Um filme por dia 2017 - 15/12 - Vinhas da Ira (1940)



A pé e com o coração leve, eu tomo a estrada aberta/sadio, livre,
o mundo diante de mim/a longa vereda diante de mim, levando-me para onde quer que eu escolha”.
(Walt Whitman, poeta americano)



Título original: The Grapes of Wrath
O filme Vinhas da Ira foi baseado no romance de John Steinbeck que teve enorme repercussão e valeu ao autor o Prêmio Pulitzer, em 1940. O filme narra a história da família Joad, que foi expulsa de sua própria terra depois de morar lá por mais de 50 anos. O terreno foi vendido para uma empresa que eles desconheciam e sem a autorização da família, em plena crise causada pela grande depressão norte-americana, que ocorreu após a quebra da bolsa de Nova Iorque, em 1929. Como consequência muitas pessoas perderam o emprego, suas terras e o crédito no banco.
O filme mostra como milhares de cidadãos dos Estados Unidos fizeram viagens para vários lugares, saindo de suas propriedades em busca de colheitas, de frutas ou de algodão, para trabalhar em troca de um salário e de um teto para dormir. O protagonista do filme de John Ford é Tommy Joad (Henry Fonda) que retorna à sua família depois de ser condenado por homicídio e sai em liberdade condicional, depois de cumprir pena de quatro anos. No início da viagem os personagens percebem que nada será como antes, porque sofrerão uma transformação profunda e negam a si mesmos qualquer possibilidade de mudança. O pessimismo dos personagens pode ser representado pela fotografia cinzenta, com paisagens extremamente sombrias como as almas daqueles sitiantes, que perderam tudo por causa da ganância das indústrias nos Estados Unidos.

Paisagem da seca em Vinhas da Ira


A obra de Ford não tenta enfraquecer a mensagem do livro ou representá-lo dentro de uma forma hollywoodiana. Tommy ainda é o mesmo herói com defeitos, culpado de assassinato e longe da perfeição.
O diretor, também creditado como Jack Ford, nascido com o nome de Sean Ford dirigiu os seguintes filmes: No Tempo das Diligências, A Mocidade de Lincoln, Rastros de Ódio (com John Wayne) entre outros, que são sempre citados ou evocados em outros filmes. O ator mais importante na filmografia de John Ford é John Wayne, que foi transformado em estrela de Hollywood. O cineasta ganhou o Oscar de melhor direção com o filme Vinhas da Ira e também o Globo de Ouro especial em 1955, em reconhecimento ao seu pioneirismo na indústria do cinema americano. O produtor de Vinhas da Ira é Darryl F. Zanuck que exigiu um final positivo, diferente do romance, onde a incansável matriarca Ma Joad, vivida com perfeição por Jane Darwell, reafirma a força e a dignidade do espírito individual. (Bergan, 2007, p. 417)
No cinema da Universal alguns cineastas foram caracterizados por representar preferencialmente o que poderia se chamar “o lado sombrio” do ser humano e da vida. Já Ford ressaltava a capacidade de amar e de ajudar outras pessoas através de personagens fortes, saudáveis e heroicos ou que, pelo menos, observam as fraquezas do ser humano com poesia, tolerância e um pouco de piedade.
A maior parte da história de Vinhas da Ira se desenrola na estrada, que é um elemento importante no filme, porque promove a possibilidade da família encontrar um lugar onde possa viver e dar continuidade ao trabalho na agricultura. O título do filme Vinhas da Ira é uma metáfora do verde vale da Califórnia, onde há produção de uva e que representa o alimento, o trabalho e a esperança, numa época tão difícil naquele país.

Russel Simpson (Pa Joad), Jane Darwell (Ma Joad) e Henry Fonda (Tommy)


Arthur Schopenhauer (1788-1860) escreveu que a vontade humana se caracteriza pela contínua luta entre suas diversas formas. E a ideia do filósofo alemão em relação à vontade do homem é bastante pessimista, porque ele considera que só a vontade não basta, o homem quer viver, mas não tem saída já que é butim de outro homem e explica:

(...) vemos em toda a natureza a luta, a guerra e alternativas na vitória, no qual temos que reconhecer o desdobramento essencial operado no seio da vontade.(...). Pela natureza inteira podemos seguir esta luta, porque, no fundo, o mundo consiste nela (...). Esta luta cósmica alcança seu máximo de visibilidade no mundo animal, cuja nutrição é constituída pelo reino vegetal, no qual cada animal é butim e alimento de outro, isto é, a matéria em que sua ideia se reflete deve servir para a manifestação da ideia de outro enquanto cada animal só pode conservar a sua existência pelo constante sacrifício de outra existência, de modo que a vontade de viver se devora constantemente e em diferentes formas é seu próprio alimento, até que, por fim, a espécie humana, como superior às demais, considera o mundo uma imensa fábrica para seu uso, e (...) o gênero humano encarna aquela luta, aquele auto-desdobramento da vontade, com a mais terrível violência, em que o homem chega a ser o inimigo do homem: homo homini lúpus. (Cabrera, 2007, p. 258-259)

O homem é o lobo do homem e a vontade de viver é cega, sem finalidade última. E tudo que possui vontade, o homem se dá sob uma forma particularmente dolorosa, já que suas intenções e ações oscilam da dor da ansiedade ao fastio da satisfação e vice-versa. Neste vaivém irrefreável, se baseia o famoso pessimismo estrutural e não meramente empírico, como às vezes interpreta o filósofo Cabrera (2007, p. 236)
O filósofo  encontra nas vicissitudes algo positivo, sendo que o homem pode se conhecer por meio da dor e da riqueza da negação:  “(...)  Os lugares que os personagens atravessam e o tempo que se “gasta” viajando são constitutivos, transformadores. A vida é uma viagem enriquecedora e auto-conscientizadora”. (Cabrera, 2006, p. 217-222)
Segundo o autor, a viagem dentro de um filme pode ter a conotação de experiência e como consequência, uma transformação interior dentro do personagem. Além do deslocamento físico ele parte também para uma viagem interna, para conhecer a si mesmo, numa jornada interior. Em Vinhas da Ira, a jornada pelas estradas nos revela que isso é possível se esta for a direção escolhida, pela mudança.
Nota: 5/5


Rosängela D. Canassa



O texto de hoje, mais bem elaborado e mais acadêmico, é de uma convidada especial, a dona desse blog, a Mestra em Artes Visuais Rosângela D. Canassa.

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