto cheio de fórmulas testadas algo confortável o suficiente para a audiência, de forma que provavelmente será um sucesso. Kaufman revisita o que talvez seja o seu tema predileto, o desconforto que sentimos com o que somos, o desejo e o medo de mudar. Há também uma bela metáfora envolvendo a orquídea fantasma, inalcançável como os objetos de desejo que só existem em nossa idealização e quando alcançada se mostra o que é na realidade, apenas uma flor em um pântano.
Adaptação causa estranheza em seu ato final, que parece não combinar com o resto do filme. Pode até ter sido uma piada voluntária, já que em certo momento é dito que os filmes são lembrados sempre pela sua parte final, não importando o que tenha acontecido antes. Voluntário ou não, o clima de aventura soa artificial dentro de uma obra tão pessoal, mas não há como negar que serviu para desmentir essa suposta regra e desmontar mais um tolo paradigma de Hollywood.
Nota: 4/5


Fabio Consiglio

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